março 31, 2006

A palavra contra a hipocrisia e o cinismo


Fascismo pós-moderno
por Miguel do Rosário (*)

Não quero aqui fazer um paralelo entre o horrendo processo político que produziu doenças políticas em nações tão ricas culturalmente e o que ocorre hoje nas Américas Latinas, particularmente no Brasil, Venezuela, Bolívia, onde uma imprensa se arvora, cada vez mais, como intérprete da opinião pública. As circunstâncias históricas são outras. Mas o fascismo é o mesmo.

O caso da deputada petista que dançou no plenário é emblemático. Desta vez, ela não é acusada de corrupção, de frequentar casas suspeitas ou nada parecido. A acusação: ensaiar uns passinhos de dança em comemoração à absolvição de um colega que, segundo ela, seria inocente das acusações que pesam contra ele.

Ora, quem acompanha as votações do Congresso sabe que os deputados comemoram efusivamente as vitórias e derrotas. Sabe também que as piores baixarias são pronunciadas. Agora, concentrar toda essa energia negativa sobre a deputada é um golpe baixo. O jornal Globo dedicou metade de sua seção de cartas aos recalcados que protestaram contra a dança da deputada. No mesmo jornal, o tucanista Reinaldo Azevedo escreve mais um de seus cínicos artigos intitulado A Dança da Bruxa. Os blogs políticos decidiram promover um processo de linchamento moral e político sem igual. Josias de Souza, da Folha, divulgou o email da deputada e incitou os leitores a enviarem mensagens. Ele mesmo conclamou seus leitores a não votarem na deputada no próximo pleito, num gesto de parcialidade política estarrecedor num jornalista que se pretende imparcial. Todos disponibilizaram vídeos da dança, sendo que o Noblat comete o desplante de repetir um post com o vídeo.

É evidente que todos nós temos nossos momentos de ridículo. Se os brasileiros tivessem acesso às palhaçadas grotescas que faço, na intimidade ou nos bares, com publicação simultânea em todas as redes de tv, jornal e internet do país, certamente também choveriam cartas dizendo que uma pessoa como eu não mereceria ser levada a sério.

A deputada ficou acuada, por isso pediu desculpas. Ela é gente, afinal. Quem poderia suportar uma campanha com esse nível de violência? Getúlio, um homem velho, experiente, se suicidou em função da tortura psicológica que lhe infligiram diariamente desde o início de seu governo. Como não conseguiram destruir o PT como partido, estão agora tentando destruí-lo deputado por deputado, ministro por ministro.

Quando recebemos um email negativo ou, em meio a um fórum de mensagens, alguém diz algo negativo sobre a gente, já ficamos aborrecidos. Imagine como é ser alvo nacional, ser ridicularizado nacionalmente como estão fazendo com essa deputada, uma parlamentar corajosa e leal, que está sozinha no Conselho de Ética a enfrentar leões cínicos e hipócritas.

Estão querendo provocar novamente a opinião pública, incitar o ódio, a revolta. Entretanto, ao mesmo tempo em que tentam ridicularizar a deputada petista, eles também caem no ridículo, ao reduzir o debate político e ideológico a um nível tão mesquinho.

Notei que muitos companheiros e articulistas do campo progressista também criticaram a deputada, acusando-a de ser irresponsável. Ela mesmo fez uma mea culpa. Todos, inclusive ela própria, a meu ver, são vítimas desse processo eminentemente psicológico, opressivo, covarde, desestabilizador.

Não acompanho os trabalhos dessa deputada, mas estou absolutamente indignado com esse linchamento desumano. Ela é uma brasileira legítima, e mostrou com sua dança ser uma pessoa passional, sensível, de espírito popular, festeiro, como é a grande maioria dos brasileiros. Dançar é sinal de franqueza. Seguramente, foi um gesto infantil, lúdico, da parte dela.

Com esta crise, sinto que todos cobram de todos uma força e um comportamenteo incompatível com um ser humano normal. É a velha batalha do mal contra o bem, onde o mal triunfa pelo cinismo e pela violência. Tenho visto nesse mundo as pessoas boas serem trituradas pelos canalhas de toda espécie. Na política, não é diferente. Mas as coisas às vezes são diferentes. Os bons precisam ser mais fortes, mais inteligentes, mais duros.

É como dizia Chê, hay que endurecer, sendo que a ternura, essa talvez, infelizmente, esteja ultrapassada. Temos que ser duros, somente duros. A ternura, essa a gente guarda para os amigos, os filhos. Se eles querem guerra, terão guerra. O espírito de milhões de almas, passadas e futuras, nos vigia e nos protege. As almas dos que morreram de fome, dos que foram torturados e assassinados pelos governos, não só do Brasil, mas da Argentina, Chile, Bolívia, El Salvador, Guatemala. Esses serão nossos anjos da guarda.

Não vamos deixar o país voltar às mãos sujas do PSDB/PFL, quando as instituições policiais não investigavam nada. Polícia Federal, MinistérioPúblico, Procuradoria Geral da União, Tribunal de Contas, não tinham independência. Quando estatais foram vendidas subavaliadas, a toque de caixa. Quando o desemprego atingiu níveis alarmantes. Quando o endividamente parecia aniquilar completamente qualquer possibilidade de soberania nacional e desenvolvimento. Hoje o Brasil respira aliviado. Hoje existe efetivamente esperança de um país melhor. Os problemas continuam, mas o motor da locomotiva foi consertado. Estamos prontos para crescer. E, pela primeira vez, não de forma egoísta, mas junto com nossos irmãos argentinos, paraguaios, bolivianos, africanos. A história nos observa.

Lula é muitos!

* Miguel do Rosário é colaborador da Novae e editor de Arte e Política

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