abril 08, 2006

Por um projeto antimanicomial

A psiquiatra e psicanalista Ana Marta Lobosque ao referir-se, numa de suas obras, à experiência da psiquiatria democrática italiana, caracterizada por uma ruptura com as reformas estritamente institucionais, afirma que os italianos optaram por uma desconstrução das instituições psiquiátricas que envolveu uma desmontagem do mito da doença mental e a criação de novas formas de convívio entre a sociedade e a loucura.

A Associação Chico Inácio, no momento em que profissionais cuidadores em saúde mental estão empenhados na substituição do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro por um Hospital de Clínicas, - incluindo aí os cuidados com os portadores de sofrimento mental -, quer trazer sua contribuição através do assinalamento de alguns observações da companheira Ana Marta que, como nós, é filiada à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial.

Diz ela que algumas experiências de reforma psiquiátrica, seja no âmbito clínico, seja no âmbito gerencial, foram fortemente marcadas pelo discurso "psi", o que gerou uma aceitação "natural" deste discurso e seus efeitos na sociedade. Não raro reduziram suas práticas à humanização da instituição, ao supor que a instituição estava doente, e que era preciso tratá-la, e que as psicoterapias de grupo ou técnicas afins eram elementos de socialização básicos para as pessoas loucas. Essa atitude impediu a invenção de recursos que permitessem aos portadores de sofrimento mental viver e produzir fora do espaço institucional. Com isto, foi reforçado o pressuposto de que lugar do louco é na instituição, e não na cultura.

Sabemos que não é essa a idéia que motiva os profissionais cuidadores em saúde mental do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro. Mas "é preciso estar atento e forte, é preciso não temer a morte" do antigo modelo, afinal não se trata de construir dentro da instituição um "mundo melhor" para os usuários. Trata-se, sim, segundo Ana Marta, de um projeto radical de construção da cidadania do portador de sofrimento mental, e de não superestimar o papel de mediação dos agentes "psi" entre a loucura e a sociedade. Trata-se de não mais aceitar uma leitura psicologizante dos graves problemas representados pela exclusão da loucura, pois que a psicologização de tais problemas é sempre correlata à sua despolitização.

Ana Marta, ao relembrar Basaglia e Foucault, afirma: "o processo histórico de exclusão da loucura não tem raízes na natureza da loucura, não são características inerentes ao sujeito louco que geram tal exclusão; este processo resulta de uma série de embates, enfrentamentos, correlações de força, no âmbito de uma cultura que acredita demasiadamente em sua própria razão"

Ao tempo que relembramos a importância da releitura da obra da companheira Ana Marta Lobosque "Experiências da Locura", publicada pela Editora Garamond, em 2001, tornamos público, a quem interessar possa, que a Associação Chico Inácio é parceira dos profissionais cuidadores em saúde mental no processo de emancipação dos portadores de sofrimento mental, sem perdermos a independência, a crítica e a ternura. Posted by Picasa

Nenhum comentário: