setembro 10, 2006

Crime contra um patrimônio da Saúde Mental brasileira

Tela de Fernando Diniz - Museu do Inconsciente















Nota: Descontado o mau humor do Arthur da Távola com o rock, a indignação dele contra um crime hediondo a um patrimônio da Saúde Mental brasileira é nossa também. Leia e chore.

Nise da Silveira e a Casa das Palmeiras

Os tempos são tão vertiginosos e carregados de novas informações, tudo envolto hoje em dia na estratégia da comunicação do entretenimento. Por causa dessa nuvem de mediocridade, figuras de elevados serviços prestados ao Brasil e ao próximo, mesmo sendo da segunda metade do século vinte ficam ocultas e desconhecidas pelas novas gerações, intoxicadas de rock, celebridades da TV e esportes radicais.

A Dra Nise da Silveira não foi uma celebridade da TV: é uma glória nacional. Por certo muita gente da nova geração jamais ouviu falar seu nome. Era uma psiquiatra brasileira, alagoana da gota. Frágil de corpo, pequena e muito magra, tenaz como um tigre, lutadora, benfeitora precoce no tratamento da doença mental. Antes disso foi, na juventude, militante ativa do Partido Comunista. Ainda nos tempos de Vargas foi atirada na prisão da Ilha Grande com outro grande nome do País o escritor Graciliano Ramos, alagoano como a Doutora. Leiam Memórias do Cárcere.

Trabalhava ela em Hospital Público até hoje existente, o Pedro II, na estação do Engenho de Dentro. Era tempo em que as internações, os choques elétricos ou drogas pesadas de soníferos eram utilizadas no tratamento de várias enfermidades mentais e também uma fase da psiquiatria em que a maioria das famílias entregava os chamados loucos (uma injustiça) aos então hospícios e os largavam por lá. Resultado: a piora. Alguns saiam do manicômio apenas ao morrer. Vagavam anos a fio, de avental sujo, perdidos pelos pátios e os labirintos do ego desestruturado.

A brava Doutora, aprofundou-se no estudo da esquizofrenia e a partir de alguns anos descobriu a psicologia profunda do psicanalista Carl Jung, contemporâneo e ao princípio discípulo de Freud e que depois enveredou por outro caminho. O mais curioso é que o comunismo daquela época abjurava tanto a psicanálise, como Jung, pelo fato de não tentarem explicar o mundo somente pela luta de classes, embora essa existisse como ainda existe. Nise aprofundou-se no estudo e no trabalho. Anos depois foi à Suíça. Mostrou a Jung seus trabalhos e dele ficou não apenas divulgadora como, além de amiga e correspondente regular, ela se aprimorou na forma de tratamento da esquizofrenia, usando um binômio considerado utópico pela maioria dos médicos de então: o binômio era tratar os pacientes caso a caso (nada de generalidades) através da terapia artística e muito amor. Da terapia artística decorreram condições para algumas curas ou, pelo menos alívio e melhora. Além disso, e embora a finalidade não fosse esta, muitos pacientes antes afundados na alienação da esquizofrenia deixaram obras hoje de fama internacional pela qualidade e expressividade. Hostilizada no Hospital, resolveu abrir uma clínica privada pequena, a que chamou de Casa das Palmeiras, sem finalidades comerciais ou lucrativas. E na qual toda a Direção é voluntária. Isso, há 50 anos! A Casa das Palmeiras de lá até aqui, mesmo reconhecida como obra da mesma importância (em tamanho menor) do Museu das Imagens do Inconsciente (existente no Hospital Pedro II e também obra dela), nesses 50 anos acumulou um acervo de trabalhos, de inestimável valor para a ciência, a psiquiatria, a psicologia, a arte e a cultura. Pois foi nesse acervo, de valor comercial nenhum, e de alta importância histórica e antropológica que alguém (ou “alguéms”) tocou fogo na madrugada de domingo último.

Destruir um acervo como este é igual a incendiar uma floresta. Percebem a razão da minha dor?

Arthur da Távola

Crônica do dia 07/09

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