dezembro 03, 2006

Comparado ao HCTP-ES o HCTP do Amazonas é um jardim-de-infância

Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, Manaus-AM













NOTA: No interior da Penitenciária Desembargador Vidal Pessoa - única instituição carcerária da cidade de Manaus até o final do século XX - funcionava o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do estado do Amazonas (HCTP-AM). Quando o dirigi, a convite do Secretário de Justiça e Cidadania, advogado Félix Valois, entre 1998 e 2000, sua existência ultrapassava uma dezena de anos.

Chamar de hospital um pavilhão onde funcionava uma antiga delegacia, e que dispunha de um pátio-corredor para circulação fora de celas insalubres denominadas eufemisticamente de enfermarias, é a face obscura do decantado jeitinho brasileiro.

Pois foi nesse local que as autoridades sanitárias dos anos 198o aceitaram que Portadores de Transtorno Mental (PTM) que cometem delitos fossem submetidos a tratamento psiquiátrico, através da aplicação de um dispositivo conhecido como medida de segurança, conforme estabelecido pela Lei de Execução Penal.

Movido a desafios, contava em meu currículo com empreendimento semelhante, vivido por ocasião da "humanização" (conceito com quem tenho discordâncias) do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, no início dos anos 1980, quando dividi com o saudoso amigo psiquiatra Silvério Tundis a construção da Reforma Psiquiátrica no estado do Amazonas. O diferencial é que participavamos de um movimento de enfrentamento da corrupção e da violência praticada contra PTM de transtorno mental no velho hospício da cidade.

Num universo de mais de 30 internos do HCTP, encontrei pouco mais de uma dúzia de PTM, supostamente em tratamento; os demais recebiam cuidados médicos para outros tipos de doença. Espelhado no modelo manicomial, a medicalização era o principal recurso terapêutico para os PTM. Terapia ocupacional estava inteiramente fora de cogitação. Até então, a instituição não tinha recebido um psiquiatra sequer em toda a sua existência: uma irregularidade admitida graças ao silêncio das categorias organizadas.

Mais do que uma interpretação equivocada da lei, era a indiferença social para como os PTM que os mantinha indefinidamente no hospital-presídio, em franco desrespeito aos direitos do cidadão de progredir seu tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez cessado o controvertido conceito de periculosidade. Mas aqui são outros quinhentos.

Naquele período estava em vias de inauguração o novo complexo penitenciário Anísio Jobim, na estrada Manaus-Caracaraí, e em construção a cadeia pública do Puraquequara. Havia a promessa do governo Amazonino Mendes de edificar o novo HCTP nas imediações do "Anísio Jobim".

Antes da minha chegada, pelo menos uma denúncia fora endereçada à Ordem dos Advogados do Amazonas (OAB-AM) e ao Conselho Regional de Medicina: o documento final, timidamente, reconhecia a precariedade das instalações, mas não ousava manifestar-se contra a inadequação do local para funcionamento de qualquer tipo de serviço de saúde.

Passado o período de implantação de outras propostas terapêuticas (Oficina de Artes e de Artesanato), às vésperas de minha viagem ao Paraná, onde ia colher subsídios para a implantação de um novo modelo, ao enfrentar um rede de tráfico de influências que obtinha apoio do segundo escalão e punha em risco minha vida, optei por interromper, após dois anos de trabalho, minha atividade como dirigente hospitalar. Dali fui constituir uma outra rica experiência no Programa Saúde da Família, programa que também clama por uma avaliação nos dias de hoje.

Quanto à promessa de Amazonino Mendes, ela não saiu do papel. Essa indiferença governamental não está sozinha, ela conta com a indiferença ampla, geral e restrita ao corporativismo nosso de cada dia, incapaz de produzir uma análise crítica dos gargalos existentes na políticas públicas.

As condições do HCTP-AM até hoje são precárias. A despeito da humanização ali praticada em qualquer tempo, um outro tipo de tratamento é possível somente num outro espaço físico, se respeitadas as garantias mínimas asseguradas por lei.

Apesar de tudo, se cotejada com a experiência do HCTP-ES, o HCTP-AM pode ser considerado um jardim-da-infância. Leia o artigo publicado na Gazeta on-line do Espírito Santo:
http://gazetaonline.globo.com/noticias/minutoaminuto/local/local_materia.php?cd_matia=240227&cd_site=0844

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Dependentes químicos aumentam demanda no Hospital Psiquiátrico

20/11/2006 18:50:05 - Redação Gazeta Rádios e Internet
Eduardo Santos

A Casa de Custódia de Tratamento Psiquiátrico, antigo Manicômio Judiciário, não dispõe de médicos para tratamento dos cerca de 80 internos - na maioria criminosos que se dizem doentes mentais e traficantes que, ao serem presos, afirmam que são apenas viciados em drogas. O problema é antigo e até agora a Secretaria da Justiça ainda não conseguiu solucionar o problema.
Além disso, o estabelecimento prisional conta apenas com dois peritos para avaliar se os detentos são ou não doentes. Por isso, já há laudos psiquiátricos marcados para o ano de 2008. A dupla pericia internos de todo o Estado. A informação foi publicada nesta segunda-feira, na Coluna Victor Hugo, do jornal A Gazeta.

Entretanto, o secretário de Justiça Ângelo Roncali afirmou que o quadro de funcionários do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, em Roças Velhas, Cariacica-Sede, é suficiente para atender os internos inimputáveis e semi-imputáveis como determina a Lei de Execuções Penais.

Ele disse ainda que o estabelecimento conta com um clínico-geral, um assistente-social e dois peritos que atendem os 28 internos dentro das condições previstas pela legislação. O que tem provocado aumento da demanda no hospital é o encaminhando de dependentes químicos por determinação da Justiça.

"Nós temos atualmente 66 pessoas em tratamento no hospital. Desse total, 28 estão em medida de segurança. Essa é a finalidade do estabelecimento. Lá não deveriam estar presos com dependência química. Eles deveriam estar em unidades prisionais. Com a implatação do Programa de Saúde dos Presos, com o tempo, esse problema vai ser resolvido. Essa sobrecarga se dá por causa de determinação judicial. Alguns juízes entendem que dependentes químicos devem ser mantidos lá", informou o secretário.

Para diminuir a demanda no antigo Manicômio Judiciário, a Secretaria de Justiça está tentando uma parceria com a Secretaria de Saúde e com a Polícia Civil. De acordo com Roncali, os presos com dependência química passariam a receber tratamento nos presídios. Posted by Picasa

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