março 10, 2007

Ministério da Cultura: a loucura como tema transversal

Sérgio Mamberti















NOTA: Conheça as Políticas Públicas de Cultura do governo federal, através do grande Sérgio Mamberti, e saiba porque o Ministério da Cultura incorporou a Saúde Mental entre suas prioridades.

Enquanto isto, no Amazonas, no ano de 2005, a Secretaria de Estado de Cultura chegou a investir na criação do Coral Viva Voz do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, no processo de desinstitucionalização dos portadores de transtorno mental (PTM). A Associação Chico Inácio - ong que trabalha no campo da defesa dos direitos civis e políticos dos PTM, parceira desta iniciativa, continua a experiência, torcendo para que essa ação volte a ser incorporada entre as ações daquela secretaria.

09.03.07
Políticas Públicas de Cultura
Secretário Sérgio Mamberti aponta prioridades de trabalho da SID/MinC

Gláucia Ribeiro Lira/ Letícia Alcântara

Criada em 2003, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MinC) promove o diálogo e o debate com setores representativos da Diversidade Cultural Brasileira desprovidos de políticas públicas. Única no mundo, a SID tem despertado a atenção de alguns países, como o Paraguai, por exemplo, que já manifestou o desejo de criar uma secretaria que trate a identidade e a diversidade cultural, como a que temos aqui.

As culturas populares e indígenas, a cultura cigana e a diversidade sexual estão sendo contempladas com políticas públicas, embora muito ainda precise ser feito. Nesta entrevista, o secretário Sérgio Mamberti fala sobre trabalhos que foram desenvolvidos na sua primeira gestão e também revela alguns planos para o segundo mandato. Duas novidades referem-se à discussão, que já se inicia, em torno da elaboração de políticas públicas de cultura para a área de saúde mental e para o movimento Hip Hop, cujo sucesso é uma realidade no país.

Uma das grandes contribuições e conquistas deste ministério para a promoção, proteção e manutenção da diversidade cultural diz respeito à aprovação da Convenção da Unesco sobre a Promoção e Proteção da Diversidade das Expressões Culturais, que entrará em vigor no próximo dia 18 de março. Ratificada pelo Brasil e por diversos países, a Convenção enriquecerá as relações entre as nações, nas suas dimensões sociais, econômicas e culturais.

Como foi encontrada a questão da Diversidade Cultural quando o Sr. assumiu a secretaria pela primeira vez?

Naquela ocasião, em 2003, não havia no MinC nenhuma abordagem sistemática em torno do conceito de Diversidade Cultural, que é um fator fundamental para a construção das políticas públicas, nas áreas da Cultura e das Políticas Sociais. O trabalho desenvolvido pelo MinC se concentrava no atendimento à Lei Rouanet (Mecenato e Fundo Nacional de Cultura).

Mas a cultura vai muito além da promoção de eventos artísticos. Ela abrange uma relação de transversalidade com todas as áreas, como a saúde, a educação, a economia etc. O documento A Imaginação a Serviço do Brasil, programa de políticas públicas de Cultura na campanha de Lula à Presidência, foi redigido com base na multiculturalidade das regiões brasileiras. A cultura passou a ser entendida como uma questão de cidadania.

Ao chegarmos ao MinC, sabíamos que precisávamos fazer um diagnóstico para a definição de prioridades. Uma delas foi a reestruturação do ministério, para que ele pudesse fazer frente ao desafio de criação de políticas públicas. O tema da Diversidade foi abordado desde o ínicio da nossa gestão. A Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural foi criada para atender a segmentos da população que nunca foram contemplados com políticas públicas. Começamos a trabalhar com as culturas populares, com a diversidade sexual, depois com as culturas índigenas; ampliamos para a cultura cigana e agora pretendemos expandir para faixas etárias (criança, adolescente e terceira idade), para a área da Saúde Mental e para o movimento Hip Hop.

Que outros trabalhos a SID desenvolve?

Temos trabalhado, também, com o Ministério do Turismo, no que se refere à organização dos roteiros turísticos nacionais, salientando-se a interface da Cultura com o Turismo.

Destaco, ainda, o programa Rede Cultural da Terra, desenvolvido em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente e o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST). Estamos ampliando nossas parcerias, desta vez com a Comissão Pastoral da Terra, o Movimento do Pequeno Agricultor e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

A SID também tem trabalhado com a UNE, na criação da Rede Cultural dos Estudantes. A partir de 2004, com a caravana Paschoal Carlos Magno, que percorreu o Brasil do Amazonas ao Rio Grande do Sul, em parceria com as universidades e os CUCAs.

Por que trabalhar com a saúde mental?

A relação entre arte e loucura é antiga. As atividades artísticas podem ser utilizadas para viabilizar e facilitar o tratamento terapêutico. Uma das contribuições da SID/MinC é identificar segmentos da sociedade brasileira ainda pouco reconhecidos no âmbito das políticas culturais e identificar estratégias de aproximação e promoção das expressões culturais desses grupos. A dimensão da loucura pode ser incorporada às ações do ministério, de forma transversal. É necessário detalhar estratégias de atuação com outros ministérios, como o da Saúde, por exemplo, além de outros.

Esse diálogo também precisa ser desenvolvido com movimentos sociais, instituições e lideranças, com o propósito de construção de uma política comum e integrada, que valorize as potencialidades das expressões artísticas e as ações culturais. Na próxima segunda-feira, dia 12, haverá uma reunião na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, no Rio de Janeiro, onde trataremos esse assunto, mais precisamente a realização de um seminário, previsto para o final de maio, objetivando a construção de um grupo de trabalho que nos permita determinar ações e diretrizes para políticas públicas direcionadas à saúde mental.

O Prêmio Culturas Índigenas é um dos maiores êxitos desta secretaria. Como foi o processo de criação do prêmio, que itens foram discutidos para que obtivesse esses resultados?

Em abril de 2004, participamos, no Recife, do seminário Povos Índigenas: Olhando para o Futuro, promovido pela Fundação Joaquim Nabuco, onde, pela primeira vez, nos comprometemos com as lideranças indígenas de organizar a presença desse segmento étnico no Fórum Cultural Mundial (FCM), realizado em São Paulo, naquele mesmo ano. Foram constituídas três mesas, consideradas umas das mais importantes do evento.

Para a implementação das recomendações constantes do documento gerado no FCM, foi criado, em abril de 2005, por meio de Portaria assinada pelo ministro Gilberto Gil, o Grupo de Trabalho Indígena – com ampla representatividade de lideranças indígenas -, com o objetivo de discutir e propor políticas públicas para as culturas desses segmentos. Em 2006, como resultado das discussões do grupo, foi instituído o I Prêmio Culturas Indígenas – Edição Ângelo Cretã, que, por meio de edital, privilegiou o fortalecimento e a proteção das culturas indígenas em todas as suas dimensões. O interesse ultrapassou todas as nossas expectativas. Numa população de 750 mil índios, 504 projetos foram apresentados, oriundos de todo o Brasil, perfazendo um total aproximado de 350 mil índios, ou seja, praticamente a metade da população. Foram premiados 82 projetos, atingindo por volta de 60 mil indígenas, o que atesta o êxito da iniciativa. Cada comunidade vencedora será contemplada com R$ 15 mil.

Além do formato de premiação, que minimizou os entraves burocráticos para uma população que não tem constituição jurídica, inovamos também na comunicação. Sensibilizamos os mais variados meios de comunicação, dentre eles, rádios comunitárias, Rádio Nacional da Amazônia etc., que ajudaram a divulgar o edital. As comunidades puderam se inscrever pela Internet, por cartas e por outros meios, de modo que houve uma facilitação para as inscrições. A Associação Guarani Tenonde Porã, nossa parceira nesse trabalho, também ajudou na divulgação do prêmio.

Os recursos destinados à premiação, no valor de mais de R$ 1,2 milhão, são provenientes da Petrobras, empresa patrocinadora do concurso, por meio da Lei Rouanet. Tivemos o apoio de outros ministérios e instituições, promovemos oficinas de divulgação do prêmio em todo o país. Todo esse conjunto de atividades contribuiu para o sucesso do prêmio.

E a partir deste ano, como vai ser esse trabalho com os indígenas?

O Grupo de Trabalho será ampliado. Vamos transformá-lo num fórum permanente, voltado para as culturas indígenas. Ele participará da elaboração do II edital do Prêmio Culturas Indígenas, que contará com recursos de R$ 3 milhões da Petrobras. Estamos desenvolvendo, junto à Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), a Campanha Nacional de Valorização das Culturas Indígenas. Com esse trabalho, queremos promover e fortalecer as culturas dos primeiros povos brasileiros, para que possamos, nacionalmente, vencer o preconceito e a discriminação, e nos inteirarmos da profundidade da contribuição dessas culturas para a formação do povo brasileiro. Essa campanha se destina a todos os segmentos da sociedade nacional brasileira, incluindo os povos indígenas.

Os indígenas dizem que cansaram de ser objeto de estudo; eles querem ser sujeitos da própria história. Em todo o país existem 223 etnias, que falam cerca de 180 línguas. Vamos continuar debatendo e amadurecendo várias questões, trabalhando em torno de diretrizes e ações propostas e acatadas no GT Indígena. Ainda este ano, devemos realizar, na Bahia, o I Encontro Sul-Americano da Cultura dos Povos Indígenas. Além disso, estamos trabalhando, junto à SAV, na criação do DOCTV Indígena. Haverá, ainda, as comemorações do Dia Nacional do Índio, quando haverá uma mostra de cinema, a realizar-se na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

Em relação à cultura cigana, o que tem sido feito?

Vamos retomar as atividades do Grupo de Trabalho para as Culturas Ciganas, criado em janeiro de 2006, por meio de portaria ministerial. O grupo produziu um documento com ações e diretrizes, em torno do qual iremos trabalhar, implementando as reivindicações prioritárias, com a participação dos vários representantes dos povos ciganos. Neste ano, vamos apresentar o relatório final dos trabalhos.

Quero ressaltar a criação do Dia Nacional do Cigano (24 de maio), instituído no ano passado, por meio de decreto do presidente Lula. Em maio próximo teremos a satisfação de colocar em prática ações alusivas à data. Para esse trabalho, contaremos com a parceria da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, ligadas à Presidência da República.

E quanto à diversidade sexual?

A diversidade sexual, bem como a implantação de redes temáticas abrangendo várias linguagens artísticas, mereceram e continuarão a merecer a mesma atenção por parte da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural. Desde 2004, o MinC, por meio da SID, desenvolve, através de editais, o projeto Cultura GLTB, que vem apoiando as paradas e demais manifestações culturais do movimento. Neste ano, será lançado mais um edital GLTB, e também será organizado, junto ao Departamento de Museus do Iphan, uma exposição itinerante sobre a questão da homossexualidade no Brasil. Começaremos a trabalhar, concretamente, na construção, em Salvador, de um Museu da Homossexualidade, composto por um acervo de Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia.

O Edital de Apoio à Cultura GLTB de 2006 selecionou 63 projetos (43 de Paradas e 20 de outros segmentos artísticos e culturais). A Parada GLTB de São Paulo, que já está com dez anos, teve início em 1997, com a participação de duas mil pessoas. Dez anos depois, em 2006, três milhões de pessoas de todo o Brasil fizeram parte da manifestação, considerada a maior do país pelo respeito às diferenças.

Secretário, fale um pouco sobre as culturas populares.

Uma das iniciativas mais importantes da SID/MinC é o projeto de Políticas Públicas para as Culturas Populares. Ele vem sendo construído desde 2004, com oficinas em 15 estados do Brasil, com a participação de mestres e grupos que se dedicam à preservação desse patrimônio cultural, de origem ibérica, afrodescendente e indígena, que constitui um dos maiores acervos, tanto do ponto de vista material e imaterial, da cultura brasileira.

A partir dessas oficinas, realizamos, em 2005, o I Seminário das Políticas Públicas para as Culturas Populares, fato histórico pela riqueza das discussões e manifestações da diversidade cultural brasileira, que culminaram com a edição de um livro sobre todo o processo e na elaboração do 1º edital, lançado no final daquele ano. Em 2006 realizamos o 2º seminário nacional, simultaneamente com o I Encontro Sul-Americano de Culturas Populares, cuja segunda edição acontecerá em 2007, na Venezuela.

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