abril 19, 2007

O alienista contemporâneo


O ALIENISTA CONTEMPORÂNEO

Edmar Oliveira

Mais uma vez a nação mais poderosa do mundo nos assusta com uma tempestade de tiros, fenômeno que, como os furacões, pega os americanos de surpresa. Toda tecnologia disponível é insuficiente para a prevenção da tragédia que se repete inexoravelmente ao longo da história daquele país. Desta feita, Cho Seung-hui, coreano desembarcado nas Américas aos oito anos de idade, fuzilou mais de trinta colegas da Universidade de Virgínia Tech e depois cometeu a imolação já esperada nestas típicas tempestades. Cho justifica esta inevitável tragédia : "vocês destruíram meu coração, violentaram minha alma e queimaram minha consciência". Ao se olhar Cho a partir desta frase, algo de muito grave, sinistro e violento, embora incompreensível, aconteceu no coração, na alma e na consciência deste rapaz. Mas é esta incompreensão que o alienista contemporâneo espera poder traduzir para prevenir as tempestades. Desconfio que os fenômenos metereológicos são mais fáceis de compreensão e controle do que as tempestades da alma...

Se nos lembrarmos dos tiros em Columbine, os reais e o documentário de Michel Moore, nem a cultura do fácil porte de armas pode justificar tais atos. Tem tudo a ver, mas não explica "o que é ser humilhado e ser empalado numa cruz", que acaba produzindo o ato tão trágico e monstruoso. E o ódio é muito grande no coração, na alma e na consciência destes jovens que foram expulsos da maravilhosa sociedade de oportunidades que a América promete. Quem está fora não tem segunda chance e fica condenado a viver na dimensão da zona fantasma, onde até o Super-Homem era colocado, ficando sem poder interferir na realidade. Muito pior que o morto-vivo dos vampiros, aqui é já se sentir morto ao lado dos vivos que não notam a existência do morto-fantasma. Mas aí já são conjecturas filosóficas que não podem atenuar o comportamento do monstro sem controle que ceifa vidas inocentes só porque "vocês tiveram tudo o que desejavam. Suas Mercedes não eram o bastante, seus pirralhos. Seus colares de ouro não eram o bastantes, seus esnobes. Seus fundos de herdeiros não eram o bastante. Sua vodka e seu conhaque não eram o bastante. Todas as suas devassidões não foram o bastante. Não eram suficientes para preencher suas necessidades hediondas. Vocês tiveram tudo" , como vociferou Cho, no material gravado e enviado a NBC após os dois primeiros assassinados, para cometer os outros em seguida. Disse tudo isto enquanto apresentava fotos suas com armas em punho parecendo um louco furioso.

E era aqui que eu queria chegar. No caso de Cho, trata-se de um imigrante sul-coreano e com passado psiquiátrico. Teve diagnóstico de depressão, de esquizofrenia, de transtornos anti-sociais e de outros transtornos enquadrados numa listagem diagnóstica que amplia cada vez mais o campo da psiquiatria. E o alienista contemporâneo tem um sofisticado arsenal tecnológico para traçar o perfil de sujeitos periculosos para a sociedade. Os jornais trazem depoimentos revoltados de como foi possível deixarem Cho fazer o que já enunciava no seu comportamento anterior. E um louco internado não poria em risco uma comunidade que terminou vitimada pela falta de ação da psiquiatria.

E assim chega-se à conclusão de que o alienista contemporâneo deve estar apto para prevenir o crime atuando como os policiais do filme de ficção que prendiam o criminoso antes do crime acontecer... Me parece que o alienista contemporâneo está fadado a repetir o Simão Bacamarte de Itaguaí e internar muita gente nesta aldeia global sem resolver o problema.

No caso de Cho, assim como seus traços físicos revelam o asiático, o seu histórico clínico revela os seus transtornos psiquiátricos. Mas se é na América que ele comete seu ato como um americano típico dessas tempestades, não é na sua loucura que a explicação do ato deva ser buscada. A loucura existe, mas não pode ser responsabilizada por um ato cultural típico de uma sociedade que está produzindo um sujeito pós-moderno, com implicações ainda não muito claras para o futuro desta humanidade. Me parece ser nas tramas de constituição de sujeito na organização de determinada sociedade que as pistas desta tempestade possam ser buscadas.

Eu, que creio numa sociedade sem manicômios, tenho muito medo do alienista contemporâneo tentar enquadrar fenômenos culturais na loucura das pessoas. E sem a poesia de Machado de Assis, a Casa Verde americana pode repetir o manicômio como o depósito dos excluídos de uma sociedade competitiva onde o insucesso é sintoma de loucura.Posted by Picasa

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