maio 21, 2007

Do fundo do baú: 29 anos depois

Curso de Indigenismo - Manaus - AM, fev/1978

Ao centro, o antrópologo Darcy Ribeiro; abaixo, no primeiro plano, o jovem Ademir Ramos, ainda aprendiz de antropologia; ao seu lado, o padre Casemiro Betska; ao fundo, de camiseta, o antropólogo Carlos Alberto Ricardo
Manaus. Fevereiro de 1978. Às vésperas de viajar para São Paulo, onde viveria dois anos da minha vida fazendo residência médica em psiquiatria social na cidade de Diadema-SP, deparei-me com um Curso de Indigenismo promovido pela Igreja Católica do Amazonas, acompanhado do meu amigo Humberto Mendonça, o Beto. Até hoje, não sei que argumentos Humberto usou para convencer Renato Athias, da organização do curso, a garantir vagas para dois estranhos no ninho: o encontro era fechado para membros da Igreja. Continuarei sem saber, Beto partiu em 1981. É possível que Ademir Ramos, hoje doutor em Antropologia e professor da Universidade Federal do Amazonas, tenha intercedido a nosso favor. Conhecíamo-nos dos movimentos sociais, sobretudo do movimento estudantil; dois anos depois estávamos militando no mesmo partido - o combatido e combativo Partido dos Trabalhadores... Até hoje não sei o que o levou a afastar-se de suas origens; entretanto, ele continua morando no meu coração... de baby-doll.
Durante uma semana, nossos corações de estudantes - meu e de Beto - vibravam, em contida alegria, pelo convívio com gente muito querida dos movimentos sociais: o inigualável antropólogo Darcy Ribeiro, os bispos progressistas D. Tomás Lisboa, com seu cabelo à xavante e seus brincos de madeira; D. Tomás Balduíno, de Goiás Velho, mais tarde líder da Comissão Pastoral da Terra; Jorge Marskell, futuro bispo de Itacoatiara-AM, a quem encontraria em 1989 numa manifestação pública no município de São Sebastião do Uatumã, durante as filmagens do meu documentário "Balbina no país da impunidade", sobre a tragédia ecológica provocada pela construção da hidrelétrica de Balbina; além de dezenas de religiosos comprometidos com a Teologia da Libertação (lembro-me da presença de um bispo peruano, de quem não recordo o nome, que abordou o tema que tirou muitas vezes o sono do cardeal Ratzinger).
O curso aconteceu num retiro dos padres salesianos, na estrada do Aleixo, localizado na fronteira do bairro Zumbi com o bairro São José Operário, época em que ambos os bairros sequer existiam. O último deles constituiu-se na primeira tentativa de bairro planejado pós-Zona Franca, não fosse a invasão promovida pela população sem-teto (expressão que só seria conhecida como tal mais tarde) no início dos anos 1980, que resultou no surgimento de uma das maiores epidemias de leishmaniose conhecida no perímetro urbano de Manaus, só sendo ultrapassada pela malária endêmica que surge, quase que invariavelmente, a cada nova invasão.
Há tempos não revisitava esse período da minha formação acadêmica, quando a cidadania fervilhava no campo e na cidade, não fosse um inesperado encontro. Numa dessas noites abafadas, do fim da estação chuvosa, em que buscamos um refrigério para o intenso calor do dia, eis que me deparo com Carlos Alberto Ricardo, um dos palestrantes do Curso de Indigenismo de 1978, atual coordenador do Instituto Socioambiental (Isa), ong que atua no Vale do Ribeira (SP), no Parque indígena do Xingú (MT) e no Rio Negro (AM). Com a sede do Isa, em frente do Teatro Amazonas, nas vizinhanças do Bar do Armando, foi ali que o encontrei tomando um refrigerante, depois de sair do consultório em meu terceiro turno de trabalho. E, assim, a cena do longínqüo ano de 1978 se descortinou, despertando a memória de um tempo em que construíamos as liberdades democráticas deste país.
Para os leitores deste blog indico a leitura de "Da luta para os direitos das minorias ao sócio-ambientalismo - Trajetória da maior ONG brasileira do gênero, o Instituto socioambiental - Entrevista com Carlos Alberto Ricardo*, de onde retirei os dados abaixo sobre o estimado personagem.

* O antropólogo Carlos Alberto Ricardo dedica-se à questão indígena desde 1969 como pesquisador, editor, fotógrafo e ativista. Ele foi o idealizador do projeto « Povos Indígenas no Brasil », um sistema acumulativo de informações sobre a situação atual dos índios no Brasil, desenvolvido inicialmente no Cedi (1974-1994) e, desde 1994, no ISA-Instituto Socioambiental (), do qual é sócio fundador e onde atualmente coordena o Programa Rio Negro, com sede em São Gabriel da Cachoeira (AM). Foi membro da Coordenação nacional « Povos Indígenas na Constituinte » (1986-1988), sócio fundador das ONGs Núcleo de direitos indígenas (1989-1994), da Comissão Pró-Yanomami () e de Vídeo nas Aldeias (http://www.videosaldeias.org.br/abertura/index.html) e é ganhador do Prêmio Ambientalista Goldman (1992), pela América do Sul e Caribe.

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