maio 20, 2007

O discurso de Praciano contra a corrupção

Deputado Federal Francisco Praciano - PT/AM

Um dia depois do jornal A Crítica noticiar que o discurso do deputado federal Francisco Praciano não repercutiu na Câmara Federal, como era de se esperar, estourou o "Escândalo Gautama", um desses escândalos que faz a república estremecer do Oiapoque ao Chuí. Se as propostas não repercutirem agora, não esmoreça, o fundo do poço ainda é mais embaixo.

Brasília/DF, 18 de maio de 07

Sr. Presidente,

Sras. e Srs. Deputados, público que nos acompanha. Gostaria de aproveitar este grande expediente para falar sobre uma questão de alcance em todo Brasil, na verdade, de um mal que faz vítimas nos quatros cantos do país. Falo, Sr. Presidente, da Corrupção e das suas mais variadas facetas manifestas em todos os níveis e setores da máquina pública e da estrutura social brasileira.
O combate à corrupção sempre foi uma das principais bandeiras de atuação da minha vida pública, desde o meu primeiro mandato como vereador em Manaus. As minhas proposições legislativas e os meus pronunciamentos contra a corrupção, contra esta praga que infecta o Estado brasileiro, ainda como vereador em Manaus, renderam-me um atentado cujo autor, ou autores, até hoje são desconhecidos.Tive o meu carro queimado e a minha casa metralhada, mas não me intimidei e nem me calei. Pelo contrário, acredito cada vez mais que a corrupção deve ser combatida sem trégua e não só pontualmente, em face de qualquer escândalo amplamente noticiado.

A corrupção que há séculos vem assolando o nosso país e corroendo a estrutura do Estado e, consequentemente, as instituições democráticas, é endêmica, sistêmica , perversa e compromete de maneira concreta o futuro de gerações de brasileiras e brasileiros.

O nosso país, senhoras e senhores, e eu digo isto envergonhado e ao mesmo tempo revoltado, ocupa no cenário mundial lugar de destaque no ranking dos países mais corruptos do mundo, conforme pesquisas da ONG Transparência Internacional, que nos colocou, no ano de 2006, no 70o lugar (significando que existem 69 países menos corruptos que o Brasil). Convém lembrar que em 2005 ocupamos o 62o lugar e em 2004 a posição de número 59, o que mostra a corrupção, entre nós, está avançando.

Infelizmente, e aqui eu não posso me furtar de ressaltar e ao mesmo tempo lamentar, essa posição ocupada pelo Basil no ranking mundial de 2006 teve uma contribuição significativa do Parlamento brasileiro, por ocasião dos fatos que a imprensa e mesma esta Casa convencionou chamar de “mensalão” e “sanguessuga”.

Para se ter uma idéia da gravidade da situação, relatórios da Controladoria Geral da União (CGU) apontam que a corrupção encontra-se enraizada nas estruturas administrativas de poder espalhadas de Norte a Sul do Brasil. Os levantamentos da CGU mostram que três em cada quatro prefeituras investigadas – precisamente 77% - estão envolvidas em graves irregularidades, sendo que, em geral, essas irregularidades envolvem recursos destinados à educação e à saúde.

Em meu Estado, para os senhores terem uma idéia da gravidade da má utilização dos recursos públicos federais destinados às prefeituras, todos os 21 municípios fiscalizados por sorteio pela CGU, entre 2003 e 2006, sem exceção, estão envolvidos em irregularidades. Foram detectadas, dentre outras, irregularidades como: compra sem licitação em empresa da filha e do genro do prefeito, malversação e desvio de recursos da saúde e da educação, ausência de fornecimento de merenda nas escolas, saques indevidos de recursos de Programas do Governo Federal, ausência de licitações em compras efetuadas por todas as prefeituras investigadas, não recolhimento de contribuição previdenciária, gasto do dinheiro da saúde em combustível, etc. No entanto, nenhum dos administradores responsáveis por tais irregularidades, verdadeiros delitos de corrupção, até agora foram presos ou devolveram qualquer dinheiro aos cofres públicos, e os processos encontram-se ainda tramitando sabe-se lá aonde.

Continuando no Amazonas, passo a lembrar às senhoras e aos senhores um dos maiores escândalos e exemplos de corrupção em nosso país. Refiro-me à Operação Albatroz, assim denominada pela Polícia Federal. Em agosto de 2004, a Polícia Federal pôs fim a um esquema criminoso que, à época, havia desviado dos cofres públicos do Estado do Amazonas cerca de 500 milhões de reais, por meio de licitações fraudulentas realizadas sob o comando de uma quadrilha que tinha como chefe o então deputado estadual Antônio Cordeiro, que havia sido líder de governo na Assembléia Legislativa nas gestões de Gilberto Mestrinho, Amazonino Mendes e Eduardo Braga. A mesma quadrilha, conforme apurado pela Polícia Federal, tinha entre seus membros o ex-Secretário de Fazenda do então governador Eduardo Braga e o então Presidente da Comissão Geral de Licitação do Estado. Dentre as mais de vinte pessoas indiciadas estava, também, o então Secretário de Estado de Infraestrutura. Só na casa do chefe da quadrilha a Polícia Federal achou, entre dinheiro, títulos e jóias, mais de 1,5 milhão de reais. Lembro que os jornais que noticiaram a prisão dos envolvidos diziam que os policiais federais ficaram contando dinheiro por mais de dez horas na casa do mencionado chefe da quadrilha. Até o presente momento, digo com tristeza, nenhum dos envolvidos está preso.

Mas, senhoras deputadas e senhores deputados, as irregularidades detectadas pela CGU e os esquemas de corrupção detectados pela Polícia Federal não são privilégios somente do Amazonas, estando presentes, também, em todas as regiões e em todos os Estados brasileiros. Por exemplo, tive acesso, em data recente, a um CD produzido pela CGU, com a divulgação do resultado das fiscalizações do 21º sorteio de municípios e pude verificar que o desvio de verbas públicas não é uma prática isolada que só acontece em meu Estado. Para ilustrar o que acabei de afirmar, relaciono, a seguir, alguns dos municípios investigados no já mencionado 21º sorteio realizado pela CGU, juntamente com os recursos que, segundo o relatório da própria CGU, foram desviados ou mal aplicados, total ou parcialmente:

Município Valor Total fiscalizado Valor irregularmente
aplicado
Chá Preta/AL R$ 4.738.573,32 R$ 3.942.079,06
Quixabeiera/BA R$ 4.418.412,58 R$ 3.780.779,16
Chaval/CE R$ 3.507.033,92 R$ 1.998.771,46
São Mateus/ES R$ 12.684.438,16 R$ 8.889.492,86
Cristianópolis/GO R$ 1.027.295,63 R$ 520.506.20
Coroatá/MA R$ 27.516.835,63 R$ 21.985.909,00
Indianópolis/MG R$ 1.099.898,52 R$ 685.000,00

Aqui, cabe uma observação: conquanto haja divulgação, por parte da própria CGU, dos trabalhos de fiscalizações que este Órgão tem realizado, não se tem notícia, a partir da referida divulgação das constatações de desvios de verbas públicas, que medidas efetivas foram – ou estão sendo – tomadas para que se possa, principalmente, reaver as verbas públicas irregularmente aplicadas.

E quanto às operações da Polícia Federal ? Seria cansativo, nesse espaço, citar todas elas. Lembro, contudo, que o governo do Presidente Lula tem o mérito de ser o governo no qual a Polícia Federal mais trabalhou no combate aos esquemas de corrupção, sem olhar para a filiação partidária ou para a ideologia política dos envolvidos. Dentre as operações realizadas pela Polícia Federal, como exemplo, podemos citar:

- Operação “Com Dor”, no Rio Grande do Sul, que apurou um sistema de fraude contra a Previdência por meio de atestados médicos falsos, dando um prejuízo de mais de 6,7 milhões de reais ao INSS;

- Operação “Mão-de-Obra”, que fraudava licitações de órgãos públicos no Distrito Federal;

- Operação “Dominó” - Desbaratou uma organização criminosa que agia no Estado de Rondônia, exercendo influência indevida e promíscua sobre os agentes do Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e do Poder Executivo do Estado. Nessa operação foram presos empresários, quase todos os deputados estaduais – inclusive o Presidente da Assembléia -, um procurador, um juiz de direito e o Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado. Vejam Sras. Deputadas e Srs. Deputados, que essa operação “Dominó”, talvez muito mais do que as outras, demonstra a fragilidade do sistema de fiscalização e controle dos gastos públicos. Eram os chefes dos Poderes constituídos do Estado, ou seja, aqueles que deveriam zelar pelo erário, que esstavam assaltando o próprio Estado.

- Operação “saúva”, deflagrada nos Estados do Amazonas, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Distrito Federal e Rondônia, realizada com o apoio da Receita Federal e do Exército Brasileiro, desarticulou uma organização criminosa que fraudava licitações em órgãos municipais, estaduais e federais.

- Operação “Hurricane”, deflagada nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, e no Distrito Federal, desarticulou uma organização criminosa que atuava na exploração do jogo ilegal e cometia crimes contra a administração pública. Essa operação prendeu empresários, advogados, policiais civis e federais, magistrados e um membro do Ministério Público Federal.

- Operação “Kaspar”, realizada no mês passado nos estados do Rio de Janeiro, Bahia e Amazonas, prendeu inúmeras pessoas que cometiam crimes contra o sistema financeiro nacional e de “lavagem” de dinheiro.

- Operação “Lacraia”, também realizada no mês passado, prendeu inúmeras pessoas que praticavam crimes de fraudes cartorárias, grilagem de terras da União, contra o sistema financeiro e corrupção de servidores públicos.

Vê-se, então, minhas senhoras e meus senhores, que a corrupção está enraizada nas estruturas do Estado Brasileiro. Dizem os historiadores e os sociólogos que as causas estruturais da corrupção no Brasil são o resultado de um processo histórico no qual se verifica uma forte tendência em considerar nossa gestação como fruto de uma consolidada ordem patrimonial de cariz medievo. É a temática do “patrimonialismo”, cuja matriz teórica remonta aos conceitos do jurista e sociólogo alemão Max Weber e que via de regra tende a associar, como idéia principal, o trato da coisa pública, pela autoridade, como se privada fosse. É essa prática social que não efetua a fundamental diferença entre a coisa pública e a coisa privada na vida política que, infelizmente, predomina nas esferas de poder em nosso país, principalmente quando se tem o controle dos governos e dos cofres públicos, criando-se verdadeiras Pasárgadas onde “lá sou amigo do rei, lá tenho a mulher que eu quero, na cama que escolherei”, ou seja, lá sou amigo do rei tenho as verbas que eu quero e as licitações que escolherei.

Acredito, e os fatos não me deixam mentir ou ser leviano, que a corrupção continua forte e atuante, no Brasil, porque o nosso sistema de fiscalização e controle da utilização das verbas públicas ainda permite, ainda deixa “brechas” por onde passam os ratos. Por que utilizo a expressão “ratos”? Porque é a melhor figura para ilustrar os ataques frequentes ao erário, em nosso país.

Lembro de um texto de Rubem Alves, que li há muitos anos, que falava de um filme da dupla de comediantes “O gordo e o magro”. No filme, o gordo e o magro vão para a Suiça, que é o país do queijo, para trabalharem matando ratos. Chegando na Suiça, a dupla passou a trabalhar matando ratos. Mas os ratos continuavam a se multiplicar. Eles passaram a usar ratoeiras, mas os ratos logo aprenderam sobre ratoeiras e não mais caiam na armadilha. Então, pensaram o gordo e o magro, “é tolice acabar com os ratos depois que eles entram no quarto dos queijos. O certo é impedir que eles entrem no quarto dos queijos. Mas eles só entram no quarto dos queijos se houver buracos. Ora, se os buracos forem tampados eles não poderão entrar. Não entrando, os queijos não serão comidos”. Concluíram, então, que a eliminação dos ratos se consegue tampando os buracos por onde eles entram.

No atual sistema de fiscalização e controle das verbas públicas, sras deputadas e srs deputados, há muitos buracos. Quais são esses buracos? quais são essas brechas por onde passam os ratos? No meu entendimento, alguns deles são :

1. Escolha dos procuradores-Gerais de Justiça pelos Governadores dos Estados,, quando poderiam ser escolhidos pelos próprios membros do Ministério Público;

2. Escolha de alguns dos membros conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Tribunais de Contas dos Municípios (onde esses ainda existem) pelo Chefe do Poder Executivo. Ora, cidadãos brasileiros, são esses Conselheiros que julgam, preliminarmente, as contas dos referidos Chefes do Poder Executivo;

3. Morosidade do Poder Judiciário no julgamento de processos que envolvem o desvio de recursos públicos;

4. Utilização pelos que são acusados de crimes contra o erário, com respaldo legal, de Recursos Protelatórios;

5. Falta de tecnologia nas Varas e Tribunais de Justiça, o que permite que um processo leve, em média, 5 (cinco) anos para ser distribuído, como acontece, por exemplo, no Tribunal Paulista, segundo informações da revista Exame, em sua edição de Janeiro de 2007.
Em face disso, Sr. Presidente, sras e srs deputados, dei entrada ontem, na Mesa do Congresso Nacional, em um Requerimento solicitando a criação de uma Comissão Mista Especial com o objetivo de propor o aperfeiçoamento da legislação vigente quanto ao combate à corrupção no setor público.

Acredito que esta Casa, como também a Casa do Senado, tem a obrigação de elaborar proposições legislativas que tornem mais eficientes e mais transparentes os órgãos de fiscalização e de combate à corrupção, e se estude a possibilidade, por exemplo, de:

1. Escolha dos Procuradores-Gerais de Justiça pelos próprios membros do Ministério Público, sem a elaboração de lista que culmine com a escolha, ao final, feita pelo Governador do Estado que, em muitos casos (como o ocorrido, por estes dias, em meu Estado, o Amazonas) deixa de nomear o Procurador mais votado para nomear aquele com quem tenha maior afinidade política ou maior amizade pessoal.

2- Escolha dos membros Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Tribunais de Contas dos Municípios (onde esses ainda existem) sem a interferência, direta ou indireta, do Chefe do Poder Executivo, uma vez que as contas destes últimos, inevitavelmente, serão julgadas por Conselheiros por eles indicados. O Sistema atual permite, Excelentíssimo Sr. Presidente, que um governador nomeie, durante o seu mandato, mais da metade dos Conselheiros que julgarão suas contas.

3- “Federalização” dos crimes de corrupção, para que se evite, principalmente no âmbito dos pequenos municípios, a influência política ou econômica, dos governantes locais, no julgamento dos crimes em que dito governantes, ou parentes e amigos destes, encontrem-se envolvidos como réus ;

4- Maior celeridade, no âmbito do Poder Judiciário, nos trâmites de processos que envolvem o desvio de recursos públicos, seja por diminuição dos prazos processuais, seja por não admissibilidade de recursos notadamente protelatórios.

5- Criação de Varas Judiciais especializadas para o processamento de crimes de corrupção ou, alternativamente, de Juizados Especiais de Combate à corrupção, com a vantagem de que, em face das especificidades dessas Varas ou Juizados, o trâmite dosprocessos seria mais ágil e célere;

6- Criação de um padrão de gestão nos Tribunais, principalmente na Justiça estadual, onde cada um dos 27 tribunais de justiça, atualmente, define o modelo de gestão com que quer trabalhar e, na maioria das vezes, a administração é entregue a um juiz semnenhuma formação de gestão.

7.Dotação das Varas e Tribunais de Justiça de maior tecnologia – principalmente a informatização de todas essas instituições – evitando-se que um processo continue levando a média de 5 anos para ser distribuído.

São por todas essas razões, por vislumbrar essa cumplicidade institucional no que se refere aos crimes de corrupção, por verificar que existem simbioses e/ou interseções orgânicas entre os poderes e instrumentos fiscalizatórios, por não aceitar que essa corrupção sistêmica seja alimentada por ingerências políticas, pelo tráfico de influência e pelas redes de cumplicidade estabelecidas entre as diversas instâncias, é que eu acho que temos que ser ousados, principalmente neste momento em que o Parlamento brasileiro é alvo de ácidas críticas por conta dos fatos recentes.

Não estou propondo ou incentivando leis de exceções, mas a criação de leis que combatam os crimes de corrupção respaldadas na legalidade constitucional, sendo assegurado o direito ao contraditório mas buscando-se a agilização dos processos e o expurgo das firulas jurídicas que, ao invés de resguardar os indiciados de erros processuais, permite aos envolvidos em crimes de corrupção postergar os processos indefinidamente.

Por fim, senhor presidente, senhoras e senhores deputados, quero terminar instando o Parlamento a ser ousado, a fim de saciar a sede de justiça de nosso povo e agindo no sentido de parar com essa sangria dos recursos públicos, que poderiam contribuir para a solução dos graves problemas sociais enfrentados pelo povo brasileiro.

Sr. Presidente, solicito a V. Exa. que meu pronunciamento seja divulgado nos meios de comunicação desta Casa e no programa A Voz do Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Sras. Srs. Deputados

DEPUTADO FEDERAL – PT/AM

Deputado Federal Francisco Ednaldo Praciano

Câmara dos Deputados
Gabinete BSB 021 (61) 3215- 4803 / 5803 / 3803 Celular (92) 9994-7060 ou (61) 8124-1463 - Dep. PracianoGabinete de Representação - Manaus (92) 3233-5082 Carlos Santiago (92) 9977-9680Endereço: Rua Pará nº 670-B (Altos da Loja Cisne ) Bairro N.S. das Graças CEP 69.053-000

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu nome é Fabiana Paula Abreu,
nascida em SP Capital e residente em Indianópolis-MG á 8 anos.
Luto em prol dos movimentos Sociais, e trabalho arduamente no controle social dos SUS em indianópolis.
Declaro que mesmo, depois de tantas ireegularidades, e depois do relatório da CGU em não responsabilizar o chefe do Executivo pelo seus atos , ele foi reeleito e contunua a persistir no mesmo erro.
Infelismente, já estou começando a desacreditar na justiça brasileira!
Gostaria que fosse diferente, mas a corrupcção nas pequenas cidades parece que não tem fim e nem punição.