maio 06, 2007

Os filmes-farol de Aurélio Michiles

Aurélio Michiles
Enviado por Carlos Alberto Mattos
3/5/2007

Faróis: Aurélio Michiles

A Amazônia é local de origem e destino constante do documentarista Aurelio Michiles, radicado em São Paulo. Agora mesmo ele acaba de voltar de uma viagem de pesquisa para um projeto sobre a presença de certa etnia estrangeira na região amazônica. Ao mesmo tempo, desenvolve uma cinebiografia do manauara Cosme Alves Netto (1937-1996), o lendário curador da Cinemateca do MAM-RJ, com o título de Tudo pelo Amor ao Cinema.

O mezzo-doc-mezzo-fic O Cineasta da Selva, biografia de Silvino Santos, o pioneiro documentarista da Amazônia, foi até agora o único lançamento de Michiles nos cinemas. Mas sua atividade na TV e no meio cultural tem sido constante com docs sobre arquitetura (Arquitetura do Lugar, Teatro Amazonas, Lina Bo Bardi), artes (Gráfica Utópica, Que Viva Glauber!) e questões amazônicas (A Árvore da Fortuna, A Agonia do Mogno). Com tanta floresta no currículo, não admira que Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, figure entre os seus filmes-farol. A seguir, as suas escolhas:

Aqui está a minha seleção. Confesso que foi uma missão difícil, porque são tantos aqueles documentários que criaram a pele fino-grossa da estima, mas esta foi a síntese a que consegui chegar:

1. A Tribo que se Esconde do Homem (The Tribe that Hides from Man), de Adrian Cowell, Inglaterra, 1973.

No final dos anos 60, Adrian Cowell foi convidado pelos irmãos ViIlas Boas para fazer um filme sobre a atração dos "índios gigantes" (Krenakarore, hoje Paraná); o resultado foi a realização deste documentário. Para mim este filme se revelou um documento necessário para refletir sobre a situação dos índios brasileiros e a consciência daqueles que pretendiam atraí-los para o "mundo civilizado", neste caso os "sertanistas" ou "indigenistas".

2. Iracema - Uma Transa Amazônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, Brasil, ,1974.

Devo a este filme muito daquilo que acredito como dramaturgia em documentário. Tanto na maneira como foi produzido como na condução duma sofisticada e reveladora narrativa cinematográfica, onde ficção e documentário se misturam para nos revelar aquilo que não se podia mostrar, "a verdadeira Amazônia que ninguém via". Filmado nos anos terríveis da ditadura brasileira (seus realizadores correram risco de vida), não foi por acaso que a sua existência aconteceu no exterior ou em sessões clandestinas no Brasil.

3. Chuva (Regen), de Joris Ivens, Holanda,1929.

Um doc seminal. A partir duma banal chuva que cai sobre Amsterdã, Joris Ivens nos inunda com este poema visual. O autor, na minha opinião, é o mais completo documentarista de todos os tempos. Foi ele quem levou ao extremo a linguagem do documentário, sem nenhuma arrogância e a prepotência da verdade absoluta – basta assistir a sua última obra, A História do Vento (1986/88). Joris Ivens, um ancião, retorna à China para conversar e perguntar ao deus do Vento por que teria lhe privado a vida inteira com a falta de ar.

4. Imagens do Inconsciente, de Leon Hirszman. Brasil, 1983-86.

A trilogia: Em Busca do Espaço Cotidiano, No Reino das Mães e A Barca do Sol. Sobre os excepcionais "doentes" do Centro Psiquiátrico Pedro II tratados desde 1946 sob diretrizes da psicanalista junguiana Nise da Silveira. Eles eram orientados a manifestar suas emoções através das atividades de pintura e modelagem. O Museu de Imagens do Inconsciente teve origem neste ateliê de terapia ocupacional. Este documentário desnudou meu conceito sobre "os loucos", mas por outro lado, consegui vê-lo como uma metáfora daqueles tempos de repressão em processo de desmontagem, quando a "abertura" da liberdade de expressão trazia a público personagens banidos na escuridão das prisões e do exílio. Nesta obra Leon Hirszman, metaforicamente, conseguiu retirar a máscara da hipocrisia.

5. Now, de Santiago Alvarez, Cuba, 1965.

Este filme se destaca como linguagem singular no gênero documentário por trazer num só tempo todas as possibilidades para se narrar uma história. Aquela recorrente citação como o primeiro "vídeo-clip" empobrece o significado criador deste documentário, onde uma colagem aparentemente aleatória se funde mimeticamente à famosa canção de Lena Horne contra a intolerância racial nos Estados Unidos da América do Norte, atingindo nossas emoções, feito um míssil.

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