julho 29, 2007

Quem com o capital fere, com o capital será ferido

Fotografia publicada no livro A Ilusão do Fausto

Av. Joaquim Nabuco (esquina com rua dos Andradas). Escolhida como área residencial da elite extrativista, no início do século XX.

Manaus moderna

Segundo a historiadora Edinea Mascarenhas Dias, atual Pro-Reitora de Ensino e Graduação da Universidade Estadual do Amazonas - UEA, autora do ensaio A Ilusão do Fausto, a cidade de Manaus sofreria, "[...] a partir de 1890, seu primeiro grande surto urbanização, isto graças aos investimentos propiciados pela acumulação de capital, via economia agrária extrativista-exportadora, especificamente a economia do látex".

Em outro trecho a professora Edinea afirma: "Modernizar, embelezar e adaptar Manaus às exigências econômicas e sociais da época, passa a ser o objetivo maior dos administradores locais. Era necessário que a cidade se apresentasse moderna, limpa e atraente, para aqueles que a visitavam a negócios ou pretendessem estabelecer-se definitivamente. A política seria a transformação de Manaus, defendendo a dominação do grupo que vai geri-la. Este grupo será constituído pelos extrativistas e aviadores, todos ligados ao capital financeiro internacional, como estreita conexão com o poder público local".

Em seguida, arremata: "A cidade, antes espaço comum, modifica-se e estratifica-se segundo uma nova configuração: a de classe. Para tal, vai adequando-se a uma função social nova. A modernidade traria um novo estilo de vida e grandes transformações, não só materiais, como também espirituais e culturais".

Para ela, a transformação do espaço urbano dá-se mediante a idéia de modernidade, assim traduzida: "A modernidade em Manaus não só substitui a madeira pelo ferro, o barro pela alvenaria, a palha pela telha, o igarapé pela avenida, a carroça pelos bondes elétricos, a iluminação à gás pela luz elétrica, mas também transforma a paisagem natural, destrói antigos costumes e tradições, civiliza índios transformando-os em trabalhadores urbanos, dinamiza o comércio, expande a navegação, desenvolve a imigração. É a modernidade que chega ao porto de lenha, com sua visão transformadora, arrasando com o atrasado e o feio, e contruindo o belo e o moderno".

Para a professora Edinea, o fato é que a pequena aldeia se transforma em grande urbe. Para tanto, "[...] a transformação da aldeia em cidade moderna representa a destruição de todo e qualquer vestígio que lembre a Manaus como o antigo Lugar da Barra do Rio Negro". [...] Cidade higienizada, formosa, arborizada - a arborização que contribuiu de forma benéfica, para as condições de salubridade da urbe".

Se a historiografia oficial omite, Edinea Mascarenhas Dias põe o dedo na ferida e revela que por trás de toda essa ilusão do fausto: "[...] o projeto de urbanização de Manaus do final do século XIX e início do XX excluiu a classe trabalhadora dos benefícios da modernização, causando-lhes grandes prejuízos nas condições de viver, de morar e de trabalhar, no saneamento, em transportes, saúde e abastecimento. As coisas públicas, isto é, aquilo a que todos deveriam ter acesso, tornam-se privilégios de poucos".

Indiferente aos destinos da classe trabalhadora, durante algum tempo, Manaus assumiu-se como Paris dos Trópicos, a capital nacional da borracha. Foi com os impostos dessa economia que a capital da república seria igualmente urbanizada e embelezada. Mas essa é uma outra história.

Quem com o capital fere, com o capital será ferido

Com a instalação da Zona Franca de Manaus, decididamente a cidade mudou para pior. Um intenso processo migratório faria a população saltar dos 300 mil habitantes dos anos 1960 para beirar os 2 milhões antes de chegar o fim dos anos 2000.

Deserdados da terra de todas as latitudes vieram em busca de novas ilusões. À falta de um novo projeto urbanístico, apelou-se para a violência institucional, menos para reduzir os impactos ambientais do que para garantir a propriedade privada.

Se os impactos ambientais e sociais foram negativos à época do primeiro surto de urbanização, atualmente ela reflete de maneira dramática a destruição provocada pelo capital travestido em nova roupagem, tão predatório e excludente quanto o anterior.

Se a opulência econômica gerada pelo extrativismo concentrou-se nas mãos de poucos, o modelo atual de economia continua, perversamente, a concentrar renda nas mãos de uma elite que desfruta de uma infra-estrutura modernosa, embora sem a mesma qualidade de vida de uma cidade que, passivamente, viu seus igarapés, um a um, serem transformados em esgotos a céu aberto.

A crescente e desordenada ocupação do solo e a periferização da população de pobres é o retrato mais desolador do progressivo processo de segregação de trabalhadores de baixa qualificação em espaços longínqüos da cidade, muitos sem água potável, rede de esgoto, higiene, educação e saúde - processo inerente à natureza excludente de um modelo de civilização baseada na exploração do trabalho humano pelo capital.

Olhe atentamente para a fotografia acima. Chama atenção, além dos trilhos dos bondes - que atualmente jazem sob grossas camadas de asfalto -, a extensa arborização da Av. Joaquim Nabuco. Ainda que ela expresse o ideário positivista de uma civilização em progresso, às custas da segregação das classes trabalhadoras, ela é o retrato de que sua elite sequer foi capaz de manter os poucos benefícios do progresso: não sobrou nem meia dúzia das árvores nos trechos iniciais da avenida Joaquim Nabuco. Esse tipo de devastação atingiria toda a cidade.

Retornemos à obra da professora Edinea Mascarenhas Dias, para ali encontrar um indício das raízes dos impasses para um projeto de cidadania pensada e discutida para além dos interesses dos setores tradicionais do campo político-social:

"As grandes obras de melhoramento são realizadas sem discussão, mas com intervenção de setores privados que, por meio da concessão do Estado, ou do Município, são responsáveis pela implantação e manutenção de vários serviços, destacando-se: transportes urbanos, iluminação, remoção de lixo, abastecimento de água, mercado público, porto etc., setores de grande lucro para o capital".

Comentário de Zefofinho de Ogum, sociólogo formado na UERJ, líder e consultor espiritual do PICICA - Observatório dos Sobreviventes: "Ah, bão! Então explicado porque a civilização da borracha não aguentou o tranco. Duro é ver a história se repetindo".

Como dizem os jovens leitores do filósofo Nietzsche: "Se liga aí meu! Repetição em história ou é farsa ou é tragédia, ligado?".

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