setembro 17, 2007

Pela substituição do Hospital Psiquiátrico por um Hospital de Clínicas (I)

HOSPITAL PSIQUIÁTRICO EDUARDO RIBEIRO
Até o final dos anos 1960 o Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, de Manaus-AM, situava-se entre o bairro da Chapada e o bairro de Flores, final do perímetro urbano de uma cidade entrecortada de igarapés (uma espécie de pequenos rios), que ao longo dos anos vem sendo destruída pela civilização do automóvel. Era possível chegar até ele de bonde nos anos 1950, quando havia uma estação terminal nas proximidades da estrada do Aeroclube. Nessa época chamava-se Hospital Colônia Eduardo Ribeiro.

Entre os anos 1950 e 1960, segundo Tereza Esteves, funcionária aposentada, residente no bairro da Chapada, era comum que os servidores públicos lotados no hospício (denominação popular daquela institução pública) morassem no serviço, só retornando para casa por ocasião das férias. Nesse período a figura de seu Urbano tornou-se lendária como administrador.

História

Os loucos pobres e indigentes ocupavam algumas dependências da Santa Casa de Misericórdia. Só em 1894, o governador Eduardo Ribeiro removeu-os, provisoriamente, para um prédio situado às margens esquerda do rio Negro, enquanto reformava um prédio situado na Cachoeira Grande, quando então oficialmente é criado o Asilo de Alienados pela lei n. 65, de 3 de outubro de 1894.

Sucede que, por volta de 1898, o lugar virou um depósito desumano de loucos, quando então o estado arrenda do Sr. Miranda Leão uma Chácara denominada Cruzeiro, situada à Ramos Ferreira, onde passaria a funcionar o novo Asilo, desde o dia 18 de fevereiro de 1898 até 1926.

Em 6 de maio de 1913, o governador Jonathas Pedrosa cria a lei n. 719, desta vez desanexando o Asilo da Santa Casa, porém submetendo-a ainda à sua administração. É o provedor da Santa Casa, em 1921, quem denuncia as condições degrandantes em que viviam os loucos na Chácara Cruzeiro. Nessa ocasião, ele reivindica a transferência dos loucos para o Asilo de Mendicidade de Flores. Em 1926, o Asilo é transferido para o local visto na fotografia acima com a denominação de Colônia de Alienados Eduardo Ribeiro. Embora desanexado da administração da Santa Casa, permancece sob seus auspícios. (Fonte: GALVÃO, Manoel [et all]. Revista da Universidade do Amazonas. Jan./Dez. 1997/1998).

Mais história

Em 1979, a Colônia de Alienados havia se transformado no Hospital Colônia Eduardo Ribeiro. No início dos anos 1980, sob a liderança de Silvério Tundis, participei da denúncia contra o conluio violência contra os loucos e corrupção administrativa. Enquanto ele se tornou o diretor geral do hospital, assumi a direção clínica. Datam daí os primeiros movimentos pela Reforma Psiquiátrica em solo amazonense.

Tendo como fonte de inspiração a figura de Franco Basaglia, o criador da Psiquiatria Democrática italiana, a quem havia conhecido um ano antes, durante minha residência médica em psiquiatria social numa comunidade terapêutica em Daidema-SP, criei e mantive durante todos os anos 1980 um trabalho remunerado de reabilitação psicossocial, que resultou na produção de 1 tonelada de verduras, roçado de macacheira, milho, mandioca e feijão, além da criação de 60 cabeças de suínos da raça landrace. Bons tempos!

A história sob a ótica dos vencidos

O que costuma ser subtraído das novas gerações em formação é a história da lenta redução do patrimônio físico daquela instituição. Dizem que um dia ela chegou até a área onde foi construído o Estádio Vivaldo Lima.

Aos poucos o território onde está instalado o Hospital Psiquiátrico vem sendo comido pela beiradas: a oeste por uma invasão de barracos, que remonta aos anos 1960-1970, uma Oficina de Carros da Secretaria Estadual de Saúde e por prédios públicos que abrigaram o IML, a Academia de Polícia e a atual Delegacia Geral de Polícia; ao norte, pela Av. Constantino Nery, as instalações do Hemoam; ao sul, pela Avenida Constantino Nery, por uma Delegacia de Polícia, atual área de almoxarifado do Hemoam, e a partir deste em direção oeste uma invasão ocorrida nos anos 1990, com a conivência da direção do hospital psiquiátrico da época (digo isto, porque nos anos 1980 enfrentamos uma invasão sem que permitíssemos a ocupação de uma propriedade pública, mesmo porque havia uma finalidade social: tratava-se das terras agricultáveis do projeto de reabilitação psicossocial).

No alto da fotografia, um pouco à esquerda, é possível ver o Pavilhão destinado a Terapia Ocupacional (o maior retângulo em branco), construído após minha greve de fome, em 1987, quando anunciei à sociedade e às autoridades os dias dificéis que viveríamos por todos aos anos 199o.

O futuro

São passados mais de 20 anos depois que o governo Gilberto Mestrinho propôs a mudança do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro para uma longínqua BR. Nos opusemos.

O tempo passou e o futuro chegou. Como parte das ações programáticas do governo Eduardo Braga, o Hospital Psiquiátrico dará lugar a um Hospital de Clínicas. No momento, a substituição do modelo depende do cronograma municipal de implantação de CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). Se quatro deles, dos dez que a cidade precisa, fossem implantados, já daria um alívio aos trabalhadores de saúde mental do Hospital Psiquiátrico, sufocados por uma demanda explosiva, de uma cidade que cresce dia a dia.

A boa notícia

O governador Eduardo Braga sancionará em outubro a Lei de Saúde Mental, se a canoa não virar. É tudo o que deseja o movimento por uma sociedade sem manicômios.

Se os leitores e os companheiros da luta antimanicomial quiserem manifestar apoio ao projeto de lei, podem fazê-lo para meu e-mail pessoal (rogeliocasado@uol.com.br): prometo enviar para os deputados estaduais e autoridades sanitárias.

***

NOTA: Dedico esta postagem ao meu amigo vereador Braz Silva, recentemente vítima de um assalto covarde. Foi ele o primeiro profissional de imprensa, quando trabalhava na TV A Crítica, no Ponto Crítico, a manifestar o desejo de fazer uma matéria sobre as duas tentativas de invasão às terras agricultáveis do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro e a razão do por quê só uma delas obteve êxito. Choveu torrencialmente no dia aprazado. Em tempo, recupero parte da memória daquele período. Muito ainda está por ser dito... e escrito.

Nenhum comentário: