outubro 05, 2007

Povos da Floresta pedem mudança do modelo das grandes obras

Casa de ribeirinho às margens do majestoso rio Amazonas

Povos da Floresta pedem mudança do modelo das grandes obras

Encontro em Brasília reafirma papel estratégico dos povos indígenas e populações tradicionais para a preservação do meio ambiente

27/09/2007
Gisele Barbieri
de Brasília (DF)

“Os povos indígenas e populações tradicionais retomam a Aliança dos Povos das Florestas e a luta para permanecer em suas regiões preservadas e em conservação da Amazônia, incluindo outros biomas (Cerrado, Caatinga, Pantanal. Mata Atlântica e demais regiões do país)”.

Este é o pedido que abre a Declaração dos Povos da Floresta em 2007, divulgada no II Encontro dos Povos da Floresta, encerrado no domingo (23), no Centro de Convenções Ulysses Guimarães em Brasília (DF). A Declaração foi elaborada e aprovada pelos cerca de cinco mil participantes do evento. Nela estão contidos quatro eixos que resumem as necessidades das 80 etnias indígenas, ribeirinhos, pescadores, quebradeiras de coco representadas no evento.

A Aliança dos Povos da Floresta – que reúne a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Conselho Nacional dos Seringueiros e o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) – foi idealizada por Chico Mendes na década de 80. Na época o ambientalista e sindicalista já fazia este alerta da necessidade de preservação dos seringais e das florestas desta região. Assassinado em 1989, Chico Mendes não chegou a participar da primeira edição deste evento, realizado no Estado do Acre.

Modelo das grandes obras

Um dos eixos contidos no documento reafirma o papel estratégico que estas populações desempenham na proteção das florestas. Se na primeira declaração, em 1989, eles buscavam o reconhecimento da população brasileira das potencialidades destes povos e de suas regiões, a realidade vivida por eles desde então pede hoje o fim do modelo implantado pelo governo, caracterizado por grandes obras de infra-estrutura, através de programas como de Aceleração do Crescimento (PAC).

O PAC prevê obras na região amazônica que causarão um grande impacto à vida de comunidades como os riberinhos. Entre estas obras estão as hidrelétricas de Belo Monte, no Pará e Santo Antônio e Jirau, em Rondônia. As obras enfrentam alguns impedimentos na fase de licenciamento ambiental, mas o governo só espera a resolução destes problemas para que elas sejam iniciadas.

“As obras de infra-estrutura ameaçam a integridade física dos nossos territórios e a perspectiva de desenvolvimento sustentável”, lembra o coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Saterê-Mawê.

O governo entende este papel estratégico das comunidades, mas precisa avançar na identificação e solução de problemas como este. Ações como a criação de mais reservas extrativistas são os pontos positivos na visão das populações da floresta.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) eram 5 milhões de hectares no início do governo; até este ano, o número duplicou pra 10 milhões. “O esforço do governo existe, mas temos que reconhecer que tantos hectares de reservas extrativistas, sem crédito e regularização fundiária não auxiliam estas populações a usufruírem de suas riquezas”, diz Pedro Ivo de Souza Batista, Diretor do Departamento de Cidadania e Responsabilidade Socioambiental do MMA.

Para ele, a falta de infra-estrutura acaba esbarrando em outra realidade bem mais forte, citando o exemplo da transnacional fabricante de papel Aracruz Celulose que, em regiões da Bahia, impacta os manguezais com suas vastas plantações de Pinos.

Aquecimento global

A alternativa para contornar os efeitos do aquecimento global no Brasil, também pode estar nas mãos destes povos, segundo a declaração. São eles os responsáveis pelas atividades de desenvolvimento sustentável que amenizam os impactos da devastação das florestas.

Pedro Ivo alerta que a presença dos povos da floresta em Brasília traz a realidade de populações que vivem de atividades que não degradam o meio ambiente inserindo um novo processo de produção diferente do latifúndio. Segundo ele, é um Brasil muitas vezes invisível. “Isto obriga o governo a atender estas demandas. Mostram que é possível produzir gerar emprego e renda sem impactos”.

Outro problema enfatizado pelos povos da floresta é a dificuldade da posse da terra. As comunidades indígenas exemplificam a questão. Além da demora no processo de demarcação, os recursos destinados à homologação e reconhecimento de territórios sofreram uma redução de 27% entre os anos de 2003 e 2006, segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Este é um aspecto importante, porém não é o único. “É preciso bem mais do que a posse da terra. A Declaração dos Povos da Floresta não pode ficar somente no papel, a partir de agora, que já mostramos nossa força, nosso desafio é cobrar um compromisso do governo com nossos povos. Precisamos de infra-estrutura, de energia sem degradação, de valorização das nossas vidas”, cobra Marcus Apurinã vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Os povos das florestas reivindicam também a garantia de implantação do tema educação ambiental no ensino formal, médio e superior, além de políticas públicas de educação, saúde, justiça, assistência técnica e direito ao uso sustentável da terra, de forma adequada às especificidades de cada povo.

Até 15 de outubro será produzido um relatório final sobre o evento que será entregue ao presidente Lula. Os povos da floresta querem uma audiência com o presidente e todos os ministros para a entrega do documento que, segundo os organizadores, poderá nortear o governo na definição de políticas voltadas às comunidades tradicionais.

Fonte: Brasil de Fato

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