março 20, 2008

Procura-se desesperadamente...

Por Zefofinho de Ogum

... um novo parceiro que acolha a Associação Chico Inácio (filiada à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial), que na iminência de ser despejada do cafofo que vem ocupando na sede de uma entidade sindical - entidade que, lamento dizer, perdeu a sensibilidade social. Égua, maninho, não dá mais calar, explode coração! Explico minha indignação.

Quem é a Chico Inácio?

Os meios de comunicação, a opinião pública - até mesmo a academia, que, com raras exceções, costuma voltar as costas para os movimentos sociais -, tout monde sabe o papel desempenhado pela Associação Chico Inácio no cenário das lutas das minorias oprimidas pelo preconceito-social-nosso-de-cada-dia. Só a atual diretoria do sindicato em questão resolveu apagar da memória a importância histórica desse fato.

Resumo da ópera: os(as) companheiros(as) que atuam no campo da construção da cidadania dos portadores de transtorno mental correm o risco de ficar sem um lugar de onde possam continuar provocando a cidade a pensar e criar novas formas de relacionamento com aqueles que vivem sua existência de modo diferente.

Ação de despejo?

Pega leve, Zefofinho, me diz o anjinho que rivaliza com o diabinho da minha consciência. É claro que do ponto de vista formal, ação de despejo tem rituais bem definidos. No caso em tela, a coisa se passa da maneira mais prosaica possível. Trata-se de um bota-fora ritualizado com sutileza elefantina. Manja a sequência:

1. Não renovar o contrato pelo qual a Chico Inácio pagava a módica quantia de 100 reais mensais pelo aluguel do porão do sindicato.
2. Inspecionar o porão para saber se a higiene do local estava sendo mantida (cruzes!).
3. Plantar a idéia de que um novo projeto foi concebido para o porão do sindicato.
4. Enviar recados pedindo a saída no mais breve espaço de tempo (sob pena do prazo de gestão encerrar e o novo projeto não sair do papel, suponho).
5. Enviar bilhete ameaçador, invocando medidas pouco ortodoxas para o desfecho dessa história tragi-cômica.

Os fatos

Seguinte: na semana posterior à sanção da Lei de Saúde Mental pelo governador do Estado, Eduardo Braga, ocorrida no dia 10 de outubro, na cidade de Manaus, eis que a direção do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas (gestão 2007-2008) comunica a decisão de pedir o cafofo onde a Chico Inácio se instalou desde 2003, graças à negociação feita entre o meu cumprade Rogelio Casado e o popular Deco, então Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, Deocleciano Bentes de Souza.

Nota 10 pro Deco, três vezes conduzido pela categoria ao sindicato, não só pela aguerrida defesa da sua categoria, como pela sensibilidade invulgar para com as questões sociais do seu tempo, sensibilidade que, convenhamos, parece ter desaparecido da prática de uma entidade que fez história no cenário político social amazonense.

Aos que negam o porão daquela importante entidade sindical para o uso saudável do exercício da cidadania por gente historicamente excluída da vida social e cultural dos nossos tempos, que nota você daria, de 0 a 10?

Muro das lamentações

Pra quem não sabe, muro também foi feito pra isso: chorar as pitangas, e depois ir à luta.

Pensar que o meu cumpadre Casado, que tem mania de criar ONGs (cuja defesa só se sustenta pelo que elas possibilitam em dar visibilidade a questões tratadas negligentemente pela onda neo-liberal que tomou conta do planeta), já teve mais sorte na escolha dos parceiros de apoio às causas (im)possíveis em que ele se envolve. Taí Juacy Botelho, que não me deixa mentir. Ex-presidente do Conselho Regional de Economia, fora do cargo foi ele quem articulou o abrigo da Rede de Amizade & Solidariedade às Pessoa com HIV/aids naquela entidade em 1996. Até hoje lá está a Rede, no porão do Conselho. Nota 10, também, pro Juacy.

Pelo Google Earth (foto acima) veja a disposição das duas entidades: Conselho Regional de Economia (A) e Sindicato Profissional dos Jornalistas do Amazonas (J). Ambas ficam no centro de Manaus, de fácil acesso aos que usam "buzu" vindos de todos os bairros da cidade.

Sem eira, nem beira, qual será o destino da briosa Associação Chico Inácio, que há 5 meses percorre em vão os quatro cantos do centro de Manaus para conseguir um novo abrigo?

É, meu cumpadre Rogelio, o mundo gira mais que juízo de doido, o parafuso dá mais uma volta, e tem gente que ainda vive tempos de murici... cada um cuidando de si! Você que está acostumado a dar a volta por cima, lembre-se da canção:

"Chorei... todos viram, fingiram
pena que não
enxergaram nada
ali onde eu chorei, qualquer um chorava
dar a volta por cima, meu bem
quero ver quem dava!

Um homem de moral não fica no chão..."


Esclarecimento

O atual presidente do Sindicato dos Jornalistas é um valoroso companheiro do Partido dos Trabalhadores. Dá pra imaginar o constrangimento a que sua diretoria o submete ao macular a história de luta e de solidariedade daquela entidade. Estamos certo de que no Dia do Juízo final o companheiro não descerá aos infernos, mas do jeito que a história rolando, seus colegas estão jogando-o no limbo. Lástima, o César não merece esse destino! Bem diz o cumprade Tião, numa versão pós-moderna da luta entre classes: "Dai a César o que é de César".

Apelo

Pelo amor dos meus filhinhos - amazonenses, como minha companheira - alguém na escuta por aí? Quem se habilita a abrigar meus companheiros de fé, meus irmãos-camaradas da Chico Inácio? Não é o caso de ganhar troféu, nem garantir lugar no céu, mas a certeza da satisfação do dever para com nossa surrada e ultrajada cidadania. É caso pra se orgulhar de ter um parceiro fiel ao princípio de andar em boa companhia. A Chico Inácio é super-exigente: lé-com-lé, cré-com-cré, ela só anda com gente de fé. O resto é má companhia.

Aviso aos navegantes

Mamãe (lamento, mammy, mas tive que envolver teu sagrado nome) articulou todos os terreiros do Rio de Janeiro para rufar os tambores hasta la victoria final. Arriba, muchachos!

Zefofinho de Ogum,
da cidade maravilhosa

PS.: Meu compadre Rogelio ajudou a fundar com um grupo de companheiros de fé as duas ONGs aqui citadas: a Rede e a Chico Inácio. O querido amigo só não vai pro céu porque é agnóstico. Deixa com a gente, Roca, tamo fazendo uma corrente de orações e uma cerca de jurubeba pra que nenhum mal aconteça aos nossos companheiros da Chico Inácio. A propósito, quando o PICICA - Observatório dos Sobreviventes voltará com nova versão? O sangue me ferve as veias poéticas. Tô tinindo pra escrever mais e melhores textos pra espantar a urucubaca que vez por outra tinge os céus do vale amazônico. Saravá!

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