maio 17, 2008

Carta ao governador Eduardo Campos


Filiado à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial

Recife, 16 de maio de 2008.

Ao Exmo Sr. Governador do Estado de Pernambuco

Eduardo Henrique Accioly Campos

O Núcleo Estadual Libertando Subjetividades, integrado à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial, vem, mais uma vez, apresentar ao Governo do Estado suas preocupações e proposições no que se refere aos Direitos Humanos, no contexto da Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica.

O Movimento Nacional da Luta Antimanicomial nasceu em Bauru/ SP, no ano de 1987, com o lema “Por uma sociedade sem manicômios”, defendendo o direito das pessoas com transtornos psíquicos ao cuidado em liberdade, articulando para isso vários movimentos de Direitos Humanos.

É importante registrar que, em 17 de agosto de 2006, o Brasil foi condenado por abuso de Direitos Humanos na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos(OEA),pela morte de Damião Ximenes, brutalmente assassinado em Hospital Psiquiátrico, conveniado ao SUS, na Cidade de Sobral (CE), em 1999 (JC 19/08/06).

O Núcleo Estadual Libertando Subjetividades, na perspectiva de combater situações de violação de direitos humanos, luta pela efetivação da Reforma Psiquiátrica no Estado de Pernambuco. A partir do contexto de redemocratização do nosso País e da Reforma Sanitária, respaldada pelas leis estadual 11.064/94 e nacional 10.216/01, a Política Ministerial aponta, de forma clara, para a expansão da rede substitutiva, paralelamente, a uma progressiva diminuição da rede hospitalar.

A proposta é criar uma rede de atenção que cuide das pessoas com transtornos psíquicos, envolvendo a família e seu entorno, ajudando a superar os momentos de crise e conviver em sociedade com sua forma de ser e se relacionar e com acesso às ações de saúde. Priorizar uma atenção em serviços territoriais como Centro de Atenção Psicossocial - CAPS (serviços diurnos e noturnos para acolhimento e cuidado à crise, substituto à internação psiquiátrica), residências terapêuticas (moradias na comunidade para aqueles que perderam vínculo familiar), saúde mental na atenção básica (potencializando o Programa Saúde da Família), leitos em hospitais gerais e outros dispositivos assistenciais abertos, como Centros de Convivência e Projetos de Geração de Renda, importantes para o processo de cuidado contínuo e inserção das pessoas com sofrimento psíquico e usuários de álcool e outras drogas na nossa sociedade.

Hoje, Pernambuco, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde[1], tem 35 CAPS cadastrados, sendo 50% destes localizados no Recife e 16 Residências Terapêuticas concentradas no Recife e em Camaragibe. Entretanto, ainda ocupa nacionalmente o terceiro lugar, no que se refere ao número de leitos psiquiátricos (2.911), distribuídos em 15 hospitais.

Considerando que o Governo do Estado tem o papel de desenvolver uma Política de Saúde Mental, na perspectiva dos princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, entendemos que deve atuar como indutor/condutor desta Política, nos diferentes municípios da nossa região, estimulando, inclusive, a expansão das ações para o interior.

Neste sentido, dentre as diversas ações a serem desenvolvidas, reivindicamos:

Medidas concretas para reverter a situação de barbárie em que ainda se encontram milhares de cidadãos em nosso Estado, os quais estão dentro dos Hospitais Psiquiátricos públicos e privados, sofrendo maus tratos, negligências, preconceitos, chegando inclusive, a óbitos;

Diminuição do número de leitos nos hospitais psiquiátricos e paralela a expansão dos serviços substitutivos, considerando que, no nosso Estado, esta proporção não vem ocorrendo de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde;

Descredenciamento e fechamento das unidades de saúde que não se adequarem à avaliação do PNASH (Programa Nacional de Avaliação do Serviço Hospitalar), que aponta a má qualidade na prestação de serviços na assistência às pessoas com sofrimento psíquico. O que não foi observado em várias instituições que receberam avaliação negativa por anos consecutivos e não houve uma intervenção para mudar esta realidade por parte das autoridades competentes. Como exceção apontamos a ação do Ministério Público do Paulista que provocou junto aos gestores estadual e municipal, a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta, resultando no processo de descredenciamento do Hospital Psiquiátrico do Paulista do SUS, frente à constatação da violação dos direitos humanos dos pacientes lá internados;

Apoio técnico e financeiro para ampliação do número dos serviços substitutivos de saúde mental – os CAPS para criança, adolescentes, pessoas adultas com transtornos psíquicos e aquelas que fazem uso de álcool e outras drogas;

Incentivo aos municípios com mais de 100.000 hab. para implantação de CAPS III, por ser um serviço com funcionamento 24 horas, para acolhimento noturno de casos graves pois, atualmente, só contamos com um CAPS desse tipo em todo Estado de Pernambuco;

Criação de Centros de Convivência na Comunidade e Programas de Geração de Renda, articulados com a Economia Solidária e potencializando a Política de Emprego Protegido;

Avançar com a interiorização da Reforma Psiquiátrica, inclusive instituir os consórcios entre os municípios;

Ampliação da intersetorialidade para as questões do uso de álcool e outras drogas com investimentos para implantação de ações de saúde referentes à população que apresenta demandas nesta área, nos diferentes municípios pernambucanos;

Priorizar ações integradas de prevenção e garantir leitos em hospitais gerais para os processos de desintoxicação e ações de redução de danos, independente da decisão do usuário em relação ao uso, primando pela diminuição dos agravos à saúde;

Investir e apoiar a Política de Urgência e Emergência de Saúde Mental compatível com o Modelo Psicossocial, junto aos Municípios e incorporando o SAMU nos atendimentos de Saúde Mental de urgência, substituindo, assim, a polícia. Para tal, deve haver de imediato a instituição da Regulação da Assistência em Saúde Mental pelo SAMU, para a reorganização da porta de entrada hospitalar em psiquiatria, hoje concentrada no HGOF (Hospital Geral Otávio de Freitas) e HUP (Hospital Ulisses Pernambucano), cujos serviços mostram-se com problemas graves, inclusive com registros de atendimentos em locais inadequados e mortes de pacientes na própria emergência, constando em documentos oficiais e divulgados recentemente pela imprensa.

Conduzir os Municípios,visando a agilizar o posicionamento e providências para a implantação dos NASF's (Núcleo de Apoio ao Saúde da Família), os quais ampliarão a assistência em Saúde Mental na atenção básica, junto ao Programa Saúde da Família, possibilitando uma atenção mais próxima e resolutiva dentro da própria comunidade.

Alertamos, ainda, para o fato de que dos 2.911 leitos psiquiátricos do nosso Estado, estima-se que 40 à 50% são preenchidos por pessoas com internação de longa permanência (com mais de dois anos de internação psiquiátrica, com vínculos familiares e comunitários perdidos), e que, portanto, urge a necessidade de um programa de desinstitucionalização, com expansão dos serviços residenciais terapêuticos (moradias inseridas em diferentes comunidades) mediante articulação intersetorial das Secretarias de Saúde, das Cidades e de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, de acordo com o compromisso da Presidência da República em 2007;
O Programa de Desinstitucionalização, citado acima, vem beneficiando em todo o país pessoas com longo histórico de internação, através de tecnologias de cuidados comprovadas e viáveis financeiramente com a relocação de recursos de internação de longa permanência, o incentivo financeiro do Ministério da Saúde e Bolsa de Apoio à desospitalização.

Diante do exposto, damos ênfase à necessidade de medidas concretas para reverter a injustificável dívida social do nosso Estado, para com cerca de 600 pessoas com longo período de internação que se encontram no Hospital Alberto Maia, em Camaragibe, um dos maiores do Brasil, com funcionamento bastante precário e com registros, nos anos de 2006 e 2007, de 47 mortes dentro do Hospital[2], além de 39 óbitos por intercorrência clínica após transferência destes pacientes para hospitais gerais.

Certos que encontraremos um Governo sensível às questões da população e aberto ao diálogo com a sociedade, esperamos posicionamento e solicitamos providências imediatas, colocando-nos a disposição para as medidas necessárias em prol de uma sociedade mais solidária, tolerante à diferença e “sem manicômios”.

Atenciosamente,

• Núcleo da Luta Antimanicomial de PE - Libertando Subjetividades;

• Conselho Regional de Psicologia – 2° Região – CRP 02;

• Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional;

• Secretaria Municipal de Saúde da Cidade do Recife;

• Prefeitura de Chã Grande;

• Associação de Usuários de familiares e amigos de Saúde Mental de Chã Grande – AUFA;

• Conselho Regional de Serviço Social;

• CAPS Rasgando a Tristeza-Salgueiro;

• CAPS Solar dos Guararapes – Jaboatão;

• Conselho Estadual De Saúde - CES;

• Comissão Estadual de Reforma das Políticas de Saúde Mental do CES;

• Secretaria Municipal de Saúde de Camaragibe;

• Sindicato dos Psicólogos de Pernambuco- PSICOSIND;

• Prefeitura do Paulista;

• Secretaria Municipal de Saúde do Cabo de Santo Agostinho;

• Comissão Pastoral da Terra- CPT;

• Centro Josué de Castro

[1] Dados fornecidos pela Coordenação Estadual de Saúde Mental de Pernambuco
[2] Dados fornecidos pela Secretaria de Saúde de Camaragibe

Nota do blog: Carta entregue ao governador do estado de Pernambuco por ocasião das comemorações do Dia Nacional de Luta Antimanicomial. Dá-lhe, Pernambuco!

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