setembro 18, 2008

Tranca Rua: Caboco ou Exú? Com a palavra o sacerdote Alberto jorge

Foto: Rogelio Casado - Alberto Jorge - sacerdote de religião afro-ameríndia - Manaus, nov. 2007
Caro amigo e irmão Rogelio Casado!

Como é bonito o exercício democrático e vc é mestre nisso quando abre espaços para nativos e não nativos, gregos e troianos, Caprichoso e Garantido.

Essa guerra de textos entre o professor Ribamar e o empresário Djalma Castelo Branco ainda vai longe, apenas espero que não termine
em sopapos, algo muito comum na terra de homens de sangue quente.

No entanto, quer em uma manifestação quer noutra, vejo a ocorrência de um mesmo erro.

Na condição de sacerdote de Religião de Matriz Africana e Ameríndia, não posso deixar de registrar meu ponto de vista, respeitando o livre direito do uso de bens imateriais da cultura afro-religiosa.

No universo afro existem os Voduns, Orixás e Nkices - que equivalem a divindades sincretizadas ou justapostas nos santos católicos; há encantados e caboclos - entidades espirituais, que não são divindades mas seres com poderes abaixo do divino e acima do humano; há Legbaras e Exús - os Legbaras estão no mesmo patamar que os Voduns, Orixás e Nkices e os Exús que estão no patamar dos encantados e caboclos.

A entidade Tranca Rua não é encantado, não é caboclo e sim Exú.

Não é uma entidade puramente afro, tanto que não possui nome africano, é uma entidade da Quimbanda que, com o passar do tempo e com a dinâmica do processo religioso hoje é amplamente difundido na Umbanda e até mesmo nos terreiros de Nação Afro - onde no passado o espaço não era aberto as entidades da Umbanda.

Daí a utilização da designação Caboclo para a entidade Tranca Rua é indevida tanto em um quanto em outro texto.

É uma pena que os nomes de entidades dos nossos panteões sejam lembradas nessas situações de uso desmedido da força ou em coisas que remetam ao mal.

"Seu" Tranca Rua não é uma entidade essencialmente do mal, sendo Exú faz o que lhe pedem, faz o que lhe pagam para fazer. Quem faz o mal na realidade é quem pede, quem paga.

Essa mesma entidade que pode fazer o mal tem feito muita coisa coisa boa, já curou doentes, já promoveu união de casais em crise, já socorreu endividados e assim por diante.

Em nossas mais diversas formas de manifestação de religiosidade afro-ameríndia não existe a preocupação de se fazer levantamento estatístico do que nossas entidades fazem, tanto para o bem quanto para o mal.

Dizer que "Seu" Tranca Rua faz coisas más não é uma inverdade, nem é meu intento maquiar esse aspecto, entretanto me causa um certo mal estar esse destaque costumeiro para as coisas más em detrimento das coisas boas feitas por nossas entidades.

Por que quando um ato generoso e bondoso é de imediato comparado as atitudes beatíficas dos santos e anjos católicos e nunca atribuídos a Cabocla Mariana, a Pomba Gira, a "Seu" Tranca Rua, Caboclo Roxo? No entanto tudo o que não presta ou é do mal, de imediato é atribuído ao universo afro?

Sei da luta do Professor Babá pelos direitos humanos, pela pluralidade, pelo respeito as diferenças, mas no texto por ele publicado veja mais uma vez a prevalência do ranço cultural/religioso de atribuir a violência, o mal enquanto tal as nossas entidades espirituais.

Que o nome de "seu" Tranca Rua continue sendo utilizado, mas na sua forma original de Exú e não de Caboclo ou Encantado.

Que não apenas lhe atribuam o que é mal, mas lembrem de cita-lo quando o texto fizer referência a coisas boas.

E mais uma vez, caro irmão, parabéns pelo livre exercício da democracia.

Alberto Jorge
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