novembro 20, 2008

Sobre santos que nunca existiram

A Marca do Diabo, de Orson Welles
Oleo do Diabo

Sobre santos que nunca existiram

Posted: 19 Nov 2008 02:59 PM PST

Em Marca da Maldade, última obra-prima de Orson Welles, um investigador faz de tudo para descobrir a identidade e as razões de um crime cometido na fronteira com o México. Um honesto e culto policial mexicano confronta os métodos não-convencionais do americano, que é interpretado magistralmente por um Welles obeso e ofegante.

O mexicano consulta arquivos e verifica que o investigador americano vinha cometendo irregularidades há muitos anos, sempre com o fim nobre de prender criminosos verdadeiros.

A ambiguidade ética do filme e do protagonista reside na dicotomia entre as suas boas intenções e os métodos inconstitucionais que utiliza. Ao final, simpatizamos com o antipático e preconceituoso investigador, porque entendemos que a sua inteligência brilhante no combate ao crime chocava-se com uma legislação falha, cheia de brechas por onde malfeitores conseguem se evadir.

É o mesmo dilema, ao que parece, que viveu o valoroso delegado Protógenes Queiroz. Agora que liberou-se à imprensa a gravação da última reunião entre PF e Protógenes, podemos constatar duas coisas: que a conversa dos policiais, apesar de tensa, foi absolutamente normal, e que a PF, ao não divulgar seu conteúdo, assim como ao remover Protógenes da chefia do caso, tentou preservar a imagem do próprio Protógenes. Afinal, a Satiagraha, com todos seus acertos, também tinha erros, que talvez não comprometam a investigação em si, mas dão munição à defesa para criar obstáculos legais e, sobretudo, políticos, para a sua continuidade.

Lançado no meio de um furacão envolvendo: os homens mais ricos do país, mídia, ultra-esquerda, Polícia Federal, governo, Protógenes se viu desamparado, como aconteceria a qualquer um, e apegou-se a quem lhe emprestou apoio, como também faria quaquer um.

O contrassenso que vejo, por parte de quem resolveu endeusar Protógenes e apostar em teorias desprestigiosas para a Polícia Federal, é que ele incentiva uma leitura personalista do combate ao crime organizado. O que não é aconselhável, nem seguro. É perigoso, tanto para a instituição (cujo papel é diminuído, injustamente) quanto para o agente (cuja imagem fica excessivamente marcada e por isso vulnerável, física e psicologicamente). Os "fãs de Protógenes" esquecem que a luta contra o crime organizado somente será eficaz com uma instituição forte, respeitada, com um severo controle hierárquico. Insuflar "rebeldias" em agentes insatisfeitos (e nem estamos falando de salários, que são excelentes), conforme PSOL e alguns jornalistas estão fazendo, em nome da ética, é irresponsabilidade e contradiz o próprio discurso contra a corrupção. A PF, como qualquer instituição que lida com armas, combate ao crime e intensa exposição a bandidos de alta periculosidade, precisa de hierarquia rígida.

Por fim, também é contraproducente querer uma Polícia Federal perfeita. É a mesma história do PT. A PF tem representantes de todas as tendências ideológicas e de todos os perfils éticos. Não se pode exigir 100% de perfeição e sim que haja constante investigação interna. Se a Corregedoria está investigando seus policiais, isso é ótimo. Sem uma Corregedoria independente, forte, severa, antipática mesmo, nunca haverá uma polícia limpa. E, ironicamente, as instâncias sociais que mais pregam uma PF "limpa" querem desprestigiar a Corregedoria! Acusando-a de querer "punir" os policiais que participaram da Satiagraha! Não acho isso. Se o presidente da República pode ser investigado, um policial federal, mesmo o mais notável e valoroso, também deve ter a humildade de aceitar ser investigado. A reação agressiva e populista de Protógenes, para mim, não foi um bom sinal. Foi um erro dele, mas estou disposto a atribuir ao nervosismo inerente ao imbróglio midiático em que ele se meteu.*A teoria de conspiração, segundo a qual Dantas teria comprado a cúpula da Polícia Federal e altos escalões do governo e do Judiciário, emagreceu um pouco nos últimos dias, com a continuidade de Fausto de Sanctis e o novo relatório da PF sobre Dantas, que é bastante duro e objetivo.

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O Conselho Nacional de Justiça divulgou ontem que o Brasil tem 11 mil grampos legais, número que está em linha com a "normalidade". William Waack, no Jornal da Globo, todavia, não acreditou. Prefere o número de 400 mil grampos inventado pela CPI. E assim divulgou a notícia. A pesquisa do CNJ desmente a teoria do Estado policial, patrocinado pela mídia, que tem servido para desmoralizar as grandes linhas de investigação da PF, onde as escutas telefônicas têm importância fundamental.

A PF tem chegado cada vez mais perto da cúpula do crime organizado no país, onde existem senadores, políticos, grandes empresários, jornalistas e, quiçá, donos de jornais e canais de tv. Não é por outra razão que a mídia tem se voltado contra os "exageros" da PF.

Para se fortalecer e continuar investigando os altos escalões do poder financeiro e político do país, a PF precisa de uma Corregedoria inabalável, que não hesite em investigar desde os diretores até os policiais de reputação mais ilibada. As operações não podem ser personalistas. Para serem eficazes, sobretudo a partir de agora, quando chegam tão alto, tem de ser institucionais, neutras. É a única forma de blindar a instituição contra ataques políticos.

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Sugestão da semana: Escutem essa música. John Hammond cantando Jockey Full of Bourbon, o incomparável blues swingado de Tom Waits.

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