dezembro 27, 2008

Bolsa Família, os interesses escusos e o ano novo

Oleo do Diabo

Bolsa Família, os interesses escusos e o ano novo

Posted: 26 Dec 2008 01:30 AM PST

Por João Villaverde

Em tempos de crise econômica mundial, há um claro acirramento dos participantes do debate sobre os rumos econômicos brasileiros. Em tempos passados, até 2006 por exemplo, era difícil furar o bloqueio dos neoliberais, que dominavam as políticas e a mídia.

Alguns mantras foram - e continuam sendo - martelados até a morte. Entre eles, o especial é o "corte de gastos públicos". Para os que defendem essa política, é preciso cortar tudo: gastos com Previdência, com transportes, com seguro-desemprego, com habitação, com saneamento, e, claro, com programas sociais.

Já escrevi sobre esse tema. E continuarei escrevendo tanto quanto ele estiver sendo levantado. É uma afronta que se defenda cortes nos benefícios repassados pela Previdência ou que se diga que os beneficiários do programa Bolsa Família são vagabundos. E os gastos com juros? Os juros da dívida pública ocupam os maiores gastos do governo. E ninguém fala em cortar esses gastos. Ou para apontar que quem vive de renda é vagabundo. Por que uns são e outros não?

Sobre o Bolsa Família, o Valor publica um ótimo artigo do Naercio Menezes Filho, economista da USP e do Ibmec - portanto, acima de qualquer suspeita de ser "esquerdista" ou do PT - que traz ótimas informações sobre os efeitos do Bolsa Família.

Ao todo, 10,6 milhões de brasileiros receberam recursos do Bolsa Família em outubro de 2008. Se considerarmos um número médio de quatro pessoas por família, isto significa que cerca de 42 milhões de pessoas estão sendo beneficiadas pelo programa, ou seja, 22% da população brasileira.

O custo do programa é baixo, em torno de R$ 832 milhões mensais, ou R$ 80 por família.

Com relação aos seus impactos, vários estudos já mostraram que o Bolsa Família tende a reduzir a desigualdade e a pobreza extrema, o que é muito importante para a sociedade brasileira.

Além disto, sabe-se hoje que seus impactos na oferta de trabalho são praticamente inexistentes, ou seja, que as pessoas não deixam de trabalhar porque recebem os benefícios do programa. Parece que, pelo contrário, muitas mães começam a trabalhar quando seus filhos voltam a freqüentar a escola, que é uma das exigências do programa.

É preciso refletir sobre os rumos de nossa sociedade. É preciso conhecer quem fala o quê e quem defende o quê. É preciso ter idéia dos interesses presentes nas nossas classes políticas e empresariais.

Por isso é preciso se vacinar para entender o jogo escuso por trás da defesa de cortes de gastos públicos. Um exercício para entender a lógica interesseira dos nossos cabeções:

Antes da crise explodir, se defendia que o Brasil precisava entrar no rol dos países “modernos”, isto é, industrializados e civilizados. Esse discurso começou a ser plantado na imprensa de massa nos anos 80, quando a falência econômica e política da ditadura militar começava a abrir espaços para debates. O “sucesso” dos Estados Unidos e da Inglaterra naquela década, ao mesmo tempo em que medidas internas nos dois principais países da América Latina foram por água abaixo – Plano Austral na Argentina em 1985 e o Plano Cruzado no Brasil em 1986 – gerou um processo de “modernização” da política e da sociedade brasileira.

Todo esse discurso e pensamento estava descentralizado nos acadêmicos brasileiros que retornavam de mestrados e doutorados em universidades liberais nos Estados Unidos. Esses acadêmicos, economistas e empresários, começaram a ocupar espaços na grande imprensa nos anos 80. E começaram a dar as regras do jogo a partir dos anos 90.

O discurso neoliberal foi colocado em prática no Brasil pela primeira vez por Fernando Collor de Mello, em 1990. Ali nasceu a prática de enxugar o Estado – seja privatizando as estatais, seja acabando com fundos setoriais – e de abertura da conta comercial e de capital. Todo e qualquer gasto público passou a ser visto como “erro de política econômica”, ou “desculpa para corrupção”. Segundo a visão hegemônica, era preciso estimular o sistema privado a ocupar o espaço do governo.

Claro que ninguém atentou para o fato óbvio: o discurso, antes de ideológico, era interesseiro. A grande maioria das pessoas que ocuparam cargos públicos estratégicos a partir de 1990 estão hoje na iniciativa privada, ganhando rios de dinheiro em cima das regras que eles mesmos criaram.

Aliás, proponho um rápido exercício de ano novo. Quem estiver disposto, por meio de uma rápida pesquisa no site do Banco Central, por exemplo, anote os nomes dos diretores e presidentes do BC, a partir de 1990. Agora cruze com os dados atuais: onde estão essas pessoas. Há ideologia nisso?

Depois que a crise explodiu a lógica desse discurso mudou.

Agora que os países mestres (Estados Unidos e União Européia) estão colocando seus governos para agir, salvando o sistema e criando pacotes para obras de infra-estrutura – que, além de criar empregos, cria demanda por produtos e equipamentos, além de melhorar a qualidade de vida após concluída – não é mais preciso copiar os ricos.

O que o Brasil deve fazer diante da crise? Cortar gastos públicos. É incrível!

As empresas só investem se tiverem perspectivas de lucros. Muitas estão segurando planos de investimentos para verem no que vai dar. Mesmo os bancos, que tiveram lucros recordes por seis anos consecutivos, no primeiro sinal de crise, já subiram os juros e diminuíram a oferta de crédito às empresas e ao consumidor. As empresas não gastam por estarem com medo e sem crédito. Os bancos não emprestam por estarem com medo. Os consumidores gastarão menos com o aumento do desemprego e com menos crédito na praça. Se o governo não investir, quem investirá?

Mesmo os interessados em ocupar o espaço do Lula em 2010 deveriam começar a se preocupar. Se todo mundo parar, ninguém se beneficia.

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Um excelente ano de 2009 ao Miguel, aos colaboradores e leitores do Oleo do Diabo.

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