dezembro 26, 2008

‘Inconstância Tumultuária’ do Solimões

Foto: Biblioteca do IBGE - Fonte Boa no tempo em que Getúlio Vargas visitou-a
‘Inconstância Tumultuária’ do Solimões

Por Hiram Reis e Silva – Fonte Boa – Amazonas (20/12/2008)

“A inconstância tumultuária do rio retrata-se ademais nas suas curvas infindáveis, desesperadoramente enleadas, recordando o roteiro indeciso de um caminhante perdido, a esmar horizontes, volvendo-se a todos os rumos ou arrojando-se à ventura em repentinos atalhos. ... ou vai, noutros pontos, em furos inopinados, afluir nos seus grandes afluentes, tornando-se ilogicamente tributário dos próprios tributários: sempre desordenado, e revolto, e vacilante, destruindo e construindo, reconstruindo e devastando, apagando numa hora o que erigiu em decênios - com a ânsia, com a tortura, com o exaspero de monstruoso artista incontentável a retocar, a refazer e a recomeçar perpetuamente um quadro indefinido...” (Euclides da Cunha)

- Sidarta (Hermann Hesse)

O autor nos reporta as experiências de um jovem brâmane em eterna busca pelo conhecimento e a luz. Abandonando a casa paterna, Sidarta iniciou sua jornada na companhia dos Samanas. Três anos se passaram e Sidarta verificou que vida samana era uma forma de fugir da vida e do eu e os abandonou. Seguindo sua busca, Sidarta se tornou discípulo do Buda. Algum tempo depois, porém, ele se convenceu de que a iluminação não podia ser alcançada por doutrinas, só por vivência, e que a experiência da iluminação era impossível de ser descrita. Resolveu seguir seu próprio caminho sem nenhuma doutrina, nenhum mestre, até alcançar a redenção ou morrer. Atraído pela beleza e sensualidade da cortesã Kamala, se entregou de corpo e alma aos prazeres mundanos até que, arrependido, se deu conta de que tudo “causavam-lhe asco a sua própria pessoa, os cabelos perfumados, o bafo de vinho que sua boca exalava, a flacidez e o mal-estar de sua pele.”

Depois de pensar, inclusive, em suicidar-se, encontrou a paz, o conhecimento divino e se tornou um ser de luz através de um homem simples, um balseiro que lhe reportou os mistérios da vida aprendidos no levar constante de pessoas de uma margem à outra e nos conhecimentos adquiridos com o irmão rio.

- O Mestre Rio

Depois de navegar algumas centenas de quilômetros observando, ora a generosidade plena deste manancial de água doce, ora seu poder de promover profundas mudanças na geografia da terra, nós começamos a entender-lhe o espírito. Sua generosidade se manifesta na oferta de pescado farto e de boa qualidade aos ribeirinhos, como via de acesso aos mais inóspitos rincões, na fertilização das várzeas que por ocasião da vazante propiciam o plantio fácil e colheita abundante.

Sua força, seu poder destruidor estão presentes nas barrancas solapadas pela corrente voraz e na vegetação arrastada violentamente para outras plagas. Sua arrogância é capaz de destruir em poucos meses ilhas que levou anos para formar, de alterar os canais abandonando cursos já consagrados para experimentar novos rumos por puro capricho. É a ‘inconstância tumultuária’ do rio adolescente relatada por Euclides da Cunha.

O rio, cujo avô formidável corria para o Pacífico nas priscas eras da Pangea, teve como pai o ‘Mar Pebas’, quando os continentes se separaram e suas águas foram barradas pela Cordilheira dos Andes que se formou.

Talvez o Solimões, herdeiro destes extraordinários colossos, queira mostrar ao mundo sua força e o faz afrontando tudo à sua volta, provocando alterações profundas na natureza e na vida dos ribeirinhos.

(*) Coronel de Engenharia; professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
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