março 04, 2009

Ditadura vesus ditabranda: repercussões de um editorial cínico da FSP

Charge publicada em Brasil de Fato

Caro ombusdman da Folha de São Paulo,

com todo o respeito pelo exercício da função de "criticar o jornal sob a ótica do leitor", gostaria de ler um posicionamento do senhor a respeito da matéria abaixo, bem como gostaria de poupá-lo de comentar a baixaria e o desrespeito que o jornal tratou em sua coluna do leitor, figuras ilustres como as dos profs. Drs. Fábio Konder Comparato, Dalmo de Abreu Dallari e Ma. Vitória Benevides.

Saudações democráticas e minha solidariedade profissional de ex-presidente-fundador da Associação Nacional dos Ouvidores/Ombudsman - ANOP e ex-ouvidor geral do município de São Paulo, com mandatos nas gestões Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab.

Elci Pimenta Freire
CPF 677947938-15

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Ivan Seixas tinha 16 anos quando foi preso pela ditadura, ao lado do pai, Joaquim Alencar de Seixas. No dia 16 de abril de 1971, os dois foram levados para o DOI-CODI/OBAN, em São Paulo, e barbaramente torturados.

Ivan ficou indignado quando leu o editorial da “Folha de S. Paulo”, definindo a ditadura brasileira como “ditabranda”. Ivan foi torturado pelo regime que tinha (e tem) apoio do jornal de Otavinho.

Ivan Seixas mandou duas cartas para a Redação da “Folha”, protestando. Nenhuma das duas foi publicada. Escreveu, também, para o Ombudsman. Nada.

Nesta última, fez referência ao passado nebuloso do grupo “Folha”, jornal que “empregava carros para nos capturar e entregar para sessões de interrogatórios, como sofremos eu e meu pai. Ninguém me contou, eu vi carro da “Folha” na porta da OBAN/DOI-CODI.”
Ivan sabe do que está falando quando diz que a “Folha” tem pés de barro nesse tema.

Na madrugada do dia 17 de abril de 1971, poucas horas após a prisão dele e do pai, policiais a serviço da “ditabranda” tiraram Ivan da prisão para um “passeio” por São Paulo. Tomaram o caminho do Parque do Estado, uma área de mata fechada, próxima ao Jardim Zoológico. Lá, o jovem (algemado e desarmado) foi ameaçado várias vezes de fuzilamento. Os policiais - polidos como só acontecia na “ditabranda” brasileira - dispararam várias vezes bem ao lado da cabeça de Ivan. Ele fechava os olhos e tinha certeza que morreria: tortura terrível. Mas, deixaram-no vivo, pra contar a história.

No caminho para o Parque do Estado, os funcionários da “ditabranda” pararam numa padaria, na antiga Estrada do Cursino. Desceram pra tomar café, deixando Ivan no “chiqueirinho” da viatura. Foi de lá que Ivan conseguiu observar a manchete da “Folha da Tarde” (jornal do grupo Frias), estampada na banca bem ao lado da padaria: o jornal anunciava a morte do pai dele, Joaquim.
Prestem bem atenção: a “Folha da Tarde” do dia 17 trazia manchete com a morte de Joaquim – que teria ocorrido dia 16. Só que, ao voltar de seu “passeio” com os policiais, Ivan encontrou o pai vivo e consciente, nas dependências do DOI-CODI. Joaquim só morreria – sob tortura – no próprio dia 17.

Ou seja, o jornal da família Frias já sabia que Joaquim estava marcado pra morrer, e “adiantou” a notícia em um dia. Detalhe banal.


A historiadora Beatriz Kushnir publicou um livro em que conta essa e outras histórias mostrando os vínculos estreitos da família Frias com a ditadura.

http://www.viomundo.com.br/opiniao/unidade-caes-de-guarda-fala-da-midia-e-de-jornalistas-que-colaboraram-com-a-ditadura-militar/

Ivan está se movimentando para que o livro de Beatriz seja relançado este ano, em São Paulo. O ato serviria também como desagravo às vítimas da ditadura, e como protesto contra a família Frias, que quer reescrever a história recente do Brasil.

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Prezado Senhor

Enviei o email abaixo e não obtive resposta. Ao contrário, vi desaparecer das páginas do seu jornal qualquer referência ao assunto DITADURA VERSUS DITABRANDA, e nem mesmo o ombusdman se dignou a me dar alguma resposta.

Com certeza não esperava que o senhor fizesse agora alguma sugestão do que os algozes da DITADURA (repito, DITADURA - para que não haja dúvidas) deveriam fazer de acordo com seu refinado gosto, ou conforme os critérios do seu infográfico que mede a intensidade de ditaduras. Para ajudar VS, visto que a foto do cadáver de meu pai não lhe pareceu suficiente para sua opinião abalizada, envio agora a de outros dois militantes políticos, igualmente assassinados por sua DITABRANDA, que nós, democratas, continuamos a chamar de DITADURA mesmo.

As três fotos são: meu pai, o mecânico Joaquim Alencar de Seixas, o arquiteto Antônio Benetazzo e o operário químico Virgílio Gomes da Silva.

Observe as fotos anexas e reflita. Apenas isso.

Em seguida, mostre aos seus pares de redação: Clóvis Rossi, Eliane Cantanhede, Kennedy Alencar, Nelson de Sá, Mônica Bergamo e Gilberto Dimenstein, entre outros. Pergunte-lhes o que têm a dizer a respeito do assunto. Depois, peça-lhes que enviem suas opiniões para o meu endereço eletrônico (...) Certamente, eles devem ter algo a acrescentar a este debate. O Fernando Barros e Silva já se manifestou. Mas foi obrigado a concordar com sua tese de retaliação e grosserias contra os professores Fábio Konder Comparato e Maria Victória de Mesquita Benevides. Provavelmente com medo de perder o emprego.Senhor, sua democracia é bem curiosa. Frente à condenação pública, suspende e proíbe o debate. Não permite que o ombusdman exerça seu papel - e este se acomoda, enquanto o senhor corta as cartas ao Painel do Leitor, tal qual a dona Solange Hernandes fazia nos áureos tempos do seu pai e do seu jornal cedido ao pessoal da OBAN-DOI/CODI. Ou seja, o senhor cuida de seus funcionários como seu pai cuidava de suas galinhas.

Como o senhor há de supor, vou enviar este email para o maior número possível de amigos. Mandarei, inclusive, para a Doutora Beatriz Kushnir, que conhece bem esse assunto.

Espero que, desta vez, o senhor tenha a dignidade de autorizar aos seus subordinados, a publicação da minha carta.

Democraticamente,

Ivan Akselrud de Seixas

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INSULTOS AOS DEMOCRATAS

Senhor editor

Vejo na página editorial da Folha loas ao bom comportamento dos ditadores brasileiros, que teriam sido até brandos com os inimigos. Vocês chegam até a cunhar o neologismo DITABRANDA para designar aquele período que todos os democratas definem como DITADURA. Hoje vi a redação insultar o professor Fábio Comparato e a Professora Maria Vitória Benevides de CÍNICOS E MENTIROSOS.

A DITABRANDA de vocês me prendeu junto com meu pai, quando eu tinha 16 anos. Nos torturaram juntos e o assassinaram no dia seguinte a noite. Naquela mesma manhã, uma nota oficial foi publicada dando conta de sua morte ao resistir à prisão, quando ele ainda estava vivo. Minha casa foi saqueada, minha mãe e irmãs foram presas e ficaram 1 ano e meio presas, sem acusação sequer. Uma dessas irmãs sofreu uma violência sexual por parte dos agentes da DITABRANDA de vocês. Eu fiquei preso por longos 6 anos.
Diante disso, convém perguntar: O que mais vocês gostariam que fizessem conosco?

Para sua informação, envio foto de como ficou meu pai após a DITABRANDA tê-lo interrogado brandamente, nas palavras de vocês da redação da Folha.

Saudações democráticas.

Ivan Akselrud de Seixas

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Caro Carlos Eduardo

Há um tempo atrás te escrevi para protestar contra a postura e as mentiras da Folha contra as indenizações aos ex-presos políticos e, uma segunda vez, contra o comportamento preconceituoso contra a Senadora Marina Silva.

Volto a te escrever, mas não é para protestar. Vejo na página editorial da Folha loas ao bom comportamento dos ditadores brasileiros, que foram até brandos com os inimigos. Cunham até o neologismo DITABRANDA para designar aquele período que todos os democratas definem como ditadura. Hoje vi a redação insultar o professor Comparato e a Professora Maria Vitória Benevides de CÍNICOS E MENTIROSOS.

Te escrevo para te lembrar que eu te disse que a folha tomava o perigoso rumo de defesa dos torturadores e de ataques às suas vítimas e você me dizia o contrário.

Vou escrever uma carta à redação, mas te coloco antes disso a mesma pergunta que farei a eles. Tenho a certeza que não publicarão o que escreverei, mas mesmo assim cumpro meu dever democrático. A pergunta é a seguinte:

A DITABRANDA de vocês me prendeu junto com meu pai, quando eu tinha 16 anos. Nos torturaram juntos e o assassinaram no dia seguinte à noite. Naquela mesma manhã, uma nota oficial foi publicada dando conta de sua morte ao resistir à prisão, quando ele ainda estava vivo. Minha casa foi saqueada, minha mãe e irmãs foram presas e ficaram 1 ano e meio presas, sem acusação sequer. Eu fiquei preso por longos 6 anos.

O que mais vocês gostariam que fizessem conosco?

Para sua informação, envio foto de como ficou meu pai após a DITABRANDA tê-lo interrogado brandamente, nas palavras da redação da Folha. Aliás, a mesma Folha que emprestava carros para nos capturar e entregar para as sessões de interrogatórios como sofremos eu e meu pai. Ninguém me contou, eu vi carro da Folha na porta da OBAN-DOI/CODI.

Saudações democráticas.

Ivan Seixas

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"DITABRANDA" NUNCA MAIS!

Movimento dos Sem-Mídia marca protesto à frente da 'Folha'

A organização não-governamental Movimento dos Sem-Mídia (MSM), fundada em 2007 e presidida por Eduardo Guimarães, vai organizar um ato contra a Folha de S.Paulo em 7 de março, sábado, às 10 horas. A manifestação vai ocorrer em frente à sede do jornal, na rua Barão de Limeira, em protesto contra o uso do termo "ditabranda" pela Folha.

Em editorial publicado no último dia 17, o jornal da família Frias desqualificou a Revolução Bolivariana de Hugo Chávez, em favor do regime militar no Brasil. Segundo o texto, "as chamadas ‘ditabrandas' - caso do Brasil entre 1964 e 1985 - partiam de uma ruptura in stitucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça".

A vergonhosa defesa da ditadura provocou uma enxurrada de cartas e e-mails de protesto ao jornal - que não só reiterou sua posição como também qualificou como também classificou como "cínica e mentirosa" a indignação dos professores Fábio Konder Comparato e Maria Benevides. O ato à frente da Folha foi comunicado por Eduardo Guimarães no blog Cidadania.com. "É uma iniciativa que não pretende nem precisa reunir uma grande multidão para protestar contra essa perniciosa revisão histórica de um fato que, a meu juízo, deveria equiparar-se ao Holocausto nazista", registrou Guimarães. "Entre o número dos que confirmaram que participarão do ato e dos acompanhantes que pretendem levar consigo, já temos perto de 40 pessoas."

Segundo o Cidadania.com, entre as adesões ao protesto já constam o Fórum Permanente de Ex-Preso s e Perseguidos Políticos de São Paulo, o Sindicato dos Trabalhadores dos Correios de São Paulo, além de professores da USP e da Unicamp.

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