março 20, 2009

A Organização Social dos Pescadores

Foto: Rogelio Casado - Em defesa do Lago do Aleixo - Manaus-Am, 2009

Ao fundo, com a camisa da CUT, o presidente do Sindicato dos Pescadores do Lago do Aleixo na luta contra o Porto das Lajes, em Manaus
A Organização Social dos Pescadores
Altemir Viana[1]

A pesca das atividades humanas mais importantes do Brasil, constituindo-se em fonte de alimento, comércio, renda e lazer para grande parte de sua população, especialmente a que reside nas margens dos rios e litoral da costa brasileira.

Historicamente podemos registrar a relação estabelecida entre a pesca, os pescadores e o Estado. Em 1534, registra-se o “Dizimo do Pescado” que era uma taxa de 10% de tudo que era produzido na terra e no mar, e era pago para a Coroa de Portugal, por intermédio de padres jesuítas que recolhiam esta taxa da população. O “Dizimo” deixou de existir após a fundação das colônias de pescadores e a substituição do dizimo pelas mensalidades.

Em 1817, por intermédio do Decreto o rei de Portugal, D João VI, mandou organizar as primeiras colônias de pescadores, que era área demarcada para o funcionamento das Vilas de Pescadores, devendo ser administrada pela Marinha Portuguesa. A primeira Colônia de pesca do Brasil denominava-se “Nova Ericeira” e foi criada na enseada de Garoupas, município de Porto Belo, estado de Santa Catarina.

O discurso instituído para fundar as colônias baseou-se na defesa nacional, pois ninguém melhor do que os pescadores, empiricamente conhecera os “segredos” do mar para defender nossa costa dos perigos de invasores. O lema adotado pela Marinha para a fundação das colônias de pescadores foi: Pátria e Dever, evidenciando o pensamento positivista. Em 1919 é que foi delegada uma missão exclusivamente para cruzar a costa nacional e criar quantas colônias fossem possíveis, a fim de listar os pescadores, potenciais contingentes de guerra. Em contrapartida o Estado prestava serviços gratuitos em embarcações, doava redes e oferecia serviços de saúde.

As colônias eram definidas como agrupamento de pescadores ou agregados associativos. Para poder desenvolver a atividade pesqueira os pescadores eram obrigados a se matricular nas colônias.

Em 1920 foi criada a Confederação dos Pescadores do Brasil. Até então, as relações instituídas entre pescadores e Estado se caracterizavam pelo paternalismo e pelo assistencialismo. A atual estrutura do sistema de colônias se dá da seguinte forma: Confederação de Nacional de Pescadores (CNP) com sede em Brasília, cuja atuação não tem correspondido com os anseios dos pescadores artesanais. A nível estadual a categoria é “representada” pelas Federações dos Pescadores e no âmbito municipal pelas Colônias, cuja história confirma um grande atrelamento ao Estado, a fim de se beneficiar das benesses ofertadas.

Os presidentes dessas entidades em sua maioria são pessoas estranhas à categoria, geralmente um comerciante, servidor público ou pessoa de confiança dos políticos locais. Para ser presidente de qualquer entidade sindical, a primeira exigência é que o candidato seja da categoria, no caso dos pescadores esta regra não funciona qualquer cidadão independente da profissão pode se filiar a colônia e chegar até o posto de presidente da entidade, é o que geralmente acontece.

Historicamente os pescadores estão estritamente organizados e vinculados aos governos, desde o inicio de sua organização os pescadores foram tutelados e subordinados ao Estado. Com o processo de redemocratização dos anos 80, quando a esquerda brasileira se organizava e retomava os movimentos sociais para o campo democrático e popular, fazendo um movimento de retomada dos sindicatos urbanos e rurais, as entidades de pescadores continuaram com o mesmo processo de subordinação e tutela do Estado, esse setor ficou a margem pela sociedade e não obteve atenção do movimento de esquerda, tendo como conseqüência a permanência nas frentes das entidades de “lideranças” clientelistas, assistencialistas e conservadoras. Muitos dessas lideranças estão a frente das colônias e federação há mais de 20 anos.

As entidades de pescadores estão organizados seguindo a legislação inadequada, as colônias são regidas pela Portaria 471 de 1973,e as federações e confederações pela Portaria nº 323 do Ministério da Agricultura de 1975. As colônias se mantiveram sob a denominação de sociedade civil, porém, subordinadas ao controle do Estado, das Federações e da Confederação Nacional de Pescadores. Estes estatutos ainda prevalecem até os dias de hoje em muitas colônias do país, contradizendo a constituição federal de 88 e código civil de 2002.

No ano de 1985, a Confederação Nacional de Pescadores, fez uma convocação a todas as Federações Estaduais e colônias para a formação do “Movimento Constituinte da Pesca”. Este movimento teve como finalidade discutir, elaborar e apresentar propostas aos deputados e senadores constituintes, reivindicando a inclusão das propostas dos pescadores artesanais na nova Constituição. Com a promulgação da Constituição Federal, a finalidade para a qual a “ Constituinte da Pesca” foi convocada se exauriu. Os pescadores, porém, estavam certos da necessidade de que precisavam lutar para garantir os seus direitos, sendo assim criaram o Movimento Nacional dos Pescadores – MONAPE, que tinha como objetivo principal de assessorar as entidades de pescadores e conquistar novas direções das colônias de pescadores. Outra entidade de destaque é a Comissão Pastoral dos Pescadores – CPP ligada a igreja católica que assessora o movimento de pescadores artesanais.

Com as dificuldades de garantir maior transparência e democracia nas colônias de pescadores, ocorreram divisões internas e iniciou-se um processo de formação de outras entidades de representação a categoria. Ocorrendo uma proliferação de Associações de Pescadores e em alguns estados a criação ou a transformação de colônias em Sindicatos de Pescadores em outros. Do ponto de vista econômico criaram as cooperativas de pesca que tem maior foco na produção, beneficiamento e comercialização do pescado. Atualmente temos cerca de 870 colônias, 759 associações, 137 sindicatos e 47 cooperativas (Fonte: SEAP/PR/2008), representado um contingente de 600 mil pescadores em todo o país.

Sendo que muitas dessas entidades estão organizadas no mesmo município ou base territorial, no entanto, é de se dizer da existência do princípio da unicidade sindical, inscrito no inciso II do art. 8º da CF/88, que permite somente uma organização sindical por categoria profissional ou econômica na mesma base territorial, não podendo a referida área de atuação ser inferior à de um município. Para arbitrar e definir quem de fato é a entidade legalmente constituída naquele território deverá ser considerada apenas os Sindicatos e Colônias seguindo os seguintes critérios: maior número de associados; serviços sociais fundados e mantidos e o valor do patrimônio.

Quase 20 anos após a Constituição Federal, exatamente no dia 13 de junho foi sancionada a lei 11.699 que dispõe sobre as Colônias, Federações e Confederação Nacional dos Pescadores, regulamentando o parágrafo único do art. 8º da Constituição Federal, em que equipara as colônias a sindicatos rurais. O avanço da lei 11.699 foi a garantia de autonomia das colônias de pescadores e vetando a confederação e federações a interferência e intervenção na sua organização, pois, até a presente data as federações podem fazer intervenções nas colônias e os presidentes só poderiam tomar posse após aprovação da diretoria das federações. Segue a seguir transcrito:

“Art. 5º - As colônias de pescadores são autônomas, sendo expressamente vedado ao poder publico, bem como as Federações e a confederação a intervenção na sua organização.
Parágrafo único – É venda a Confederação Nacional dos Pescadores a interferência e intervenção na organização das Federações Estaduais de Pescadores”

A disputa da base social

Agora todos terão que se adaptar e adequar seus estatutos conforme a legislação vigente.

Em nossa avaliação os movimentos sociais, sindicatos, pastorais sociais, a Central Única dos Trabalhadores e os militantes do PT tem uma grande responsabilidade que é de fazer a disputa dessa base social que são os pescadores artesanais que sempre ficaram a margem das políticas públicas e conquistar as entidades para o campo da esquerda com intuito de libertá-los da amarras dos “pseudos” dirigentes que se aproveitam da falta de formação política e da exclusão dessas pessoas para dominá-las e explorá-las.

Sugiro, portanto, que o Partido dos Trabalhadores e a CUT criem um espaço coletivo, seja núcleo, secretaria ou setorial em sua estrutura nos níveis nacional e estadual, tendo os seguintes objetivos:1) elaborar uma política de conquistas das entidades de pescadores e fazer o acompanhamento continuo; 2) Elaborar uma programa de formação política para novas lideranças, apoiar a alfabetização de jovens e adultos, capacitação sob o foco da economia solidária. 3) disputar as colônias de pescadores pela base e fomentar a criação de sindicatos de pescadores onde não tem colônia e sindicazá-lo a CUT.

Essas ações devem ser norteadas pelo princípio da luta pela autonomia e independência dos pescadores e pescadoras e pela transformação da sociedade atual, mais justa, igualitária e socialista.

Está lançada a “isca” resta saber se vamos fazer uma boa pescaria.

[1] Sociólogo, militante do PT Amazonas e Membro da Direção Nacional da AE
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