abril 12, 2009

Carta aberta de cientistas franceses a Bento XVI sobre a questão dos preservativos

Fotografia publicada em alerib.wordpress.com
Carta aberta de cientistas franceses a Bento XVI sobre a questão dos preservativos

Cinco especialistas franceses da área da saúde publicaram uma carta aberta ao Papa Bento XVI após suas declarações sobre a camisinha. Os estudiosos publicaram o texto no jornal Le Monde, 25-03-2009, em que afirmam que "ainda é tempo" de o Papa rever as suas declarações, "para o bem dos homens e das mulheres da África e do mundo inteiro".

A carta é assinada por Bertrand Audoin, diretor-executivo da Sidaction, ONG francesa de combate à Aids; Françoise Barré-Sinoussi, pesquisadora em virologia no Instituto Pasteur, na França, prêmio Nobel de medicina de 2008; Jean-François Delfraissy, diretor da Agence Nationale de Recherche sur le Sida e les Hépatites Virales; e Yves Levy, presidente do conselho científico da Sidaction. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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Vossa Santidade,

A sua declaração no avião que o levava à África provocou consternação e suscitou numerosas reações indignadas do mundo científico e político, de doentes de Aids e das associações que lutam diariamente no campo para frear a epidemia e ajudar os doentes.

Por quê?

Porque essa declaração contradiz os resultados de 25 anos de pesquisa científica. Esses estudos mostram que o preservativo é uma barreira impermeável aos agentes infecciosos sexualmente transmissíveis. As normas internacionais de fabricação desse instrumento de prevenção asseguram-lhe uma maior eficácia.

A análise global de quase 140 artigos científicos dedicados ao controlede casais em que os dois parceiros são soropositivos demonstra, de maneira inconfundível, que o uso regular do preservativo permite reduzir em pelo menos 90% o risco de transmissão do HIV, assim como de outras doenças sexualmente transmissíveis.

Essas pesquisam mostram também que o uso do preservativo e as campanhas de prevenção sexual foram e continuam sendo o principal freio à difusão da epidemia em todo o mundo, também na África e na Ásia. No Brasil, a política de promoção e de distribuição dos preservativos entre a população em geral, por exemplo, contribuiu fortemente com o controle da epidemia.

Porque a sua declaração mostra um cinismo irresponsável. O senhor não pode ignorar que, entre os 33 milhões de pessoas com HIV, quase 22 milhões vivem na África, justamente onde o senhor escolheu se manifestar sobre aAids. O senhor sabe que, dentre os 2,7 milhões de pessoas que se infectaram com o HIV em 2007, 45% têm entre 15 e 24 anos. São esses jovens, pelos quais o senhor espera ser escutado, que a sua posição ameaça, dentre outras coisas, expor a um maior risco de infecção do HIV. A sua posição sobre esse problema é perigosa para a humanidade.

Porque o senhor não pode ignorar que os últimos 25 anos de luta contra essa epidemia foram caracterizados por disputas científicas, mas também políticas. A sua posição, evidentemente ideológica, o associa àqueles que trazem na consciência uma pesada responsabilidade. Ninguém ignora que a negação do papel do HIV na Aids por parte do presidente Thabo Mbeki atrasou a introdução de tratamentos antiretrovirais na África do Sul, o que provocou a morte de cerca de 300 mil pessoas.

Alimentamos a esperança de que, de novo, os nossos colegas e os doentes que lutam cotidianamente contra a epidemia não se deixem desviar da sua luta por declarações que testemunham um trágico atraso em consideração à urgência e à gravidade da situação. Todos sabemos que o uso do preservativo deve se situar em um processo global de prevenção, que integra a informação sobre a doença, o acesso aos tratamentos e, mais amplamente, a medidas individuais de redução dos riscos.

Mas sabemos também que o seu cargo permite-lhe consultar os especialistas mais eminentes antes de se expressar publicamente sobre uma epidemia que já atingiu 60 milhões de pessoas e matou 25 milhões delas. As suas opiniões deveriam ter evitado esse posicionamento de consequências dramáticas que, seguramente, marcará o seu pontificado. Ainda é tempo de rever as suas declarações, para o bem dos homens e das mulheres da África e do mundo inteiro.
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