abril 27, 2009

Com açucar e com afeto (I)

Ferreira Gullar
Com açúcar e com afeto (I)

Para o poeta Ferreira Gullar, autor de um dos mais belos poemas da língua portuguesa – Poema Sujo. No mês que antecede as comemorações do Dia Nacional de Luta Antimanicomial (18 de maio), ele decidiu detonar a Reforma Psiquiátrica brasileira pelo segundo ano consecutivo, na sua coluna na Folha “Ditabranda” de São Paulo. Ano passado, um suposto amigo queixava-se do atendimento nos serviços públicos.

Este ano, o poeta chutou o pau da barraca. Assumiu sua condição de pai de dois filhos esquizofrênicos e qualificou a Lei 10.216, de 2001 (Lei de Saúde Mental), de lei idiota, ofendendo o movimento social por uma sociedade sem manicômios, ignorando a luta de familiares, técnicos e pessoas com “transtorno mental” que comeram o pão que o diabo amassou nos manicômios brasileiros.

A crítica, se não se sustenta em seus pressupostos, surpreendeu pela agressividade. O poeta, que um dia foi filiado ao PCB, mostrou-se alheio ao processo de enfrentamento e desmonte da indústria da loucura no território nacional. Pior, desconsiderou as bases em que foi construído o tratamento em liberdade para pessoas em grave sofrimento psíquico. Estes, ao se livrarem da visão fatalista da psiquiatria conservadora, reinventaram a cidadania perdida.

Para Gullar, o bom tratamento exige internações. São elas que livram os familiares da “fúria homicida das crises”. Dupla redução: do homem às suas crises; dos cuidados a um modelo superado. Sem querer, o poeta cego pela dor, roça a ferida aberta da reforma psiquiátrica: enquanto existem mais de 2 mil CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) sob a responsabilidade dos municípios, são poucos os leitos psiquiátricos implantados nos hospitais gerais dos estados. A política nacional de saúde mental enfrenta os limites impostos por baixos investimentos, resistência de gestores descompromissados e deficiência de recursos humanos convertidos ao novo modelo de atenção definido na legislação.

Demonizá-lo é tão estéril quanto deixar de oferecer respostas concretas.

Manaus, Abril de 2009.

Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão em Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com

Nota do blog: Artigo publicado no Caderno Raio-X, do jornal Amazonas em Tempo.
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