abril 26, 2009

Pelo fim das medidas emergenciais


Pelo fim das medidas emergenciais

Cuidado com esse tipo de reportagem. No caso, o anúncio da criação de um Comitê de Combate ao Uso de Crack por Crianças na cidade do Rio de Janeiro. A denominação do comitê já é infeliz. Sobre ela a reportagem não tem nenhuma responsabilidade. A questão é: sobre o dito, o que não está sendo dito?

São ouvidas várias autoridades, tendo como âncora uma personalidade célebre de uma área do conhecimento. O problema é que essa última personagem parece desconhecer quais as “medidas emergenciais” anunciadas pela autoridade municipal para enfrentar o que a mídia resolveu denominar como “epidemia do crack”. Tais medidas é quem mereceria seu comentário crítico. Ainda que eventualmente elas tenham sido criticadas, a edição da matéria não permite que seu conteúdo venha à luz.

O aumento do consumo de substâncias entorpecentes pelos adolescentes, sobretudo os pobres e favelados, tem sido utilizado pela psiquiatria conservadora como instrumento que visa aumentar o número de leitos para tratamento dos dependentes. Ora, reduzir políticas públicas de saúde a oferta de leitos para retirar das ruas e internar os adolescentes é mascarar a ausência das estratégias estabelecidas pela Política Nacional Antidrogas. Esta é quem define a oferta de uma rede de serviços que, pelo seu caráter permanente, certamente poria fim ao recurso das “medidas emergenciais”.

O problema é que são tão poucos Centros de Atenção Psicossocial para abusadores de álcool e outras drogas, Centros de Convivência e leitos em Hospitais Gerais, que em seu lugar surgem medidas emergenciais incapazes de enfrentar a questão do uso abusivo de substâncias entorpecentes. Pior. Repare na fala da promotora pública que uma das “medidas emergenciais” anunciadas provoca arrepios. Propor abrigos especializados – um para meninos, outro para meninas – lembra ações de segregação típicas de políticas de regimes onde imperam o “apartheid” social. Devagar com o andor...

O depoimento que se segue, de um militante da reforma psiquiátrica brasileira, teria enriquecido a reportagem. Como não houve autorização, conto o milagre, mas não o nome do santo:

“Todos nós sabemos que para reverter este quadro exigem medidas de longo, longuíssimo prazo - que é a implantação de políticas públicas efetivas (preconizadas no Estatuto da Criança e do Adolescente) que nunca saíram do papel.
A idéia do Comitê são medidas IMEDIATAS - Plano de Ação e tratamento especializado que inclui tratamento especializado, cuja leitura da Secretaria Municipal de Saúde resume a internação destas crianças. Em nenhum momento a vídeo-reportagem fala em serviços substitutivos (CAPS, Centros de Convivência, por exemplo). Sinistro!

Essa mania de tratamento emergencial (abrigos especializados em adolescentes e crianças com tratamento intensivo de saúde mental) remonta à questão do apartaheid social - que preconiza a retirada do que incomoda a SOCIEDADE -, como se tirar os meninos das ruas e colocá-los nestes locais resolvesse a questão maior que é ADOLESCENTES E CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA, agravado pela questão do uso de drogas. Acho trágico, porque se antes ninguém os via (na rua, se prostituindo e praticando pequenos atos infracionais), agora que eles passaram a “EXISTIR” e a causar incômodo, só então foi registrado que eles usam crack. Então, antes do crack eles não existiam? Não é isso o que se chama mito da invisibilidade social?

OS CAPS I no arcabouço de seu projeto não têm ATRIBUIÇAO ESPECÍFICA de atender crianças que moram na rua. Entendo que o sucesso do tratamento com crianças e adolescentes é a adesão a família. Portanto, como atender crianças e adolescentes de rua que necessitem de cuidados da área de saúde mental?

Sei que existem pelo Brasil afora experiências de CAPS itinerantes para lidar com moradores de rua, mas desconheço experiências com crianças e adolescentes moradores de rua ou em situação de rua. Lógico que estes pequenos moradores de rua estando, digamos, "internados" numa casa de passagem ou abrigo, eles passam a ser TUTELADOS pelo Estado (na ausência da família), e aí, sim, podem ser inseridos nos serviços. Mas daí a criar esses “abrigos especializados”...”


O blogueiro adverte: não é a toa que a psiquiatria conservadora se alvoroça, depois do desmonte a que foi submetida pelos avanços da reforma psiquiátrica brasileira; pois são nos tropeços dela que os conservadores se preparam para abocanhar essa “fatia do mercado”. Podemos estar assistindo o nascimento de uma nova indústria, caso os poderes públicos tardem em criar mais e melhores serviços em todos os estados da federação. Afinal quando teremos as Fundações de Direito Público, estratégia que pode ampliar o número de trabalhadores de saúde mental através de concursos públicos, contratos sob regime da CLT, com salários justos, sem que tal “medida” cause prejuízos à Lei de Responsabilidade Social, e que ponha fim à precarização do trabalho. Mentaleiros, uni-vos!

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