outubro 22, 2009

Um trem musical “bão” demais

Trem Tan-Tan
Foto postada em
Overmundo

Integrantes do Trem Tan-Tan (na foto, falta Dona Isaura)
Nota do blog: Vale a pena reler o texto sobre o Trem Tan-Tan publicado no Overmundo. Aqui em Manaus, o Coral Viva Voz, integrado por pessoas com transtorno psíquico, teve sua atividade suspensa por falta de verba da Secretaria Estadual de Cultura para essa finalidade. Lástima!

Um trem musical “bão” demais

Marina Maria · Belo Horizonte (MG) · 29/7/2007

No início do séc. XX, a cidade de Barbacena, a 160 km de Belo Horizonte, abrigava um dos primeiros hospitais psiquiátricos do Brasil. O hospício da cidade recebia milhares de pacientes, que chegavam lá a bordo do famoso “Trem de Doidos”. Muitas décadas depois, um outro “trem” surge para mostrar como a questão da saúde mental deve ser tratada no Brasil, mas dessa vez não se trata de uma locomotiva. É o Trem-Tan-Tan, grupo de música formado por portadores de sofrimento mental do Centro de Convivência de Venda Nova, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Dirigido pelo músico, poeta, educador social e produtor Babilak Bah, o grupo surgiu a partir de uma oficina de percussão que o artista ministrou no Centro em 2001. Depois de um tempo trabalhando com os pacientes, surgiu a idéia de registrar a música que eles estavam desenvolvendo. Para isso, 37 dos 70 participantes da oficina foram para um estúdio gravar o CD “Trem Tan-Tan”, que contou com a participação de músicos convidados, como Roger Moore e Rita Medeiros. Lançado pela Prefeitura de Belo Horizonte, o álbum teve distribuição independente.

Foi assim que a oficina virou um CD e agora é um grupo musical, atualmente formado por oito pessoas. “O Trem acabou extrapolando a proposta da oficina, se transformando em um grupo autônomo, que decide a divisão de tarefas, compõe músicas, escreve letras, faz shows”, conta Ana Paula Novaes, coordenadora do Centro de Convivência e produtora do grupo.

Já o nome surgiu durante uma conversa entre os músicos, quando um deles disse que a turma era um “trem de doido”, expressão tipicamente minera. Daí para Trem Tan-Tan foi um pulo. “Achei interessante também a ligação com o trem que transportava os loucos para Barbacena”, explica Ana Paula.

“Na música não sou diferente de ninguém”

No caminho para a sala onde os músicos ensaiam, é possível ver quadros e esculturas feitas pelos pacientes. Subindo as escadas, dá até para sentir a vibração dos tambores no chão. A maioria ali não sabia tocar nenhum instrumento antes de grupo, e por isso é possível perceber como o contato com a música foi importante para Rosilene Leandro, Olavo Rita, Edson Oliveira, Gilberto da Rocha, Mauro Camilo, Carlos Ferreira, Alexander Evangelho e Isaura da Cunha.

Quase todos os participantes do Trem guardam lembranças terríveis do processo de internação, nos tempos em que os problemas mentais no Brasil eram tratados com choques e doses cavalares de medicamento. Em uma das músicas do CD do grupo, chamada “Vozes do Manicômio”, a integrante Isaura da Cunha, ou Dona Isaura, como é conhecida, conta um pouco de sua experiência na “prisão” que eram os hospitais.

Apesar de terem marcas emocionais desse tempo, eles gostam de falar sobre suas experiências musicais. Ainda um pouco tímidos, começam a contar como é participar de um conjunto musical e se apresentar em shows. Rosilene, a principal compositora do Trem Tan-Tan, diz que já escreveu mais de 60 músicas depois que participou da oficina. “Antes eu ficava incomodada com música, achava que era tudo barulho. Nunca imaginava que estaria aqui, tocando e ainda por cima compondo”, conta. Edson faz questão de destacar que para a convivência em grupo é necessário muito respeito e esforço. “É preciso também muita coragem para pensar sobre si mesmo, para se encontrar”.

O olhar de Mauro, o trompetista da turma, é comovente. Quando ele fala, transborda saudosismo, talvez de uma vida que deixou para trás, junto com filhos e netos, quando precisou ser internado. Ele é o único do grupo que já tinha experiência como músico, pois tocava em uma banda que se apresentava em bailes de casamento e formatura. Há muitos anos Mauro não colocava as mãos em um saxofone, até que começou a participar do Trem. Ele fica emocionado ao contar como foi a primeira vez em que experimentou o sax novamente. “No grupo eu pude encontrar meu som de novo. Na música eu não sou diferente de ninguém”, explica.

Gilberto, o falante e divertido do grupo, mostra que, mesmo sem nunca ter tocado um instrumento, sempre teve uma forte ligação com a música. Ele guarda vários cadernos com as letras de suas canções preferidas, e faz questão de mostrar cada um deles. As páginas, com uma escrita confusa, já estão um pouco gastas, de tanto serem usadas. Cada caderno é usado para um estilo diferente: sertanejo, rock samba, etc. “Mas sou fã mesmo é de jovem guarda. Gosto demais da Perla”, explica.

Na hora de falarem a respeito de suas preferências musicais, a Jovem Guarda e as músicas românticas dos anos 60 e 70 fazem muito sucesso. No entanto, entre os gostos aparece de tudo: Isaura, a mais velha da trupe, gosta de música erudita e clássica, assim como Alexander, que aponta sua preferência por Vivaldi, além de Paulo Sérgio e Alcione. O samba é citado pela maioria, e até Padre Zezinho é apontado como um favorito.

Para a maioria dos músicos, que nunca tinha pisado em um palco, realizar shows têm sido uma aventura satisfatória. Alexander conta que na primeira apresentação sentiu muita ansiedade “Nossa, eu passei um aperto, senti até minhas pernas tremerem”, conta. Os shows serviram também para reaproximar muitas famílias, já que os maridos, esposas, filhos e netos foram assistir às apresentações do grupo.

Todo mundo sambou

Babilak Bah destaca que desde o início do projeto nunca se viu como um professor do grupo. “Sempre me posicionei como um facilitador. E percebi o potencial do Trem logo de cara. Eu já sabia que ia dar samba”, afirma. E deu mesmo. O mais novo trabalho do grupo é o projeto “Samba, Loucura e Feijoada”, onde tocam músicas próprias e de outros compositores, sempre acompanhados por um convidado. “No primeiro CD trabalhamos uma sonoridade mais experimental, que também carregava muito da minha pesquisa da época. Agora o meu objetivo como diretor é deixar que o trabalho deles seja cada vez mais autoral, e percebi que a questão do samba era forte no grupo. A partir daí começamos a trocar informações sobre o samba no Brasil e buscar uma sonoridade nesse sentido. O projeto é resultado dessas ações”, explica Babilak.

Para coroar a boa fase que vive o grupo, eles foram convidados para participar no projeto “Loucos Por Música”, que acontece no Rio de Janeiro e em Salvador. Idealizado pelas produtoras culturais Lana Braga e Jane Ribeiro, o projeto realiza shows em que a renda é destinada para instituições de apoio ao portador de sofrimento mental. A iniciativa é apoiada pelo Ministério da Saúde e patrocinada pela Petrobrás. O Trem Tan-Tan se apresenta no Teatro Castro Alves no dia 2 de agosto, acompanhado por shows de Toni Garrido, As Chicas, Margareth Menezes e Luciana Mello. Já no dia 15 é a vez do Rio conhecer o trabalho do Trem, que se apresenta no Vivo Rio, com shows de Beth Carvalho, Chico César e João Bosco.

A luta antimanicomial

A experiência do Centro de Convivência com o Trem Tan-Tan mostra que existem iniciativas bem sucedidas no Brasil no trato da questão psiquiátrica. A política de saúde mental no país, instituída pela lei nº. 10.216, pretende acabar com os hospícios, que na década de 70 contabilizavam mais de 100 mil. Hoje em dia são cerca de 40 mil, que fazem parte de uma rede onde o foco principal está na des-hospitalização e reintegração social dos pacientes.

Para isso, é necessário fortalecer as iniciativas que envolvam ações de inserção e intervenção na sociedade, contribuindo para a diminuição dos preconceitos associados aos pacientes. Esse papel é exercido pelos centros de convivência, que em Belo Horizonte são nove, divididos por regionais. Ali, o portador de sofrimento mental não recebe atendimento médico nem terapêutico, mas realiza atividades culturais e trabalha a convivência num espaço público, fortalecendo seus laços sociais. Contudo, mesmo com os avanços, cerca de 20 mil portadores de doença mental ainda vivem em hospitais psiquiátricos, por não ter para onde ir. Em Minas, são 1,5 mil pacientes nessas condições.

Para saber e ouvir mais:
myspace.com/tremtantan

Fonte: Overmundo
Posted by Picasa

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