novembro 30, 2009

Carta do Professor Nelson Noronha à Comunidade Universitária

Nelson Noronha - ICHL
Foto: Rogelio Casado - Manaus - Amazonas - Brasil, 2009

domingo, 29 de novembro de 2009
CARTA DO PROFESSOR NELSON NORONHA À COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA

Registra-se nessa edição a Carta que o professor Nelson Matos de Noronha enviou a nossa editoria, expondo às razões que justificam sua candidatura a direção do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da Universidade Federal do Amazonas, as eleições estão marcadas para a próxima quarta-feira (2). A disputa conta com duas chapas, obedecendo a uma longa agenda de debate, confrontando propostas e avaliando os projetos que mais se ajustam ao projeto político pedagógico do ICHL. Além dos projetos confrontam-se também a competência gestora dos proponentes e, sobretudo a postura ética dos candidatos frente à comunidade universitária.

Prezados amigos,

Tenho acompanhado o blog do NCPAM. Trata-se de um espaço que deixou de ser virtual e transformou a internet em praça de debates. Dirigentes sindicais, líderes comunitários, populares sem qualquer fama aí encontraram uma tribuna para levar sua voz a toda sociedade.

Da dispersão em que se encontravam, esses grupos e indivíduos (que estavam no anonimato) caminharam para essa praça e aí puderam reconhecer suas afinidades, os pontos comuns de suas lutas e elaborar estratégias para, unidos, resistirem às formas de exploração e exclusão que lhes afetam. Também puderam aí trocar relações afetivas e construir o sentimento de pertencimento comunitário que o Estado e o Mercado não podem e não pretendem lhes conceder. Gostaria de me juntar a eles, na condição de trabalhador.

Sou professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e leciono no Departamento de Filosofia e no Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura no Amazonas. Meu trabalho consiste em ensinar alguns elementos de história da filosofia e da cultura. Isto quer dizer que estudo um pouco do que disseram os grandes pensadores da história universal e também um pouco da realidade em que vivemos através de pesquisas de sociologia, antropologia, psicologia e estudos da linguagem. Candidatei-me ao cargo de Diretor do Instituto de Ciências Humanas e Letras. A campanha está em andamento. Nesta última quinta-feira, dia 26 de novembro de 2009, ocorreu o primeiro debate entre os dois candidatos que disputam o cargo (foto). Haverá novo debate na
segunda-feira, dia 30 de novembro, às 19 horas e um terceiro e último debate na véspera da eleição, dia 01 de dezembro de 2009, às 10 horas da manhã, no Hall do ICHL.

Eu e a Professora Márcia Mello, que está ao meu lado, disputando o cargo de Vice-Diretora, temos ido às salas de aula, aos departamentos e a todos os demais espaços de atuação e convivência do ICHL para conclamar a comunidade a participar ativamente do processo eleitoral. Transmito-lhes essas informações iniciais para lhes descrever o contexto em que transcorre a luta da qual estamos participando. Aqueles que vivenciaram a UFAM nos últimos quatro anos sabem que tem havido um processo de expansão da universidade brasileira que consiste somente no aumento no número de vagas para alunos sem que se dê a contrapartida da melhoria das condições de ensino, pesquisa e extensão. Sem a readequação do espaço físico, a contratação de novos professores e a dotação de recursos para a manutenção das necessidades do dia a dia, as Instituições Federais de Ensino Superior não poderão oferecer aos alunos, professores, técnicos administrativos e técnicos em educação as condições necessárias para que eles realizem suas atividades acadêmicas.

O Instituto de Ciências Humanas e Letras é, entre as unidades acadêmicas da UFAM, a que possui o maior número de Departamentos, o maior número de cursos, de estudantes e de professores. Ele se estende por mais de um terço da área do Setor Norte. Muitos alunos da Faculdade de Pedagogia e da Faculdade de Estudos Sociais, quando interrogados onde estudam, afirmam que são alunos do ICHL, porque a identificação com essa unidade acadêmica é tanta que seu nome se sobrepõe às demais naquela parte do Campus Universitário. A despeito de sua história de lutas e vitórias pela democracia, o ICHL vive momentos de ostracismo e até mesmo de humilhação.

De fato, quando examinamos o trabalho desenvolvido por professores, alunos e técnicos, constatamos que os melhores indicadores de desempenho da UFAM dali se originam. Contudo, a despeito desse esforço, o ICHL não tem recebido da administração superior da UFAM o reconhecimento da relevância de seu papel como unidade promotora de estudos fundamentais para a sua consolidação como instituição de excelência. Trata-se de uma política coerente com as diretrizes do governo federal. Este tem promovido o estrangulamento das universidades públicas ao mesmo tempo em que tem criado condições favoráveis para o enraizamento das instituições
particulares na área do ensino superior.

Nesse contexto, a vida cultural, acadêmica e política da UFAM tem se esvaziado. O isolamento dos departamentos, a competição individual por verbas e cargos passou a dominar espaço do campus em detrimento do debate público, do respeito à diversidade e da comunhão daquele sentimento de que falei lá em cima, o de pertencer a uma comunidade cidadã.

Nesse cenário é que a omissão tornou-se o traço mais evidente da administração universitária. Ela atende aos interesses dos que exercem os cargos de direção em causa própria. Aqueles para quem a melhor vida política na universidade é aquela do descrédito e da desesperança. Não por acaso, os que assim pensam têm afirmado por aí que os Planos de Trabalho apresentados pelos dois candidatos a diretor do ICHL são iguais. Eles semeiam a confusão para dela colher os frutos, isto é, a sua promoção pessoal na qual investem sem parar.

Omissão que tem sido responsável pela introdução na vida universitária da banalização da violência. A prática de trotes violentos aumentou este ano, assaltos e crimes de violência sexual no campus têm surgido no noticiário de forma cada vez mais freqüente, um professor foi agredido com socos e pontapés no exercício de seu trabalho, na frente de seus alunos que ainda testemunharam a ameaça de morte proferida pelo agressor contra o docente.

Na verdade, esta é a primeira vez que me candidato a um cargo de tal relevância na UFAM. Tenho experiência na administração por ter exercido a coordenação do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia. Revelo, sem modéstia, que sou o autor do projeto de criação do curso de doutorado desse programa, o qual tem merecido elogios em toda parte. Minha atuação política, nos últimos cinco anos, limitou-se a minha participação nas assembléias e na atual diretoria da ADUA.

Ao longo dos últimos 12 meses, tenho atuado no Conselho Universitário como representante daquela entidade sindical. Creio que, neste domínio, ofereci uma relevante contribuição na luta em favor da valorização dos Conselhos Deliberativos da UFAM, os quais foram sistematicamente esvaziados e desqualificados após a criação de uma estranha entidade a que chamam de Comitê Gestor.

Em decorrência das experiências na docência e na administração universitárias, eu e Márcia Mello compreendemos que o aprofundamento do estado de precariedade das condições políticas e de trabalho no ICHL atingiu um nível intolerável. Também compreendemos que, juntos, poderemos criar as condições para que a comunidade do ICHL construa a unidade política necessária para a realização de um projeto de revigoramento da democracia em nosso instituto.

Por isso, resolvemos adotar três diretrizes para encabeçar nosso Plano de Tabalho: “Gestão democrática do Ensino”; “Liberdade de Cátedra” e “Descentralização”. Tais diretrizes são velhas bandeiras de luta da sociedade brasileira. Elas constam no projeto de LDB que, antes da aprovação da lei Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, foi construído democraticamente pelos trabalhadores em educação juntamente com numerosos representantes da sociedade civil e remetida ao Congresso Nacional. Partes desses princípios foram adotadas na nova legislação. Mas, mesmo os que sobreviveram às distorções do projeto original, estão ameaçados pela nova reforma da educação que está em curso na Câmara e no Senado Federal. Quisemos adotá-las por serem corretas e,
também, para fomentar, no ICHL, a retomada de suas discussões. Visamos, chamando a atenção para os problemas que elas ensejam, suplantar o isolamento e o descrédito da atividade política que entre nós vigoram.

Nosso oponente não faz a mesma leitura que acabamos de expor. A divergência constitui a própria essência do ambiente democrático. Infelizmente, porém, no ímpeto de divergir, alguns colegas chegam ao ponto de induzir o público a formular concepções equívocas a propósito de nossa candidatura. Compreendo que, no calor do debate, os candidatos incorram em alguns exageros. O que não compreendo é a reação de pessoas que, não tendo comparecido ao debate, divulgam em blogs muito conhecidos expressões desrespeitosas aos colegas professores, atribuindo a eles epítetos como “dinossauros sem-títulos” e sugerindo que pregamos um “socialismo puro a enxofre”.

Bem, chegamos a um ponto em que o silêncio se impõe como a maneira mais eloqüente de nossa indignação.

Fonte: Núcleo de Cultura Política do Amazonas
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