dezembro 21, 2009

Parque pode despejar mais de 5.000 famílias na zona leste de São Paulo

Jardim Três Meninas, em área que será despejada pela prefeitura
Foto: CMI-SP

Parque pode despejar mais de 5.000 famílias na zona leste de São Paulo

Por CMI São Paulo

Uma nova série de despejos se anuncia: está para ser implantado o Parque das Várzeas do Tietê, também conhecido como parque linear do Tietê. Previsto para ter sua primeira fase inaugurada em 2012, se estenderá do bairro da Penha (zona Leste da capital de São Paulo) até as nascentes do rio, no município de Salesópolis. A obra terá como consequência a desapropriação de mais de 5.000 famílias, mas até momento não há um plano de reassentamento das famílias afetadas.

Sua implantação é parte de uma política compensatória para o alargamento das pistas expressas da Marginal Tietê, juntamente com um esforço de embelezamento para a Copa do Mundo de 2014 e das ditas políticas de despoluição do Rio Tietê. Ao todo, estão envolvidas no projeto como 13 prefeituras além do governo estadual; nas fases posteriores, as obras do parque se estenderão até chegar à região das nascentes. Conforme o trecho, uma faixa que varia entre 50m e 200m será desapropriada. Não há estimativa da população afetada nos outros municípios, mas certamente o número de famílias a serem desapropriadas aumentará, já que o rio Tietê até o município de Mogi das Cruzes corre numa região densamente ocupada.

Apesar dos impactos, à população não foi oferecida nenhuma política compensatória minimamente razoável. Até o momento, poucas pessoas foram sequer informadas do projeto; talvez nem imaginam que estão correndo um sério risco de perder suas casas. As que sabem tentam espalhar a notícia, mas estão apreensivas devido ao fato de os governos municipal e estadual não terem formulado até agora nenhum plano de reassentamento que seja adequado à realidade daquela população. Representantes de movimentos dos bairros locais denunciam que a prefeitura levou em conta o cálculo de uma casa por família, enquanto cada casa abriga na realidade 3 ou até mais famílias, frequentemente em sobrados. Teria sido oferecido o reassentamento de apenas 600 famílais, num município mais distante (Itaquaquecetuba, mais de 10km depois de São Miguel Paulista). Fazem parte das "alternativas" também o "cheque-despejo", parcela única no valor de R$ 5.000 e o "Vale aluguel", uma bolsa de R$ 300 pelo período de um ano. Nenhuma das propostas chega perto de uma solução do problema.

A população pobre, que já havia sido empurrada para a várzea pelas difíceis condições de vida, paga com o que é para muitos seu único bem: a casa própria. Em muitas áreas existe um constante risco de inundação. "Se pudessemos, não moraríamos dentro do rio!", reclama Lúcia (*), moradora da Vila da Paz, em protesto ocorrido no dia 2 de dezembro, em frente à subprefeitura de São Miguel Paulista. Na ocasião, reuniram-se diversos movimentos de toda a várzea, com moradoras e moradores do Jardim Romano, Vila Aimoré, Jardim Helena, Chácara Três Meninas, Pantanal, entre outras comunidades, todas exigindo a abertura de diálogo com a prefeitura e a cessação das hostilidades e atos de intimidação.

As ameaças estão cada vez mais comuns. Recentemente, realizou-se no Jardim Pantanal uma ação conjunta entre Guarda Civil Metropolitana, Polícia Militar, tratores e agentes da Operação Defesa das Águas, da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. A ação só não se deu porque houve resistência da população, que se articulou e repeliu pacificamente a tentativa de despejo. Outro fato relatado é a proibição comercialização de material de construção na região: vários depósitos já foram multados; há também atuação da prefeitura no horário noturno, realizando confiscos arbitrários de tijolos, areia e pedras, sem nenhuma notificação e possibilidade de recuperar o material.

Para muitas pessoas a obra nada mais é do que mais uma medida de higiene social, que mais uma vez irá atingir somente as pessoas mais vulneráveis. Trata-se de um processo que ocorre o tempo todo nas grandes cidades capitalistas. Depois de ser expulsa para áreas remotas, a população pobre ocupa tais lugares ou compra lotes de grileiros, que especulam com a implantação de grandes redes de loteamentos em áreas de risco ou longínquas. Depois que a terra já foi "esquentada" e provida de uma rede de infra-estrutura mínima, uma nova onda de especulação imobiliária atinge o local, quando capitais maiores passam a ser atraídos; com a ajuda dos governos, expulsam a população anterior, que se vê novamente empurrada para mais longe, repetindo-se o processo.

Folheto distribuído pela prefeitura
Foto: CMI-SP

Recentemente, a prefeitura municipal distribuiu cartilhas (foto acima) nas escolas, sobre a assim chamada "Operação Defesa das Águas", em que fotos da ocupação residencial são compostas com letras garrafais de "Crime"; muitas das crianças que receberam os panfletos tinham até 8 ou 10 anos de idade e viam seus pais serem chamados de criminosos por ocuparem tal área, num episódio de terror psicológico e assédio moral, conforme relata Ana Maria, avó de duas crianças e moradora do Jardim Pantanal. A cartilha começou a ser distribuída após uma série de manifestações de organizações de moradores do bairro que estavam se dando em frente à subprefeitura de São Miguel Paulista. Foi então dada a entrada em uma ação no Ministério Público Estadual, encaminhada por tais movimentos junto ao deputado Raul Marcelo (PSOL-SP) e que teve como resultado o recolhimento imediato dos materiais e o afastamento do então sub-prefeito, Diógenes Sandim.

Poderia-se pensar, como afirma o tal panfleto, que são as pessoas que ocupam a várzea. Mas, observando a história da cidade de São Paulo notamos que a ocupação das várzeas se deu principalmente motivada pelos interesses do capital. Grandes obras de engenharia realizaram aterros imensos por toda Grande São Paulo e retificaram os cursos dos rios Tietê e Pinheiros, além de inúmeros outros rios e córregos terem sido canalizados - muitas vezes sob o discurso da diminuição das enchentes. A especulação imobiliária que acompanhou tais obras é digna de nota.

Um episódio marcante é o da retificação do Rio Pinheiros. A Light, companhia que operava os bondes elétricos, recebeu o direito de realizar a retificação a fim de regularizar o fluxo do rio, o que beneficiaria a hidroelétrica de Santana do Parnaíba. Como recompensa receberia o direito de posse de toda área da várzea, considerada pelo nível da maior cheia observada. Toda a área sujeita as inundações seriam desapropriada e passada à empresa.

Para aumentar seus lucros o máximo possível, durante o período de chuvas 1929, a Light não exitou em abrir as comportas das represas do rio acima, das quais era também operadora. A inundação provocada foi imensa e totalmente incompatível com o regime de chuvas observado para aquele ano. Essa história é contada com detalhes pela geógrafa Odette Seabra em sua tese de Doutorado, "Os meandros dos Rios nos meandros do Poder".

As pistas expressas dos rios Pinheiros e Tietê são o exemplo mais conhecido de interferência direta no rio. Além delas, no entanto, existem muitas outras, como a implantação da Rodovia Ayrton Senna (antiga Rodovia dos Trabalhadores) no meio do recém criado Parque Ecológico do Tietê, dos anos 1970. "O mau exemplo veio do governo, que nem bem fez o parque e já passou uma estrada em cima dele", reclama Jair, morador do Itaim Paulista. Além disso, a estrada praticamente ladeia o rio tietê e em vários trechos está a menos de 50m do curso do rio.

Para enumerar obras recentes, vale destacar os casos da USP Leste e do CEU Três Pontes, ambas realizadas há menos de 10 anos e que por sua natureza e seu porte praticamente avalizam qualquer tipo de ocupação na várzea. Entre os usurpadores da várzea estão também os grandes clubes de futebol, como Palmeiras, Portuguesa e Corinthians. Anteriormente, tais campos eram públicos e utilizados pela população, mas o que era lazer de muita gente virou campo de treinamento privado.

Mas talvez os maiores poluidores da ocupação das várzeas sejam as fábricas e as companhias de mineração, que acompanham o rio praticamente desde Salesópolis. Grandes indústrias como Suzano-Report, Nitroquímica e Bauducco estão instaladas a poucos metros do rio. A última, em Guarulhos, foi construída há poucos anos e está assoreando o rio de forma sistemática por uma erosão que atinge terraplanagem feita pela empresa para instalação da planta industrial. (foto abaixo). Um fato que revela o caráter ilusório desse pretenso programa ambiental é que nenhuma dessas grandes fábricas será removida ou afetada pelo projeto; o mais provável é que inclusive acabem beneficiadas pela valorização da terra na região.

Erosão e assoreamento causado pela Bauducco
Foto: CMI-SP

Efeitos da contaminação industrial são sentidos nas áreas de várzea da zona leste há algum tempo. Nesse ano, a CPI dos Danos Ambientais foi instalada pela câmara dos vereadores de São Paulo, investigando diversos casos de irregularidade ambiental dentre os quais a contaminação dos trabalhadores da antiga fábrica de lâmpadas Sylvania, localizada no Jardim Keralux, ao lado da USP Leste. Foi constatada a contaminação do do solo, subsolo e lençóis freáticos por mercúrio; a "Associação dos Expostos e Intoxicados por Mercúrio", da qual fazem parte ex-trabalhadores da companhia, entrou com uma ação junto ao Ministério Público Federal para que os 350 metalúrgicos contaminados por mercúrio recebam atendimento médico adequado.

A população em si não é contra o projeto. Apóia pela questão ambiental e também devido à própria apropriação privada sistemática, que paulatinamente eliminou as áreas de lazer público. Mas percebe que novamente é ela que terá que ceder o lugar. E que não irá usufruir dos benefícios gerados, pois a obra não é para ela (talvez seja para que mais carros particulares abarrotem as marginais). Não por acaso os moradores da região não foram convidados para discutir o projeto e somente são tratados como obstáculo, a ser removido.

Os protestos vão continuar e prometem se intensificar, pois a cada dia mais pessoas se interam da situação. Vários movimentos de distintos setores e orientações políticas estão se unindo para exigir soluções duradouras, protestar contra o caráter excludente do projeto atual e impedir que aconteça uma verdadeira catástrofe social, um verdadeiro crime, de despejar milhares de famílias sem reassentá-las, para a construção de um parque para a Copa de 2014.

Notas: *
1: Devido a possíveis ameaças a moradores e moradoras, serão citados nomes apenas fictícios.

Fonte: Midia Independente
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Um comentário:

MarsPathfinder disse...

Ola, hoje dia 05 de novembro de 2010, estao demolindo casinhas la no keralux, com a alcunha de estao "invadindo". Esperaram pelo pleito para usar o poder pelo povo investido, contra eles proprios. Eh o motivo pq o paulista vota em humoristas vindos do proprio povo, nao se pode confiar em quem vem da elite.