janeiro 26, 2010

Haiti: UEA solidária e carta de uma feminista


O símbolo da miséria no Haiti é um biscoito feito de barro, água e manteiga. Batizado de Té, a receita serve para tapear a fome. Mulheres desesperadas coletam restos de construção e misturam com água e manteiga em tinas de plástico e metal velhas e sujas.

Nota do blog: Em cada unidade de ensino da Universidade do Estado do Amazonas - UEA há um posto para receber, solidariamente, doações para o povo do Haiti. Aceita-se doação de medicamentos ginecológicos. Saiba porque esses medicamentos são importantes; leia a carta abaixo.

Queridas mulheres

Escrevo-lhes da Republica Dominicana, debaixo de muita emoçao que sinto necessidade de compartilhar, pois esta muito represada. Algumas companheiras conseguiram ir agora a um bar para desatar um pouco, preferi disputar um compú, como se diz por aqui e relatar um pouco deste dia de trabalho e de tanta carga emocional.

Como voces sabem, vim para Santo Domingo para muitas coisas, ajudar a nova coordenacao da Campanha 28 de Setembro, agora a Colectiva Mujer da Rep Dominicana, sob a direcao de Sergia Galván. Brasil, Mexico e Nicarágua estao dando um apoio por u´m período para que se construa um plano de trabalho para fazer ressoar a luta pela legalizacao do aborto em toda a regiao.

Vim também para uma reuniao de trabalho sobre Beiing+15. Embora a rede ainda nao esteja diretamente envolvida no Brasil, nao há dúvida de que se trata de uma importante agenda, à qual devemos aportar e ter estratégias quanto à sua implementaçao.

Mas com certeza, a mim e a todas as outras que aqui estao de Guatemala, Porto Rico, Mexico, Colombia, Bolivia, Costa Rica, etc, etc, nossa motivacao esta na fronteira, está no Haiti. E hoje foi um dia de grande emocao!

Apos um dia de trabalho pela Campanha 28, recebemos duas companheiras sobreviventes das principais organizacoes feministas do Haiti. É claro que já sentíamos, através das dominicanas e portoriquenhas que estao diretamente envolvidas do trabalho de solidariedade, o quao dilacerante é estar vivendo e convivendo com a dor da perda trágica que um desastre natural produz. Sergia, por exemplo, deixou de comer. Outras companheiras, deixaram de dormir depois de entrar em contato com a tragédia haitiana. Há uma espécie de formigueiro que nao para nunca por aqui: a listas de necessidades chegam, tao concretas, que nao há o que pensar, há o que fazer. Precisa-se de tudo, mas as mulheres haitianas precisam de coisas que nós mulheres sabemos que precisamos quando estamos em situacao de trauma, perda e dor. Sofrem de infeccoes por fungos e barctérias ginecológicas produzidas pela baixa de resistencia, fruto da tristeza, do medo, do sobressanto, do luto que nem conseguiram comecar a viver ainda. Hoje enviei ao Ministerio da Saúde do Brasil um pedido muito especial: mandem medicamentos ginecológicos, nao esquecam das mulheres do Haiti! E peço a todas voces que reforcem este pedido, que levem ao Conselho Naiconal de Saúde, ao Conselho da Mulher, que tornem isto uma demanda publica.

Me preparei também emocionalmente para o contato com as companheiras haitianas. Nosso imaginário vai longe quando estamos frente a uma situacao desconhecida que está por vir. Mas quando aquelas duas mulheres entraram na sala do apartamento onde as esperávamos com uma janta deliciosa, foi tao profundo o silencio, foi tao agudo o olhar, foi como se todas nós, 15 mulheres, todas parássemos de respirar. E só sabíamos oferecer um abraço, um beijo, como se estivéssemos, assim, abraçando também aquela gente toda que ainda vaga pelas ruas, na esperança quase acabada de encontrar alguém que está sumido.

Nao falamos nenhuma palavra de kreole, balbuciamos algumas palavras em francês, eu treinei um pouco antes de viajar e trouxe meu dicionario de viagem, elas quase nao falam espanhol, muito menos portugues, mas conversamos por quase duas horas.
Nadiejda, a mais jovem, de 33 anos e cara de menina, com um olhar mais meigo, nada come há vários dias, Recusou toda a comida. Pediu só água. Necessita de uma " tenta" pois ainda dorme ao relento. Sente no corpo os tremores que continuam todo o tempo no Haiti. Ficará conosco mais um ou dois dias, quando as levaremos de volta, todas juntas, entrando entao naquela terra que treme, mas que pede solidariedade concreta, mas nao só isto. Maria Suarez, da Rádio Feminista Internacional, lhe pede: nos ensine cinco palavras em kreole para que possamos repetí-las, e que sejam a mais importantes: ela responde - bom dia, seja forte, nao perca as esperanças, estás com fome? queres água?

Como se ve, nao precisamos muito para ajudar ao Haiti. Vejo também que para ir para lá, assim como é bom ficar em Cuzco dois dia antes de ir a Machu Pichu, estes dois dias na Dominicana sao indispensáveis para preparar coraçao, como feminista militante ou como jornalista.

Amanha haverá um ato publico de lançamento do Acampamento Internacional Feminista, que ainda necessita ter o aval das haitianas. Um projeto lindo de solidariedade, que vai abrir um canal de comunicaçao para dar voz a estas mulheres. Vamos colaborar como podemos.

Pedi a Margareth Arilha, antes de viajar, que abrisse uma conta para arrecadarmos como mulheres para o Haiti. Daqui quero dar mais um recado à Marga: é urgente! E podemos ajudar com um real ou quanto pudermos. O que nao se pode é deixar para depois o que tem que ser feito agora!

Envio a todas um grande abraço, quero que sintam um pouco da emoçao que me invadiu. Telia

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Telia Negrão
Secretária Executiva - Rede Feminista de Saúde
Av. Salgado Filho, 28, cj 601 - Porto Alegre - RS - 90010220 - Fones 51 32124998
Celulares 51 81003878 e 93722879

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