fevereiro 22, 2010

A teta assustada


A teta assustada

por Ana Al Izdihar – Vejo A teta assustada (Peru, 2009, em cartaz) e não consigo tirar da cabeça o mito grego de Gaia e o aprisionamento de seus filhos. Gaia é a representação da Mãe Terra, aquela que tudo faz pelos filhos, se sacrifica, doa seus frutos, mas também castra-os e aprisiona-os na intenção de sempre mantê-los ao seu lado e como ela quer.

Em fotografia espetacular, Claudia Llosa mostra um Peru maltratado por ditaduras e terrorismo em sua história recente e que engendra em seu ventre superstições, medo, repressão e… papas (batatas). A narrativa simples e direta de A teta assustada conta a estória de Fausta Isidra, uma menina com uma maldição. A mãe de Fausta fora violentada por terroristas quando estava grávida e seu leite teria posteriormente “envenenado” a bebê. Ao longo do filme o espectador pode descobrir a estória de Fausta e seguir desvendando os costumes, rituais e padrões culturais do Peru, porém sem explicação explícita. É a partir da poesia velada de Fausta que quem assiste se encanta com tudo ali exposto.

Os sacrifícios que estes filhos do Peru passam não são chocantes nem apelativos nesta narrativa. O que se vê são seqüelas sutis do seu passado ainda não totalmente integrado. A topografia da periferia de Lima, as casas e sua arquitetura adaptada ao clima seco, o idioma quéchua falado somente no meio familiar, festas de casamento, ritual funerário, uma representante de classe alta, a ligação íntima (sem trocadilho) de Fausta com a papa peruana e os conflitos entre estes itens montam o mosaico da Mãe Terra Peru e seus filhos que, mesmo pequenos em estatura, relembram os Titãs de Gaia e sua força descomunal, neste caso força emocional.

Fausta morava só com a mãe e se comunicava com ela por meio de cânticos; nunca tinha realmente conhecido o mundo fora de sua casa. Após o falecimento da mãe, Fausta tem de sair para o mundo e aprender a lidar com ele e a se relacionar através de códigos que ainda não dominava. Percebo que é uma narrativa bastante “matriarcal”, em que as mulheres têm mais voz do que os homens – quase fracos –, porém somente expressam seus respiros de sobrevivência num mundo aparentemente machista.

A batata ou la papa é de origem peruana e há uma infinidade de tipos de batata por lá, por isso este tubérculo é tão mencionado e tão importante para o povo. Há inclusive um ditado no Peru que diz “coma lo que coma, comalo com papa”. Não é à toa que Fausta bloqueia sua total maturação como mulher com o fruto mais nobre da Gaia-Peruana. E só se livra dela quando consegue finalmente enterrar sua mãe no mar.

Fausta segue como a harpa encantada, colhendo pérolas em troca de insights e aprendendo que aquilo que mais lhe dói pode se transformar em instrumento de libertação. Sua personalidade forte, em contraste com sua fragrância de menina e coração puro, nos toca de modo quase racional, mas nem por isso menos comovente e enriquecedor.

Fonte: Amálgama

Nenhum comentário: