abril 04, 2010

SOS Encontro das Águas: memória comentada

Imagem postada em Globo Amazônia
Mapa (acima) e imagem de satélite (abaixo) reproduzidos do estudo de impacto ambiental da
obra mostram a localização do futuro terminal portuário (polígono destacado em vermelho). Na imagem de satélite é possível ver as águas com duas cores separadas passando diante do local.

Nota do blog: O movimento SOS Encontro das Águas tem um dos maiores acervos sobre a luta contra a construção de um porto terminal nas imediações do nosso maior patrimônio paisagístico. Nada escapa ao seu olhar. Dos arquivos do movimento foi retirada a matéria abaixo publicada no Globo Amazônia, que é pra essa blogueiro ficar mais atento quando atacar a omissão da grande mídia no imbróglio criado por interesses privados alheios aos interesses populares. Esta aí, portanto, a única matéria publicada sobre a luta de uma comunidade contra o capital predatório. Pra não perder o hábito, convém comentar (em vermelho) o que escapou no conteúdo da matéria. (Dedico essa postagem ao meu amigo de infância João Bosco Chamma, arquiteto da pesada que melhor pensa e discute o urbanismo manauara, e pro meu filhote Juan e sua geração. que ainda vão ter um enorme trabalho para desmontar a máquina que vem destruindo os valores da nossa terra).

17/05/09

Construção de porto no Encontro das Águas é alvo de disputa em Manaus

Organizações locais veem ameaça ao principal ponto turístico da cidade. Empresa nega possíveis danos ambientais e ressalta criação de empregos.

Dennis Barbosa
Do Globo Amazônia, em São Paulo

A construção de um terminal portuário na altura do Encontro das Águas (confluência do Rio Negro, de água escura, com o Rio Solimões, de água barrenta) em Manaus, um dos pontos turísticos mais importantes da Amazônia, é motivo de polêmica na capital amazonense. De um lado, uma grande empresa de logística defende a obra. De outro, ambientalistas e moradores de um bairro da cidade querem o porto em outro lugar (esses dois segmentos, junto com vários segmentos da sociedade civil organizada, bem como professores, alunos, sindicalistas independentes e intelectuais, criaram o movimento SOS Encontro das Águas, numa histórica reunião na Universidade do Estado do Amazonas - UEA).

O movimento que se opõe à construção alerta para possíveis danos ambientais e sociais irreversíveis. A companhia que quer fazer a obra, a Lajes Logística (associação da Juma Participações, empresa sediada em Manaus, com a Log-In Logística Intermodal, um dos maiores operadores logísticos do Brasil, que surgiu como subsidiária da Vale e abriu capital em 2007) alega que os impactos não serão tão graves e acena com a criação de centenas de empregos e investimento de R$ 200 milhões (a empresa omite que a construção do porto está projetada para ocupar a boca do lago do Aleixo, numa área de igapó, onde desovam os peixes da região, a poucos metros do lajedo onde desovam os jaraquis - outro símbolo da região - que abastecem a mesa das famílias de baixa renda).

Se sair do papel, o Porto das Lajes ocupará um terreno de 600 mil metros quadrados (150 mil deles construídos). Segundo a Lajes Logística, o empreendimento gerará 600 empregos diretos e indiretos durante a instalação e 200 quando estiver em operação. O terminal terá capacidade de receber dois navios de grande porte simultaneamente (a empresa, pressionada pela opinião pública, fez saltar o número de empregos de 120 para fictícias 600 vagas, só para encher os olhos dos incautos; pior só a omissão de que, no sítio onde se pretende construir o referido porto, já foram encontrados achados arqueológicos indígenas, o que pressupõe a existência de outros ainda não conhecidos, sem que, desta vez, a empresa construtora propusesse a criação de um museu, pois era só que faltava!).

O risco de impacto sobre o potencial turístico da região é enorme, posto que o Encontro das Águas é um dos principais cartões-postais de Manaus, do Amazonas e do Brasil”, afirma o Ministério Público Federal no Amazonas, em nota ao Globo Amazônia. “A área de entorno do local proposto para o porto abriga sítios arqueológicos, unidades de conservação, populações indígenas, atividades de pesca artesanal”, acrescenta (taí o Ministério Público Federal que não me deixa cair em contradição, mas deixa em maus lençois o atual titular do Iphan local, que afirmou para o Diário do Amazonas, em entrevista recente, que não entende porque só agora surgiu a idéia de tombamento do Encontro das Águas, quando a idéia é de domínio público há algum tempo; pior, só quando a referida criatura sugere que outros empreendimentos que ali estão sendo executados não podem ser suspensos, numa outra demonstração da luta da comunidade contra a poluição trazida pela expansão do Distrito Industrial, como a empresa Sovel que há anos joga material pesado para dentro do lago do Aleixo, prejudicando a pesca e a cadeia alimentar - quando esses dirigentes terão mais intimidade com a história da nossa cidade?) .

Moradores da Colônia Antônio Aleixo, bairro onde o terminal portuário será construído, se opõem à construção. Organizações locais, o Conselho de Direitos Humanos da Arquidiocese e ambientalistas de Manaus se uniram no movimento SOS Encontro das Águas, e alegam que o porto vai causar dano à atividade turística pelo impacto paisagístico. Eles defendem ainda que a poluição e o trânsito de navios vão prejudicar a pesca e as atividades de lazer da comunidade local (o mais curioso é quem deveria demonstrar os riscos do impacto ambiental a ser provocado pela construção do terminal portuário se omite, e deixa para a comunidade a responsabilidade de fazê-lo, o que vem sendo feito com muita competência, primeiro porque nem todos os cientistas estão cooptados ou em silêncio obsequioso, segundo porque contamos com o mais legítimo dos conhecimentos tradicionais de pescadores e ribeirinhos, remanescentes de comunidades tradicionais da região).

Segundo o projeto, o terminal deve se situar próximo ao Lago do Aleixo, localizado na beira do rio, onde os moradores da Colônia Antônio Aleixo pescam e nadam. O bairro surgiu na década de 30 a partir de uma colônia para doentes de hanseníase (lepra) (a partir de 1979, quando a Colônia de Hansenianos foi desativada, em poucos anos instalou-se ali uma grande população de imigrantes, atualmente girando em torno de mais de 40 mil pessoas; região estigmatizada, ela é chamada pelos comunitários mais críticos de "cloaca" da cidade, tal a quantidade de projetos danosos ao meio ambiente e à população ali residente, como a de terminais de carga irregulares, sem que as autoridades ambientais tomem uma providência sequer).

Outro problema apontado pelo movimento contra o porto é que, próximo ao local previsto para sua instalação, deve ser construída uma adutora para captar água para o sistema de saneamento da cidade. “É incompatível a captação de água para consumo humano, em uma região como a Amazônia, ser realizada ao lado de um terminal portuário que trará tanta contaminação aquática”, afirma relatório da SOS Encontro das Águas (a montante e a jusante, a captação de água é problemática; basta lembrar que, a jusante, o sistema de esgoto da cidade de Manaus tem como endereço o rio Negro, o que deve encarecer o tratamento da água que irá beneficiar uma população de mais de 400 mil habitantes da zona Leste; e, a jusante, o porto fica coladinho à adutora).

Segundo o padre Orlando Barbosa, pároco da Colônia Antônio Aleixo e coautor desse relatório, o objetivo do movimento não é que a Lajes Logística deixe de construir seu terminal portuário, mas que o faça em outro local. “Todos sabem que portos não trouxeram desenvolvimento local para as comunidades em nenhum lugar do Brasil”, critica (uma nebulosa história, que precipitou a saída de Orlando Barbosa do Amazonas, envolvendo a cúpula local da Igreja Católica e a direita de um dos seus segmentos, ainda está por ser esclarecida).

Desemprego
Barbosa admite que, no início, a comunidade estava unida contra o terminal, mas atualmente há muitos moradores que apoiam a obra por causa da possibilidade de conseguirem trabalho. “Aqui temos cerca de 45 mil moradores e 98% é de desempregados que vivem de pesca e de fazer alguns bicos”, explica. Além de acenar com chances de emprego, a Lajes Logística afirma que, do total de cerca de 600 mil metros quadrados de terreno de que dispõe, 70% serão preservados com mata nativa. Na área conservada será implantado um parque botânico a que a comunidade local terá acesso, segundo o diretor da empresa, Sérgio Gabizo (certamente somos um povo contemplativo, seu Sérgio, mas raios! programas de geração de renda que é bom, neca de pitibiriba!; resumo da ópera: a população de baixa renda que vive próximo ao maior patrimônio paisagístico do estado do Amazonas, com sua vocação turística, não tem direito a um programa sócio-econômico decente - é de corar de vergonha).

"O terminal estará a 2.400 metros da Área de Proteção Ambiental (APA) do Encontro das Águas (onde os dois rios confluem)”, argumenta o diretor. Segundo ele, o local aonde vão mais turistas para olhar o fenômeno natural não terá inferferência da obra: “Do Mirante da Embratel, ponto de onde se tem a melhor visão do Encontro das Águas não se consegue avistar o Terminal Portuário das Lajes”. De acordo com Gabizo, o terminal também não vai interferir no Lago do Aleixo. “Durante o período de alta do rio, aparece um caminho fluvial por onde circulam pequenas embarcações nas proximidades do terminal”, admite. No entanto, o diretor argumenta que isso acontece somente de dois a três meses por ano. “Com a baixa do rio, essa passagem desaparece. A entrada efetiva do lago fica muito mais a leste”, diz. Em relação à captação de água para abastecer Manaus, o diretor argumenta que ela acontecerá rio acima e, portanto, não deve ser afetada pelo empreendimento. De qualquer forma, o movimento do terminal, afirma, será relativamente pequeno se comparado ao dos outros navios que passarão diante dele para chegar ao porto principal de Manaus. A Log-In, maior acionista do terminal, terá inicialmente duas embarcações por semana aportando no local. Gabizo afirma ainda que todas as alternativas de locação para o terminal foram examinadas, mas que este é o local mais adequado. “No plano diretor de Manaus, a área onde estamos localizados é a prevista para a expansão de terminais portuários” (aqui imperam inverdades; junto com a adutora de captação de águas - que atenderá a demanda de uma população de mais de 400 mil habitantes - o terminal portuário criará uma desastrada intervenção na paisagem; além disso, os proprietários do local onde pretende-se construir o porto cometem agressões ao ambiente, e não é de hoje, tanto que tentaram aterrar a boca do lago do Aleixo, para impedir a passagem dos pescadores; o que demonstra que juntaram-se no mesmo emprendimento o lixo e a vontade de sujar, de gente que nada entende de poluição visual - definitivamente, falta-se com a verdade, com o conhecimento, diante do silêncio dos cientistas locais, exceções de praxe; a propósito, a empresa omite o estudo da Ilha das Onças, local de grande calado, propício a instalação de um porto, a cerca de 40 km do Encontro das Águas).

Estudo de impacto
Como exigido em qualquer obra desse tipo, a Lajes Logística preparou um estudo de impacto ambiental para que o Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) concedesse a licença para a construção. Após a entrega do relatório, o instituto realizou audiência pública em 19 de novembro do ano passado. Houve oposição dos presentes e pedidos dos Ministérios Público Estadual e Federal para que o relatório ambiental fosse aprofundado. O Ipaam solicitou que a Lajes Logística apresentasse complementação do estudo e, enquanto não entregá-lo, a companhia não pode iniciar a obra. A expectativa da empresa é de que os adendos sejam entregues nesta semana ao Ipaam. "Então aguardaremos que seja marcada nova audiência pública para que o estudo seja debatido pela sociedade”, diz o diretor da Lajes Logística. Segundo ele, o terminal estará operante em “22 meses a partir da concessão das licenças ambientais e federais” (de lá pra cá, muita água rolou: o padre Orlando Barbosa foi afastado de suas funções pela cúpula da igreja católica local, o presidente do Ipaam foi afastado, uma audiência pública foi suspensa, outra foi feita "pra inglês ver"; só não arrefeceu o ânimo da comunidade altiva do bairro Colônia Antônio Aleixo, que apoiada no movimento SOS Encontro das Águas continua sua luta pelo tombamento do Encontro das Águas e pelo fim dos impactos socio-ambientais degradantes do lago do Aleixo e adjacências, fonte de vida da comunidade, embalada por importantes adesões, como os artistas da cidade - oxalá não sobrevenham as costumeiras retaliações por agentes do Estado, ciosos em manter a ordem e o progresso, desencarnados dos compromissos com a manauaridade. Se tia Pátria tivesse viva, ela, que com seu pai - vovô Antonio Barbosa, lusitano de nascimento - ajudou a criar um dos recantos mais agradáveis de Manaus - Chapada Recrativa Clube, com sua enorme área verde e igarapé geladinho (atualmente destruído), certamente já teria vociferado: "Vamos acabar com essa patifaria, bando de 'filhos-duma-égua'". Grande tia Pátria!).


Nota do blog: E para o blogueiro pagar a língua de vez, leia matéria recente do Globo Amazônia sobre o tombamento do Encontro das Águas. Acesse: Justiça determina tombamento do encontro das águas do Rio Negro com o Solimões.

Nenhum comentário: