abril 30, 2010

...mome estonteante frumious respeitosa e trêsderamente necessária...

[ Amálgama ]

Burtonville invade Wonderland

por Ana Al Izdihar – Calma! Foi uma invasão amistosa, suntuosa e estrategicamente inteligente. Vou explicar mais nesta última resenha da trilogia Lewis Carroll e livro, Burton/Depp – já publicadas aqui no Amálgama – mas cuidado! Este texto é altamente mimsy spoiler! Desculpem, mas não pude evitar.

Os burtonvillenses foram aculturados por wonderlandianos, mesmo sendo eles os invasores, e se deram muito bem no novo ambiente. Podemos dizer que se adaptaram perfeita e rapidamente como um chapéu bem feito numa cabeça adequada. O chá saiu na hora errada como de costume e cabeças cortadas o tempo todo, sendo que somente uma saiu mesmo do pescoço, como era de se esperar. Coelho e lebre nervosos em seus lugares, Tweedledee e Tweedledum em discórdia, Cheshire sorrindo e sumindo, as rosas falando e a lagarta fumando. Estavam todos lá, vivos com seus olhos fumegando e seus discursos decorados alucinadamente.

E mesmo assim não se pode dizer de modo algum que o Rei Burton foi fiel à memória do Rei Carroll. De maneira alguma! Aliás, esqueçam a maldita “fidelidade ao livro”, por favor, agora e para sempre, para o bem de suas cabeças pretensamente frutíferas. Prometo que meu próximo texto falará sobre isso. Mas voltando ao Rei Burton e sua invasão: ela se dá treze anos depois de Alice ter visitado o País das Maravilhas e Através do Espelho. Ela volta para lá em mais um momento crucial de sua vida ao passar da adolescência para a vida adulta e mais uma vez seus amigos maravilhosos e lesadinhos vão ajudá-la a responder questões pessoais enquanto vivem aventuras oníricas.

Porém, paradoxalmente, como tudo o é em Burtonville e Wonderland, se você nunca leu o livro de Carroll ou apreciou os desenhos de John Tenniel vai ficar meio perdido com as referências contidas na película. Como o tabuleiro de xadrez, a armadura que Alice usa na batalha, o porquê da lebre jogar utensílios de cozinha pelo ar, as atitudes do Chapeleiro… Enfim, quase tudo. E arrisco dizer que Rei Burton faz das referências, reverências! Por falar na batalha que Alice trava, o nosso querido Jabberwocky, cantado em verso e prosa antes e depois de Carroll, está lá bem representado, desenhado e animado. De fazer inveja ao Terry Gilliam e seus dragões e jabberwocky pessoal…

A Rainha Vermelha, a de copas – representante das emoções – domina a terra das maravilhas ao mesmo tempo em que Alice é dominada por emoções que a deixam confusa, ao passar da puberdade para fase adulta. Sabemos todos que num reino em que a emoção impera tudo pode ficar pesado, choroso, medroso e hipócrita já que ninguém agüenta manter a paixão acesa por tanto tempo. Ou se ama ou se odeia profundamente, e a emoção que nos faz humanos pode nos tornar insuportáveis, sonhadores refugiados, desconfiados e tiranos. Enquanto isso, a Rainha Branca, a de espadas, espera racionalmente o melhor momento aliado ao campeão destemido e de coração puro para empunhar a espada vorpal e acabar com um monstro ressentido e alimentado por emoções sombrias.

Amigos e inimigos se reconhecem e debatem sobre as mesmas questões existenciais de sempre e Alice vai se percebendo como alguém que precisa participar disso por mais estranho e assustador que pareça. E ela consegue não somente enfrentar esse aspecto medonho como também ao final aprende a dosar emoção e razão de um modo peculiarmente louco, já que os loucos são as melhores pessoas no mundo.
Por falar em louco, o burtonvillense Depp entra no corpo do Chapeleiro Maluco e se apodera de sua alma de modo fantasticamente aterrorizante e magnífico. O Chapeleiro é um pouco pai, um pouco irmão, um pouco ideal de alma gêmea para Alice. E Alice o ajuda a reequilibrar suas emoções sem afetar sua loucura doce e necessária.

Wonderland revista por Burtonville ficou mome estonteante frumious respeitosa e trêsderamente necessária! Vá sem medo, beba o licor, coma o bolo – compre o baralho! Eu comprei! – cresça com Alice, enlouqueça com o Chapeleiro e bata palmas. Aliás, na sessão em que fui todos bateram palmas. E há tempos não via isso numa sala de cinema.

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