abril 18, 2010

Por uma ética do respeito



Por uma ética do respeito

Ocupadas as ruas de Brasília, sensibilizadas a opinião pública e o presidente da república, garantida a realização da IV Conferência Nacional de Saúde Mental, eis que a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial, representada na Comissão Executiva por um usuário e um familiar, não conseguiu emplacar, num dos eixos de discussão, o tema: “Reforma Psiquiátrica Antimanicomial e o SUS”. A aceitação só se deu com a supressão da palavra antimanicomial.

Não é de hoje que convivemos com sinais de enquadramento disciplinar num certo modelo de comportamento. Ora nos submetem ao silêncio, ora afirmam a superioridade dos que sabem o que é bom pra todos nós.

Estamos longe daquilo que Foucault chamou de sociedade “exilante” e “assassinante”, e caminhamos para por fim à sociedade “enclausurante”. Outrora rejeitávamos e mandávamos para o exílio aqueles que não suportávamos. Depois passamos a submeter os acusados a rituais punitivos ou purificadores, que iam da tortura à eliminação física.

Hoje, na sociedade enclausurante, excluímos do circuito social aqueles que não respeitam as normas. Incluir ou excluir é a contrapartida de uma utopia social. Bom e justo é quem está fora da clausura. Nesta estão os culpados. Eis a forma mais bem acabada da descristianização da consciência. Os que estão fora não se responsabilizam pelos que estão dentro.

Até então falava-se em sociedade disciplinar. Hoje há consenso de que vivemos numa sociedade de controle. Nela as formas de coerção tornaram-se sutis, não raro feitas com cortesia.

O diálogo entre a sociedade e seus loucos tem na IV Conferência um espaço privilegiado, acima de divergências teóricas e literárias. Trata-se de abrir espaço para uma consciência que construiu experiências e que não abre mão de fazer circular a informação da reforma e da sociedade que queremos.

É preciso cuidado com a visão burocrática que tem confiscado o direito de reflexão, cálculo e decisão dos movimentos sociais, condenando-nos a ser freio ali onde somos convocados a fazer avançar nossas conquistas.

A Reforma Psiquiátrica brasileira produziu suas verdades, através de olhares diferentes. Mas é preciso estar atento aos discursos. Alguns convivem com práticas submetidas às coações de ações longe dos ideais éticos desse evento histórico inacabado.

Está em jogo o saber acumulado pelo movimento social por uma sociedade sem manicômios. Não se pode submeter à disciplina o que não tem governo, sob pena de levar água para outros moinhos. Há muito perdemos a virgindade política.

Na tarefa de edificação de uma sociedade sem manicômios, as contradições não precisam ser apagadas. Tampouco mascará-las. É preciso aprofundá-las, sem medo de ser feliz.

Acaso teme-se com o aprofundamento das contradições o surgimento da divisão? Ora, ora! A divisão é um fato. Ao criarmos uma nova ideologia – a de uma sociedade sem manicômios –, quem assegura o restabelecimento da unidade? A ruptura com o manicômio não é fruto de mera retórica, mas da reversão da escala de prioridades. Assim como não estamos autorizados a fazer o que quisermos, também não podemos nos deixar levar pela idéia de que aos inimigos da Reforma interessam novas formas de gestão da Saúde Mental. Ora, pois!

Manaus, Abril de 2010.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
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