junho 16, 2010

Não contem o fim do livro

por Otávio Dias – Falar em livros e principalmente deste Não contem com o fim do livro, que reúne conversas entre Umberto Eco e Jean-Claude Carrière é – em especial neste suporte, o mundo virtual – motivo de celebração. Afinal, em tempos de internet, em que poucos ainda exercitam a escrita artesanal – reinam três teclas: Ctrl, C e V – e em que tanta informação está disponível sem muitos critérios discriminatórios, nos juntarmos, eu e você, em torno de comentários acerca de um livro sobre livros é ocasião pra comemorar, mesmo que poucos se juntem a nós.


O título é emblemático e irônico, porque faz uso de onda recente de que os autores fazem troça. O chiste é justificável: na era da informática, textos e imagens foram condensados em unidades de armazenamento cada vez menores, que desprezam o uso de um suporte tão antigo quanto o papel e a tinta; por outro lado, os modernos suportes – desktops, pocket pcs, tablets, smartphones, notebooks, netbooks, e-readers, iPads – dependem, todos, de uma tal eletricidade, que nem sempre está ao alcance.
Umberto Eco: Parece-me que uma maneira de caracterizar o que é o livro é considerar a diferença que existe entre uma língua e um dialeto. Nenhum lingüista sabe essa diferença. Entretanto, poderíamos ilustrá-la dizendo que um dialeto é uma língua sem exército e sem esquadra. É a razão pela qual consideramos o veneziano uma língua, por exemplo, porque o veneziano era utilizado nos documentos diplomáticos e comerciais. O que nunca foi o caso, em contrapartida, do dialeto piemontês.
Toda a conversa é levada num tom informal, fato, e nem por isso vem recheada de parvoices, há um amálgama de sabores e saberes delicioso. O objeto livro – talvez não como o conheçamos – está ou esteve presente nas mais variadas culturas (quer seja cultura perdida no tempo, quer não); esse é apenas um dos muitos tópicos abordados nessa apologia ao livro, que passa pela formação da sociedade e do cânone ocidental, filmes, teatro e… a lista pode continuar.

O livro e a cultura estão em primeiro plano neste livro e, creia, muito bem acompanhados pela ignorância – eis o tema sobre o qual a biblioteca de Umberto Eco, com seus mais de 50 mil volumes, está montada –, tão importante e necessária pro nosso aprendizado; os dois bibliófilos, Eco e Carrière, abrem mão do positivismo graças ao conhecimento adquirido em meio a tomos lidos e, há de se confessar, aos não lidos. Neste sentido, eles estão em perfeito acordo com Schopenhauer e o controverso Harold Bloom: é preciso escolher, filtrar o que se deve ler, afinal nosso tempo é limitado.

Discutem mais, e tocam em assunto que tantos que se acham conhecedores das letras discutem cheios de razão; sobre isso, considero interessantes os comentários sobre adaptações de livros pra públicos diferentes e aqueles sobre a popularização do livro.
Umberto Eco: (…) Para poder torná-lo acessível ao público alvo, cada livro havia sido escrito por um bom escritor infanto-juvenil. Naturalmente eles eram um pouco ad usum delphini. Por exemplo, Javert não se suicidava, apenas pedia demissão. Devo dizer que, mais velho, quando li Os Miseráveis na versão original, foi que finalmente fiquei sabendo toda a verdade sobre Javert. Mas devo reconhecer que o essencial me havia sido transmitido.
Nenhuma grande novidade pra quem já teve a oportunidade de ler outros livros de Eco. Por outro lado, Jean-Claude e Umberto comentam até mesmo sobre o que não leram e fundamentam o óbvio: é possível apreender uns tantos livros pela leitura de outros. Ainda, argumentam, a leitura de clássicos apenas reforça, multiplica e evidencia a qualidade de outras grandes obras, enquanto nos provoca. E eles nos provocam, os dois bibliófilos, dizendo que o livro deverá permanecer, se perpetuar, a despeito da miríade de novos meios. Não creio que ignorem as mudanças por que estamos passando em nosso modo de vida. Sabem eles – sabemos nós, mesmo que ousemos esquecer – que a maior impressão que o futuro nos causa no instante agora é o de ser absolutamente certo. Não têm, então, como estarem errados em sua previsão.

::: Não contem com o fim do livro ::: Umberto Eco e Jean Claude-Carrière :::
::: Record, 2010, 272 páginas ::: Compre na Livraria Cultura :::



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Fonte: Amálgama

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