julho 30, 2010

O libertário da nova informação

itnnews | 26 de julho de 2010
The founder of WikiLeaks defends releasing tens of thousands of secret files about the war in Afghanistan.

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JULIAN ASSANGE # WIKILEAKS
O libertário da nova informação

Por Rodrigo Uchoa em 30/7/2010 

Reproduzido do Valor Online, 27/7/2010
Julian Assange tinha vinte e poucos anos e os cabelos castanhos escuros quando se envolveu numa dura batalha com a ex-mulher pela guarda do filho dos dois. Um problema pessoal que acabou sendo transformado na primeira grande experiência do então jovem programador australiano contra a burocracia e as grandes instituições pouco transparentes. E a primeira experiência também de um ativismo que iria desembocar anos depois no WikiLeaks, o site classificado de "criminoso" por uns e de "heroico" por outros.

Revoltado com a falta de transparência da agência australiana de proteção aos menores, que não havia dado ouvidos a suas reclamações em relação à ex-mulher, Assange criou junto com sua mãe uma organização de pais. Passou a gravar escondido todas as audiências e reuniões com as autoridades. Na Justiça, apelou para o Ato de Liberdade de Informação da Austrália para conseguir acesso aos autos que deram base à decisão da agência – nem a isso os pais tinham direito, pois a burocracia tratava os autos como secretos até mesmo para os envolvidos. E, acima de tudo, começou a distribuir folhetos para assistentes sociais, incentivando-os a vazar informações da agência de proteção a menores.

O caso em si acabou em um acordo quanto à custódia do garoto, mas marcou Assange profundamente de duas maneiras. De um lado, parece ter sido a semente para o ativismo contra a "conspiração" das grandes instituições; por outro lado, parece ter deixado marcas físicas mesmo: segundo a mãe de Assange, a adrenalina e o desgaste da campanha foram tamanhos que ela própria sofreu de um estresse pós-traumático e seu filho ficou de cabelos brancos – o visual pelo qual é amplamente reconhecido agora.

Olho do furacão
O WikiLeaks dominou os noticiários nos últimos dias com a divulgação de uma série de documentos oficiais americanos sobre as operações de guerra no Afeganistão. Os documentos dão conta de uma situação bem menos sob controle do que a Casa Branca vem querendo fazer parecer. Colocam também em dúvida o comprometimento do Paquistão, principal aliado dos EUA na região, em relação ao combate à milícia islâmica do Talibã. Alguns analistas chegaram a comparar a divulgação atual ao vazamento de documentos oficiais durante a Guerra do Vietnã, no início dos anos 70, num caso que também colocou em dúvida os rumos daquele conflito.

E a figura de cabelos brancos de Julian Assange foi trazida ao centro do furacão. O Pentágono diz que sua atuação coloca em risco a vida dos soldados no teatro de operações do Afeganistão e que a divulgação de documentos secretos foi criminosa. Assange disse que as ações criminosas vêm na verdade dos americanos. Ele deu como exemplo as operações da chamada Força-Tarefa 373 – que qualificou como "um esquadrão da morte" das forças especiais americanas -, encarregado de assassinar uma série de pessoas incluídas em uma lista arbitrária. "Mataram pelo menos sete crianças e outros inocentes", denunciou ele. E disse que algumas pessoas eram incluídas nessa lista "por recomendação de governos locais ou de outras autoridades com poucas provas e sem supervisão judicial".


Não é a primeira vez que o australiano se envolve em polêmicas por divulgar informações secretas. O WikiLeaks já desagradou bancos suíços, defensores da cientologia, oligarcas russos e ditadores africanos.

Para entender como ele chegou ao olho do furacão, vale observar a trajetória de Assange, que envolve bem mais do que sua batalha contra a agência de proteção a menores.

Decepção com a academia
Nascido em 1971, numa pequena cidade da costa nordeste da Austrália, ainda bem pequeno sua família iniciou uma vida itinerante. Não teve contato com o pai, e sua mãe se mudou de cidade em cidade após alguns relacionamentos com diretores de teatro e músicos. Ela acreditava que as escolas tradicionais serviam apenas para tolher a criatividade das pessoas e, por isso, fez o menino estudar em casa – mesmo que esporadicamente ele fosse a alguma escola. O próprio Assange diz que passou por quase 40 escolas e, mais tarde, por pelo menos seis faculdades.

Na adolescência, ele se encantou pelos computadores de uma loja do outro lado da rua onde morava. Em pouco tempo, aprendeu a escrever programas e, principalmente, a quebrar seus códigos. Talvez mais marcante do que seu primeiro computador tenha sido seu primeiro modem. Adotou o codinome de Mendax, retirado das odes de Horácio – "splendide mendax" (esplendorosamente falso, enganador para um bom motivo).

Mas eram necessários mais desafios para o jovem hacker. Ele se juntou a outros companheiros para formar um grupo chamado de Subversivos Internacionais. Os alvos se sucederam em diversos continentes, inclusive o alvo dos alvos para os hackers da época: o Departamento de Defesa dos EUA. Entraram furtivamente em todos os sistemas de computadores que quiseram.


Mas foi aí também que apareceram os primeiros problemas com as autoridades: a polícia australiana apreendeu seu computador numa investigação sobre o furto de US$ 5 mil do Citibank. No fim das contas, ele não foi indiciado e teve seus equipamentos devolvidos. O próprio Assange descreveu o evento mais como um susto. Afirmou que não teve nenhum envolvimento com desvio de dinheiro e que seguia à risca as regras de ouro dos hackers nostálgicos: "Não danifique os sistemas que você invade; não mude dados; e, acima disso, compartilhe sempre as informações que conseguir".

Passou então por uma fase bem mais tranquila. Apaixonou-se, casou-se com apenas 18 anos e teve um filho.

Pouco depois, entretanto, os Subversivos Internacionais foram pegos por uma investigação da Polícia Federal australiana, após terem invadido os sistemas da canadense Nortel. Assange passou apertado e achou que poderia mesmo ir para a cadeia. E, para piorar, foi mais ou menos na mesma época em que se viu envolvido pelo caso de custódia com a já então ex-mulher. Apesar dessa conjunção de problemas, do medo de ir para a cadeia, a Justiça australiana apenas lhe aplicou uma multa.


A vida seguiu em frente e o não tão jovem Assange foi estudar física na Universidade de Melbourne. Não concluiu o curso e sua decepção com o que chamou de "conformismo" da academia foi imensa.

Partiu então para um projeto que vinha maturando havia algum tempo: o WikiLeaks.

Edição necessária
A base intelectual do WikiLeaks pode ser identificada num manifesto escrito por ele que pregava a luta contra os segredos e conspirações "em detrimento da população". Não é uma questão de direita ou esquerda, de liberalismo ou socialismo. A luta é do indivíduo contra as acachapantes instituições criadas pelas sociedades, formadas por funcionários que não têm o bem comum em vista, e sim a perpetuação do próprio sistema, envolto em segredo e em cada vez mais burocracia.

"Acreditamos que a transparência em atividades governamentais leva à redução da corrupção e ao fortalecimento da democracia", afirma o WikiLeaks em sua declaração de objetivos.


O modo como Assange iniciou a formatação do WikiLeaks também mostra um padrão que acabou sendo seguido por ele daí adiante: em 2006, começou a trabalhar como um louco, primeiramente sozinho, mas depois foi chamando quem quisesse colaborar para o desenvolvimento dos sistemas do site e dos projetos.

Assim, a partir de 2007, o site se tornou uma experiência descentralizada, do ponto de vista técnico. Não há um escritório central, onde um diretor possa ser encontrado atrás de uma mesa – o site é feito onde Assange está, seja lá qual for esse lugar.

Dissidentes chineses, ativistas da Holanda, provedores suecos, matemáticos e jornalistas de todo o mundo passaram a colaborar na checagem dos dados recebidos e, muitas vezes também, abrigando Assange em suas constantes movimentações. Isso contribuiu para a imagem heroica do globetrotter em constante fuga.


O lado de constante fuga é algo identificado por muitos de seus colaboradores. Assange diz que teme estar sendo perseguido por onde anda e, por isso, carrega pouca coisa consigo – meias, cuecas e umas poucas camisas –, o que lhe daria maior liberdade de ir e vir. Mas isso cria um clima de paranoia também entre as pessoas mais próximas.

Assange conta que uma vez ficou meses abrigado na casa de uma colaboradora, temendo estar sendo perseguido por espiões americanos. O clima ficou tão pesado, disse ele, que ela saiu de casa e não mais voltou até que ele fosse embora.


Desde o começo do ano, ele não viaja aos Estados Unidos, temendo ser preso pela divulgação das imagens de video de um helicóptero militar americano em ação no Iraque, num incidente em que matou dois funcionários da agência de notícias Reuters.

Mas o modelo de divulgação do site também se aprimorou com o tempo e passou a contar não apenas com colaboradores esparsos, ativistas interessados em ajudar apenas. Agora, atrai grandes grupos de mídia. O New York Times e o britânico The Guardian, assim como a revista alemã Der Spiegel receberam com antecedência de quase um mês os relatórios sobre os documentos do conflito afegão, que estavam em formatos como KML, CSV e SQl.

A intenção era que eles tivessem tempo de analisá-los, checá-los e apresentá-los de forma mais atraente e legível aos leitores. Isso seria necessário para que as informações importantes não ficassem simplesmente soterradas pela enorme quantidade de dados. Não eram como documentos já divulgados, que diziam tudo por si mesmos, como o manual da igreja da Cientologia – popular na Califórnia entre alguns artistas de cinema –, o livro de normas de conduta da prisão americana de Guantánamo ou a relação dos afiliados ao Partido Nacional Britânico, de extrema-direita. Era preciso uma edição.

Novo modelo
A ideia de editar havia sido colocada em prática no episódio da divulgação do video do helicóptero no Iraque. Assange passou dias dentro de uma casa em Reykjavík, capital da Islândia, decodificando e escolhendo cenas que mostrassem continuidade de fatos. O video pode ser visto em qualquer busca rápida no You Tube e continua causando impacto.

Alguns críticos do WikiLeaks dizem que o site já vem passando por uma "institucionalização" por causa dessa aproximação com a grande imprensa, o que lhe tiraria o caráter libertário e poderia colocar freios em seus próximos projetos.
Assange defende essa aproximação dizendo que consegue maior divulgação sem comprometer a identidade daqueles que fornecem os documentos, já que a sua rede de colaboradores em todo o mundo continua intacta.

Outros dizem que o sistema de financiamento do site pode ser colocado em risco também por essa sua recente "institucionalização". O financiamento vem sendo um desafio para Assange desde o lançamento do WikiLeaks. Inicialmente, baseou-se nas pequenas contribuições dos colaboradores. Com a maior exposição, as doações se multiplicaram. Depois da divulgação do video do helicóptero que matou os jornalistas no Iraque, Assange recebeu cerca de US$ 200 mil em doações. Ele comemorou dizendo que esse seria "um novo modelo de financiamento para o jornalismo".


DaysOfToday | 5 de abril de 2010
O site Wikileaks.org, especializado na difusão de conteúdos sensíveis, divulgou nesta segunda-feira um vídeo gravado por um helicóptero americano que dispara e mata supostos homens armados no Iraque, que na verdade são civis inocentes, incluindo dois funcionários da agência de notícias Reuters.

As imagens, gravadas por um helicóptero de ataque Apache, são acompanhadas pelo audio de comunicação entre o piloto e o controle em terra, no qual o piloto revela que identificou homens armados, supostamente rebeldes, caminhando por uma rua de Bagdá, e pede autorização para abrir fogo.

O vídeo mostra um grupo de homens andando pela rua, incluindo os funcionários da Reuters Namir Noor-Eldeen e Saeed Chmagh. O piloto do Apache, que confunde a câmera de um dos jornalistas com um lança-granadas RPG, comunica ao controle em terra que avistou "cinco ou seis homens com (fuzis) AK-47" e pede permissão para abrir fogo, sendo atendido logo em seguida.

O helicóptero dispara rajadas de metralhadora e quando a poeira baixa os pilotos comentam que há "um monte de corpos" caídos no chão. "Olha todos estes bastardos mortos (...) Que lindo".

Logo depois da primeira sequência de disparos, homens em uma van tentam socorrer os feridos, mas o veículo é atacado pelo helicóptero, e duas crianças são feridas no carro.

Posteriormente, entre os mortos no ataque são identificados Namir Noor-Eldeen e Saeed Chmagh.

Um oficial do Exército americano, que pediu para não ser identificado, disse à AFP que o vídeo é verdadeiro.

"Reconhecemos que o ataque ocorreu e que dois funcionários da Reuters" morreram no incidente. "Também sabemos que duas crianças ficaram feridas", disse o oficial. "Naquele momento não pudemos distinguir se levavam câmeras ou armas".

O site não revela como obteve as imagens do incidente, ocorrido em julho de 2007 e divulgado hoje no Youtube.

WikiLeaks se apresenta como uma organização sem fins lucrativos financiada por defensores dos direitos humanos, jornalistas e o público em geral.

Os Estados Unidos invadiram o Iraque no início de 2003 alegando que o governo iraquiano tinha armas de destruição em massa, mas tal armamento jamais foi encontrado. Desde então, tropas americanas permanecem no território iraquiano.

WikiLeaks Video shows U.S. Apache helicopter attack that killed reporters,in Bagdad ,Iraq

O que quer que seja – novo modelo de divulgação de informação, novo modelo de financiamento do jornalismo –, o WikiLeaks é um modelo que deve ficar marcado pela personalidade de Julian Assange. Resta saber se ganhará vida própria.

Fonte: Observatório da Imprensa

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