agosto 31, 2010

A Economia da Cultura, por Jair Alves

A Economia da Cultura
 
Empurra pra frente pra traz...
O motor não ascende...
Vários documentos programáticos, originários do MINC/FUNARTE, introduzem no seu bojo o conceito Economia da Cultura. Na maioria das vezes, esta denominação aparece como uma panacéia, um remédio para todos os males. Mas, eu entendo que o que está acontecendo é uma tremenda confusão a respeito, e um absoluto silêncio sobre o que está por vir, resolvi pesquisar nos anais desses dois organismos, em quais circunstâncias este conceito vem sendo utilizado, e o que ele pode realmente significar. A primeira citação já me basta, para caracterizar a balburdia sobre tudo o que se discute a respeito de Arte e Cultura. Não seria tão grave, assim, se esta discussão conceitual não resultasse em incentivar, fomentar e proteger, as Artes nos programas governamentais. Os Fundos de Incentivo aos setores produtivos, do Circo, da Dança e do Teatro não estão fora dessa discussão; daí a preocupação (de poucos, infelizmente).

Um dos documentos pesquisados, diz em sua introdução, o seguinte:

“A Economia da Cultura, ao lado da Economia do Conhecimento (ou da Informação), integra o que se convencionou chamar de Economia Nova, dado que seu modo de produção e de circulação de bens e serviços é altamente impactado pelas novas tecnologias, é baseado em criação e não se amolda aos paradigmas da economia industrial clássica”. (Fonte:http://www.cultura.gov.br/site/2008/04/01/economia-da-cultura-um-setor-estrategico-para-o-pais/. Acesso em 26 de outubro de 2009).

        Como este documento é oficial, ao menos de alguém que fala em nome da Oficialidade, pergunto se isso está entendido pela maioria dos candidatos a fomentados? Vamos sair desse circulo, restrito, para ver o que acontece nos bastidores, na vida real ou nos programas de tevê; como queiram.

No dia de ontem (terça-feira), ao assistir heroicamente a um debate entre os candidatos ao governo de São Paulo, ouvi de um deles (ligado às causas do meio ambiente) que tudo o que devemos fazer hoje em dia, é observar por onde estão sendo introduzidos os parâmetros da Nova Economia.  Bingo!!!

Como aqui não é um fórum de disputa político-eleitoral (ainda bem!), fiquemos apenas na caracterização da origem dessa pauta, equivocada, enfiada goela abaixo de artistas e profissionais afins, de um setor centenáriamente complicado, especialmente em se tratando das artes de espetáculos. A grande maioria dos problemas que aqui tratamos está presente, na ordem do dia, desde a Independência do Brasil; da Proclamação da República; do período da implantação da Industria brasileira; da inauguração de Brasília; ou mesmo depois da Anistia. É só escolher. Não dependemos de nenhuma teoria nova, para resolver questões crônicas. Todo artista depende da circulação de sua Arte e do seu produto, afinal, ele (todos os artistas) precisa comer. Caminhamos, ou entregamos aos “acadêmicos” (com tempo e salário), para confundir ainda mais o galinheiro? É muito fácil cair na armadilha de um acadêmico, e quando isso acontece dançamos sem conhecer a música. Pois bem, eu acho que estamos dançando desde a muito, resta saber se ainda a tempo para se levantar. Do contrário, esta história vai acabar virando a mesma ladainha que ouvíamos, em meados dos anos 90, a respeito dos novos paradigmas. Isso virou conversa do politicamente correto; e lá se vão dez anos.

Quero registrar, aqui, a origem da expressão Economia da Cultura proferida pelo próprio Ministro da Cultura de então, Gilberto Gil, em 2005. Fui um dos acompanhantes da bailarina e coreógrafa, Marika Gidali, no Prêmio de Honra ao Mérito, no Palácio do Planalto, em Brasília, convite este feito por Sérgio Mamberti, a época, ainda Secretario da Diversidade Cultural. Marika Gidali foi homenageada, juntamente com Décio Otero, pelos anos do belíssimo trabalho realizado à frente do Balet Stagium.  Naquele mesmo dia e local, Augusto Boal, também homenageado, com sua saúde debilitada (já andava de com cadeira de rodas), foi o escolhido como paraninfo da turma. Mesmo assim, Boal aproveitou esta oportunidade para reforçar, em nome dos homenageados, a urgência de se aprovar o Programa Pontos de Cultura. Não tenho nenhuma gravação do que aconteceu ou do que foi falado, durante jantar de confraternização, mais tarde. Mas, como estamos conversando entre pessoas que não mentem (ao menos deveria ser assim) e, por outro lado, qualquer um que tenha vivido ao lado desse dramaturgo, durante anos, saberá que ele não se empenharia bravamente num projeto que levasse a uma desprofissionalização dos artistas. Muito pelo contrário! Boal esperava que o empenho do governo serviria para distribuir recursos para as áreas, aonde a Arte e os Artistas já existissem.

Essa nova ação não poderia - e não pode - destruir as pequenas conquistas de mais de um século, dos setores avançados do operariado artístico. Mirem-se, no exemplo de Chiquinha Gonzaga. Parece que estão querendo inventar a roda, ao imaginar que podemos derrotar os poderosos da Industria Cultural, com uma não-industria; isso é coisa de amador. Desenvolver formas de expressão popular, não significa matar de fome quem nela trabalha. Mas, o que essa firmeza do Boal tem a ver com o discurso do Ministro, diante do Presidente da República? A tônica do discurso de Gilberto Gil foi à Economia da Cultura, que já se desenvolvia e precisava de mais fôlego. Neste caso é possível, sim, reler cada sentença desse discurso, e de todos os dados que foram apresentados no início de setembro daquele ano; bastando para isso, rever as tevês governamentais ou a minuta do seu discurso. Qual era o legado que Gilberto Gil trazia naquele momento, numa simbiose com uma outra vertente menos glamourizada, no caso, Boal?

Gil foi o primeiro artista a perceber a estrutura e movimento, que ocorreu com o advento da Industria Cultural no Brasil, a partir dos anos sessenta, mais especificamente a partir dos Festivais de Musica Brasileira. Por ele ter formação em Administração de Empresas, domina a terminologia industria e utilizou a expressão produto cultural, pela primeira vez, num encarte de um de seus LPs. Dentro da estrutura da Industria fonográfica, alertou que para continuarmos vivos era preciso fazer parte daquela máquina, mesmo que para transformá-la. Hoje, é preciso também compreender que, na década seguinte (anos 70), a "esquerda" se dividia claramente, entre os Pró-Moscou e Pró-Pequim. Quem se esquece ou ignora esta questão, está cometendo um assassinato político e cultural. Não se pode jogar no lixo, qualquer que seja a experiência humana, e suas conseqüências. Mora aí, o nosso maior problema. Esta fobia de se neutralizar um passado nem tão remoto é, no mínimo, criminosa.

A roda da história girou, e o Velho de Restelo, como sabemos, não está morto. Hoje, não partimos mais para o Oriente; é o Oriente quem nos invade. Vinte anos depois o mundo, de fato, começou a mudar. A China, hoje, aposta todas as suas fichas em sua mega industrialização e no bem estar, individual, para se desenvolver. E desenvolver, neste caso, significa sair de um envolvimento, quase sempre permeado de contradições econômicas. O crescimento da economia chinesa, com todos as novas contradições que passou a produzir, dentre elas, no meio ambiente, está mudando a cara do mundo. Boa parte das Redes Sociais está, hoje, sediada na China; e por ela já pagamos, em dólares, pelo seu uso. A União Soviética, como todos sabemos, não existe mais, e o capitalismo norte-americano passa por sua grande crise, após 80 anos. Tempos novos virão. A Economia da Cultura, anunciada por Gilberto Gil, não falava sobre cultura da miséria, muito menos que deveria ser financiada pelo Estado. Quem introduziu este conceito, “híbrido”, está cometendo o maior dos crimes contra os artistas. Fazem isso, em nome de uma pseudociência, ou de um pseudoconhecimento.

Vale lembrar: quando Gil descobriu a Banda de Pífaros do Caruaru, na década de 70, fez com que ela já fosse introduzida na Industria Fonográfica; e não o contrário. Se os seus integrantes tiveram fôlego para resistir, é uma outra questão. Pergunte a qualquer músico profissional, o que pode significar ter a sua atividade controlada por um mega pelego, por mais de 40 anos? Finalmente, ele foi destituído, no entanto, seu império ainda provoca danos. O principal deles está no esfacelamento das Entidades, representativas desses profissionais. Voltemos ao nosso "circo" diário, às artes cênicas e às artes dos espetáculos. Há algo muito grave, acontecendo nos bastidores do Reino da Dinamarca e, talvez, Inês precise ser avisada antes que ela morra. Negar esta infra-estrutura industrial, que não para de crescer, é um outro suicídio cometido pelos "acadêmicos", dentro ou fora do MINC.

Jair Alves

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