agosto 30, 2010

"Picicanálise" da "Crônica bipolar"


Nota do blog: O texto abaixo foi escrito à guisa de prefácio para o livro do intrépido Jorgito Labuerda, "Crônica bipolar", que você pode ler aqui em pdf. Para ler crônicas mais recentes, clique no blog do Jorge Laborda.
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Pra ler a “Crônica bipolar”? Bota um blues aí, porra!
Em Manaus, houve um tempo em que, aqui e ali, existia um poeta pra te tirar do sufocante marasmo provinciano, senão tu ficavas assim meio fudidão das idéias. A merda é que alguns resolveram mergulhar numa instituição qualquer, vestir paletó e gravata, único modo, segundo eles, de evitar a doideira que é sustentar uma diferença.
Outros tomaram antes um “cala a boca”, que era pra depois não “tomar no cu”, numa terra em que costuma ser vitoriosa a insustentável leseira da classe média rastaqüera, reprodutora de uma educação habituada a disciplinar corpos e mentes. Ô, yeah!
E assim, quase ficamos sem menestréis. Eu disse quase, porque se a porra desse silêncio, tão cultivado entre a maioria dos manauaras, por pouco deixou de fuder a resistência cultural da cidade ao calar a poesia, eis que a prosa ganhou em molecagem e malandragem ali onde menos se esperava, contrariando a Lei de Murphy, para quem “de onde menos se espera, dali é que não sai nada mesmo”.
 Caralho! Quem não fala não sabe escutar. E quem não escuta é porque entrou num lance de não-encontro com o simbólico. Isso pra não falar no mais claro português, de que o sujeito tá atoladinho na mais despudorada alienação. Vixe!
Falar nunca foi problema para o autor do livro que ora prefacio.  Ao menos pra patota dele. Como tu, ele também tem sua patota, que lhe reconhece a fala. E olha que não é uma patota qualquer. É uma patota udigrúdi, dessas que faz da arte militância antitotalitária, e que se orgulha de não ter o pecado de agir como máfia. Isso, não!
Mas foi o espírito de gangue que acabou prevalecendo sobre sua decisão em escrever. Explico. A patota empombou que ele tinha algo em que se ocupar. “Colunismo social”, gritou alguém, sob resposta irada imediata: “No cu, gaivota!”
O fato é que ninguém da patota agüentava mais ouvir a crônica da cidade desfilando aos seus olhos, sem que a maioria silenciosa tomasse conhecimento. Sacou a sutileza da carga a que a indigitada criatura foi submetida? Logo ele que, até então, era virgem... no ofício das letras.
Quando ameaçaram cortar o bagulho, aí que a coisa deu certo. Só pra frescar, nosso personagem se decidiu por criar um blog. O nome lhe faz justiça: “Crônica bipolar”. Daí pro reconhecimento fora da patota, bastou a postagem das primeiras heresias contra a leseira que assola, há décadas, as classes médias incultas da cidade.
Descoberto pelo jornal “O Repórter”, tornou-se, da noite pro dia, o “cronista social” mais escrachado de todos os tempos. A grana era pouca, mas dava pra descolar a gelada das quintas-feiras no bar do Armando, reduto de intelectuais que gostam de ver o mundo molhando o bico, que é pra soltar as cordas vocais e aclarar mais as idéias, não necessariamente nesta ordem.
Foi assim que o personagem, há muito inscrito na galeria do “meu tipo inesquecível”, saiu da posição de ver e escutar esse mundo velho, e, depois de falar pra burro(s), sem querer passou a escrever pra leitor de jornal, esse ser que compõe a massa informe por alguns chamada, equivocadamente, de opinião pública.
Como nem tudo que escreveu foi publicado, encontrarás neste livro o que o enfant terrible da crônica baré salvou da tesoura da censura. É pra ler e rir dos pudores do censor. Depois de cutucar a onça, por o pé no freio e tratá-lo de bichano é covardia.  
Pra finalizar, se tu me disseres que falar e escutar são duas coisas distintas, inaplicáveis para a escrita, vou te dizer uma coisa, abre tua mente para os lugares onde se produzem a diferença e deixa de regular o comportamento dos outros, porra! 
Não é todo dia, nem todo mundo, que tem a audácia de afirmar-se, sem vergonha, como crítico da cultura, essa “doencinha” tão conhecida por todos nós, quanto mais produzir discurso ou observação (des)pretensiosa sobre ela.  Te aconselho a deixar de lado tuas defesas e não fazer delas instrumento de manipulação e desvalorização do que outrem sabe fazer num campo que muitos foram condenados à mudez.
Se ainda prevalece o silêncio sobre nossa cultura, o autor a deflora com críticas impiedosas. Ele continua falante, além do escrevente que se tornou. E quem fala e escreve para além do que costumam se permitir os sujeitinhos dementes presos em seus macacos, certamente o texto da criatura exigirá um leitor liberto do moralismo que voltou a impregnar nossa cultura.
Se, por acaso, tu és um desses leitores caga-regras, mais chegado em literatura de auto-ajuda, pegaste o bonde errado. Caga-regras, aqui, só o nosso cronista. Ele tem licença poética pra cair matando o surrado racionalismo baré.
Este não é um livro pra iluministas de ocasião, mas praqueles que gostam de revirar a própria história, por seu risco e conta-própria. Definitivamente, como diria o psicanalista MD Magno, este não é um livro praqueles que vivem a repetir bobagens, tudo porque a cultura nada lhes pediu. É contra essa cultura que o autor se insurge.
Dito isto, deixo-te na companhia de Jorge Laborda. Com ele se aprende que a liberdade só se manifesta no âmbito da política. Nada a ver com a tramóia-partidária-nossa-de-cada-dia... Pra essa, verás que tu podes até cagar e andar.
Mais underground é possível. Mas aí tu vai ter que esperar o segundo volume. Este é só o primeiro, uma espécie de travessia. E, se acaso sentires que tuas fronteiras ficaram mais borradas, e descobrires que muitas das tuas idéias estavam com prazo de validade vencida, então valeram as travessuras de Jorginho.
Ah! E, se doer, relaxe, baby, e deixe-se gozar. Goze muuuuiiito! Sssssrrrrrrlllllp (‘p’ mudo, please).
Rogelio Casado
Picicanalista

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