agosto 28, 2010

Rafael Gil faz análise epistemológica do discurso careta do "lobby do tráfico"

Em resposta ao artigo “Lobby da maconha”


Rafael Gil Medeiros é membro do coletivo antiproibicionista Princípio Ativo, e não teve estômago para ignorar o texto O lobby da maconha, publicado recentemente na Folha de S. Paulo. Confira sua resposta abaixo, e antes o posicionamento do historiador Henrique Carneiro em relação ao mesmo artigo, publicado na seção de cartas do jornal.

Maconha
O texto “Lobby da maconha” (Opinião, 20/8) comprova que o lobby proibicionista não tem fundamento científico, mas sim um significado político totalitário, de querer impor abstinência compulsória por meios repressivos.
Se isso funcionasse, deveriam defender também a proibição de bebidas alcoólicas e do tabaco. Como a temperança sempre foi o melhor recurso contra excessos e abusos, a sociedade brasileira, longe do que os autores pretendem representar, caminha para uma atitude mais tolerante e distanciada da fracassada “guerra às drogas” do governo dos EUA.
HENRIQUE SOARES CARNEIRO, professor do Departamento de História da USP (São Paulo, SP)


Lobby do Tráfico
RAFAEL GIL MEDEIROS

É triste que ditos(as) pesquisadores(as) de renomadas universidades, de tão caretas, não alcancem a complexidade de um assunto que traz sérias repercussões para a saúde de pessoas que usam drogas.

O lobby do tráfico no Brasil é um movimento forte e coeso. Tem uma ideia fixa: a pretensão de extinguir as drogas do planeta. Para se manter, usa elementos como uma pretensa respeitabilidade científica, e a estratégia de confundir o debate.

O primeiro tem sido conseguido comprando páginas publicitárias na mídia, oferecendo brindes a representantes da cultura, da Justiça e até com alguns profissionais da saúde (mesmo antes de ingressarem na universidade). O segundo elemento, a confusão, fica por conta de ativistas, disfarçados de doutores(as), comprometidos com a causa do tráfico, cujo debate tem única dimensão: a repressão como forma mágica de resolver o problema.


Quanto mais confusas as ideias, e aparentemente defendidas por celebridades importantes [como jornalistas bem-pagos ou diretores(as) de telenovelas], mais parece que a repressão seja uma solução ideal; assim, a proibição das drogas soa como consequência. Quem mostra uma argumentação mais complexa que isto, é logo considerado como suspeito de querer destruir a sociedade - ou coisa que o valha.



A Folha publicou, em 20 de Agosto, um artigo de representantes de importantes instituições de ensino e pesquisa atacando seus colegas pesquisadores pessoalmente (“Lobby da maconha”), por publicação anterior sobre o dom de iludir da ideologia repressiva.


É triste constatar que profissionais de universidades renomadas têm a paixão dos lobistas e não alcançam a complexidade intelectual de um assunto com sérias repercussões para a saúde e segurança pública. Para além da unidimensionalidade do debate proposto pelo lobby do tráfico, em que vários assuntos se confundem, retoma-se:


1. A repressão nunca ofereceu qualquer esboço de reação positiva no sentido de acolher os possíveis males causados pelo uso ou abuso de drogas tornadas ilícitas. Qualquer cidadão ou cidadã (bem como qualquer revisão científica) que avalie a efetividade da proibição das drogas ao pretensamente proteger a saúde pública, acabará concordando com os efeitos deletérios da repressão armada. A pesquisa mais recente, “Tráfico e Constituição: um estudo sobre a atuação da Justiça Criminal do Rio de Janeiro e do Distrito Federal no crime de tráfico de drogas”, encomendada pelo Ministério da Justiça ao Núcleo de Política de Drogas e Direitos Humanos da UFRJ (2009), aponta para a ineficácia inegável da proibição neste sentido. Qualquer alteração na política que joga o consumo de drogas à clandestinidade aumentará as possibilidades de acolhimento sobre os possíveis danos. O lobby do tráfico se recusa a aceitar tais evidências acerca dos riscos da proibição.

2. O uso “terapêutico” da maconha, para estes(as) mesmos(as) pesquisadores(as), não tem comprovação científica, especialmente o uso de sua fumaça, afinal, estes(as) partem do conceito de saúde segundo o qual ela trata-se somente de uma mera “ausência de doenças”, desconsiderando qualquer possibilidade de terapêutica para além da doença. A ênfase de sua repulsa quanto ao uso da droga fumada não é por acaso: sabemos que a cegueira do olhar técnico-científico do lobby do tráfico caminha junto ao lobby farmacêutico, que afinal, lucra com a pretensão de ofertar produtos cada vez mais “seguros”. “Terapêutico”, é claro, são somentes as coisas que eles prescrevem – literalmente, a toque de caixa. Não suportam a ideia de ouvir aquilo que as pessoas tem a dizer sobre o seu próprio bem-estar, inclusive o bem-estar sensorial das pessoas que se chapam, e cheiram pó, comem cogumelos, viajam em LSD & etc., sem que estas práticas se tornem necessariamente uma questão central e/ou problemática em suas vidas.


Algum dos componentes da maconha pode ter as ditas “propriedades medicinais”, mas isso está longe de receber aprovações de órgãos como o “Food and Drug Administration” (FDA, agência reguladora de remédios e alimentos nos EUA). O lobby do tráfico e dos fármacos, da qual a FDA é a principal representante, quer convencer à população de que a maconha, não sendo uma droga “segura” (segundo seus próprios parâmetros), deveria ser extinta. Quiçá prefeririam manter no horizonte a possibilidade de sintetizar as “propriedades medicinais” para que possam vendê-las como única solução. A despeito do inegável benefício trazido pelos fármacos, quando prescritos responsavelmente (o que aliás não parece ser preocupação da FDA), esquecem os lobistas que tampouco os fármacos são seguros – afinal, nenhuma droga engendra em efeitos e vivências tão pré-determinadas assim. E esquecem também que, em se tratando de usos recreativos e na busca de um bem-estar sensorial, tampouco estão preocupadas com seus pulmões as milhões de pessoas que fumam maconha no mundo todo, e que, ao que tudo indica, continuarão fumando, como parecem fazer há quatro mil e dez anos.
 

Uma das batalhas emblemáticas do lobby do tráfico e dos fármacos chega ao absurdo de propor que a maconha possa causar danos que vão desde a impotência até a queima de neurônios – um grande exemplo de desinformação, travestida de “consideração com a saúde da população”.


3. Não precisamos que o governo federal, por meio da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), crie uma agência para coordenar pesquisas sobre a dita “maconha terapêutica”, a “Maconhabras”, para que então estes usos sejam reconhecidos em sua realidade (e diversidade). Milhares de usuários de maconha poderiam plantá-la em sua própria casa, sem a tutela do estado ou destes mesmos pretensos especialistas em saúde. A não ser que a própria Saúde, enquanto setor, perceba que a sua caretice sempre fez mal à sociedade – e que, enfim, talvez seja de sua alçada falar sobre drogas sem hipocrisia, fomentando a livre troca entre estes saberes preventivos – combatendo, por tabela, o preconceito e a estigmatização.

Aliás, com milhares de usuários de crack nas ruas sem tratamento, gastar o dinheiro público com informações pautadas em ideologias falidas e em pesquisas com pressupostos medievais é nada mais do que ofender às famílias desassistidas, que batem à porta dos serviços públicos sem encontrar apoio, não raro gastando todas suas economias em clínicas privadas e fazendas terapêuticas como aquelas que são defendidas pelo mesmo lobby do tráfico e dos fármacos. Não por acaso, afinal, tais entidades estão juntas na busca pelo enriquecimento, monetário e político, na oferta de soluções milagrosas, enganosas e produtoras de estigmatização. Já existem diversos órgãos de fomento às pesquisas no país, e nos parece que estes cada vez mais estão se abrindo à necessidade de produção de novos indicadores para tais ações e serviços, não mais preocupados em dar satisfações à fracassada ideologia antidrogas.


4. A lei (ainda) antidrogas vigente, no entendimento dos(as) advogados(as) do tráfico, teria praticamente descriminalizado o uso; o que demonstra o quanto estão desinformados(as) não somente no conhecimento produzido em saúde, mas também nas pesquisas em segurança pública. Por coincidência ou não, eles(as) atestam que, diante da nova lei – que preconizaria um primeiro passo à ideologia do acolhimento, saindo claramente da ideologia da repressão -, o consumo de drogas teria aumentado, segundo “todas as pesquisas”. Eles(as) parecem esquecer que, diante desta mudança de paradigma, aquilo que era clandestino está deixando de ser invisível. O lobby do tráfico defendido por estes(as) “especialistas” iluminados(as) não reconhece que nossas leis ainda estão presas às ideologias mais anacrônicas do mundo, cujo fracasso diante do problema das drogas pode ser constatado por qualquer pessoa,  nos seus quase cem anos de vigência. E eles(as) ainda querem maiores facilitações para a repressão?


O debate sobre mudanças nas leis de drogas é complexo, e o lobby do tráfico e dos fármacos, em nome destes(as) pretensos(as) especialistas, tem o dom de iludir. Lobistas do tráfico e de uma pretensa cientificidade, mesmo aqueles(as) travestidos(as) de “pesquisadores(as)”, sequer parecem entender a complexidade de suas próprias áreas, expondo à vergonha os(as) psiquiatras mais competentes. Mostram a certeza de fiéis de uma seita, portando-se como vilões de filmes de ficção científica, ao pregarem absurdos como a possibilidade de plantas serem extintas da face da terra.
A sociedade brasileira os(as) rejeita, pois percebem que estes(as) doutores(as) estão cada vez mais distantes das diretrizes de uma boa política sobre drogas e da defesa dos interesses do povo brasileiro.


RAFAEL GIL MEDEIROS é graduado em Ciências Sociais e pesquisador-bolsista do núcleo de Pós-Graduação em Análises Epistemológicas Nos Discursos Cientificistas de Pessoas Caretas da Liga dos Exús Comedianistas, lotada na Universidade Flutuante da Esbórnia (UFE)

Fonte: DAR - Desentorpecendo a razão


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Lobby da maconha
RONALDO RAMOS LARANJEIRA e ANA CECILIA PETTA ROSELLI MARQUES

É triste que profissionais de renomadas universidades não alcancem a complexidade de um assunto que traz sérias repercussões para a saúde


O lobby da maconha no Brasil é um movimento forte e coeso. Tem uma ideia fixa: a legalização das drogas. Para se manter, usa elementos como uma pretensa respeitabilidade e a estratégia de confundir o debate.


O primeiro tem sido conseguido com a mídia, representantes da cultura, da Justiça e até com alguns profissionais da saúde. O segundo, a confusão, fica por conta de ativistas comprometidos com a causa da legalização, cujo debate tem única dimensão: a legalização como forma mágica de resolver o problema.

Quanto mais confusas as ideias, e aparentemente defendidas por celebridades, mais parece que a maconha seja droga leve; assim, a legalização soa como consequência. Quem mostra uma argumentação mais complexa é suspeito.

A Folha publicou, em 30 de julho, artigo de representantes de importantes instituições de ensino e pesquisa nos atacando pessoalmente ("Ciência e fraude no debate da maconha", "Tendências/Debates"), por publicação anterior sobre o dom de iludir da maconha.

É triste constatar que profissionais de universidades renomadas têm a paixão dos lobistas e não alcançam a complexidade intelectual de um assunto com sérias repercussões para a saúde. Para além da unidimensionalidade do debate proposto pelo lobby, em que vários assuntos se confundem, retoma-se: 

1. Maconha faz mal à saúde.
Qualquer revisão científica concorda com os efeitos deletérios do uso crônico da maconha. O livro mais recente, "Cannabis Policy" (2010), começa reconhecendo tais efeitos para depois discutir mudanças na política. Qualquer alteração na política que aumente o consumo de drogas aumenta o dano. O lobby da maconha se recusa a aceitar tais evidências sobre os riscos.

2. O uso terapêutico da maconha não tem comprovação científica, especialmente o uso de sua fumaça. Se recomendado, com mais de 400 componentes tóxicos, negaria a busca da ciência por produtos cada vez mais seguros.

Algum dos componentes da maconha pode ter propriedades medicinais, mas isso está longe de receber aprovações de órgãos como o "Food and Drug Administration" (FDA, agência reguladora de remédios e alimentos nos EUA). O lobby da maconha quer convencer a população de que a maconha é uma droga segura. Uma das batalhas emblemáticas desse lobby, que chega ao absurdo de propor que a maconha possa ser usada como tratamento para usuários de crack, exemplo de indigência intelectual, uma desconsideração com a saúde da população.

3. Não precisamos que o governo federal, por meio da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), crie uma agência para coordenar pesquisas sobre a maconha terapêutica, a "Maconhabras".

Com milhares de usuários de crack nas ruas sem tratamento, gastar o dinheiro público dessa forma é ofender famílias desassistidas, que batem à porta dos serviços públicos sem encontrar apoio. Já existem diversos órgãos de fomento às pesquisas no país.

4. A lei antidrogas vigente praticamente descriminalizou o uso. Por coincidência ou não, o consumo de drogas aumentou, segundo todas as pesquisas. O lobby da maconha não reconhece que temos uma das leis mais liberais do mundo, ainda sem avaliação, e querem maiores facilitações para o consumo?

O debate sobre a maconha é complexo, uma droga que tem o dom de iludir. Lobistas da maconha, mesmo aqueles travestidos de neurocientistas, não entendem essa complexidade. Mostram a certeza dos fiéis de uma seita, voltados à legalização da erva.
A sociedade brasileira os rejeita, pois sabe que estão distantes das diretrizes de uma boa política sobre drogas e da defesa dos interesses do povo brasileiro.

RONALDO RAMOS LARANJEIRA é professor titular de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Instituto Nacional de Políticas sobre Álcool e Drogas (Inpad/CNPQ).
ANA CECILIA PETTA ROSELLI MARQUES, doutora pela Unifesp, é pesquisadora do Inpad/CNPQ.

Fonte: Folha de S. Paulo

Um comentário:

Unknown disse...

"(...)apaga a fumaça do revólver da pistola, manda a fumaça do cachimbo prá cachola. Acende, puxa, prende, passa, índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça (...)"

"(...) Esta tribo é atrasada demais, eles querem acabar com a violência, mas a paz é contra a lei e a lei é contra a paz (...)"