janeiro 27, 2011

"Pela soltura imediata de Battisti", por Bruno Cava

PICICA: "(...)recomendo a assistência dos 15 minutos da memorável sustentação oral do professor Luís Roberto Barroso, advogado de Battisti, no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Sensacional não só para juristas e estudantes de direito, mas para qualquer um que defende direitos fundamentais (political advocacy, como se diz nos EUA)." Leia, também, uma entrevista com Cesare Battisti: “Me derrotar também é derrotar o Lula”.

Pela soltura imediata de Battisti.


No começo do mês, foi publicado um artigo de minha autoria (aqui e aqui), tentando expor, de um ponto de vista desprendido e sem cair nos lugares comuns da grande imprensa, o que está  verdadeiramente em jogo no caso Cesare Battisti. A cada dia que perquiro por informações e análises a respeito, mais me convenço que se trata da mais rasa vingança da Itália, atualmente governada por Silvio Berlusconi e sua República de Saló.

Em especial, recomendo a assistência dos 15 minutos da memorável sustentação oral do professor Luís Roberto Barroso, advogado de Battisti, no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Sensacional não só para juristas e estudantes de direito, mas para qualquer um que defende direitos fundamentais (political advocacy, como se diz nos EUA):


Veja o vídeo acima

Entre cortinas de fumaça de grandes jornais e da TV brasileira, o preso político italiano está encarcerado na polícia federal, na cadeia da Papuda em Brasília, desde 2007. Seu processo no STF, qual de Joseph K., jamais chega à conclusão: um labirinto retórico, um edifício mal escorado de incoerências jurídicas, uma "abominação lógica". Mais do que simples julgamento criminal (que por sinal não aconteceu num estado de direito), nesse caso convergem questões relativas à Itália contemporânea, à relação recalcada entre a mídia e a ditadura brasileiras, à disputa pelas interpretações históricas dos anos 1970.


Nesse contexto, e levando em conta que o STF reapreciará a matéria em fevereiro, foi oportuna a publicação hoje do Manifesto pelo fim imediato da prisão insustentável e inconstitucional de Cesare Battisti. Participei de sua elaboração e descreve, de modo sintético, o estado atual do caso. Reproduzo abaixo o texto integral, e convido o leitor solidário a assiná-lo.

"Os cidadãos abaixo assinados expressam total inconformidade com a decisão do ministro Cézar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, de manter preso o cidadão italiano Cesare Battisti e instam pela sua soltura imediata e inadiável, por ser de justiça. A situação atual constitui profundo desprezo a) à decisão do presidente da república pela não-extradição, b) ao estado democrático de direito e, sobretudo, c) à dignidade da pessoa humana. Imprescindível, portanto, virmos a público manifestar:

1. No dia 31 de dezembro de 2010, o presidente da república decidiu negar o pedido de extradição de Cesare Battisti, formulado pela Itália. A legalidade e legitimidade dessa decisão são inatacáveis. O presidente exerceu as suas competências constitucionais como chefe de estado. A fundamentação contemplou disposições do tratado assinado por Brasil e Itália, em especial o seu Art. 3º, alínea f, que obsta a extradição para quem possa ter a situação agravada se devolvido ao país suplicante, por “motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal”.

2. O presidente da república assumiu como razões de decidir o detalhado e consistente parecer da Advocacia-Geral da União, de n.º AGU/AG-17/2010. A decisão do presidente também condiz com os sólidos argumentos de cartas públicas e manifestos firmemente contrários à extradição, assinados por juristas do quilate de Dalmo de Abreu Dallari, Bandeira de Mello, Nilo Batista, José Afonso da Silva, Paulo Bonavides e Juarez Tavares, entre outros. A decisão também confirmou o refúgio concedido a Cesare Battisti pelo governo brasileiro, em janeiro de 2009, pelo então ministro da justiça Tarso Genro, que da mesma forma admitira o status de perseguido político dele.

3. Vale lembrar que o STF, em acórdão de dezembro de 2009, confirmado em abril de 2010, reafirmou (por cinco votos contra quatro) que a palavra final no processo de extradição cabe exclusivamente ao presidente da república – o que já constituía praxe na tradição constitucional brasileira e no direito comparado. Na ocasião, o ministro Marco Aurélio de Mello (um dos votos vencidos) fez uma observação cristalina: o extraditando está preso enquanto se decide sobre sua extradição.

4. Em conseqüência, Cesare Battisti permaneceu preso aguardando o posicionamento do presidente da república. Nesse ínterim, o governo italiano encabeçado pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi utilizou de intimidações jactantes e declarações despeitadas para pressionar as autoridades brasileiras e fazer de Battisti uma espécie de espetáculo circense, para salvar o seu governo da crise interna que notoriamente atravessa.

5. Causou perplexidade e repúdio, portanto, quando, tendo conhecimento da decisão do presidente da república, o ministro Cézar Peluso, presidente do STF, negou a soltura de Cesare Battisti. O Art. 93, inciso XII, da Constituição determina que “a atividade jurisdicional será ininterrupta” e o faz, precisamente, para contemplar casos de emergência, em que direitos fundamentais estejam ameaçados. Ora, o magistrado investido da jurisdição dispunha, em 6 de janeiro, de todos os elementos factuais e jurídicos para decidir sobre o caso. Porém, resolveu não agir, diferindo a decisão para (pelo menos) fevereiro, determinando nova apreciação pelo plenário da corte. Tal adiamento serviu a novas manobras dos interessados na caça destemperada a Battisti, num assunto que, de direito, já foi decidido pela última instância: o presidente da república.

6. A decisão em sede monocrática do ministro Cézar Peluso afronta acintosamente o conteúdo do ato competente do presidente da república. Se, como pretende o presidente do STF, o plenário reapreciará a matéria, isto significa que o presidente da república não deu a palavra final. Ou seja, o ministro Cézar Peluso descumpriu não somente a decisão definitiva do Poder Executivo, como também os acórdãos de seu tribunal, esvaziando-os de eficácia. Em outras palavras, um único juiz, voto vencido nos acórdões em pauta, desafiou tanto o Poder Executivo quanto o Poder Judiciário. O presidente do STF não pode transformar a sua posição pessoal em posição do tribunal. Não lhe pode usurpar a autoridade, já exercida quando o plenário ratificara a competência presidencial sobre a extradição.

7. A continuidade da prisão de Cesare Battisti tornou-se uma abominação jurídica. Negada a extradição, a privação da liberdade do cidadão ficou absolutamente sem fundamento. A liberdade é regra e não exceção. A autoridade judicial deve decretar a soltura, de ofício e imediatamente, como prescreve o Art. 5º, inciso LXI, da Constituição. Cesare está recluso no presídio da Papuda, em Brasília, desde 2007. Mantê-lo encarcerado sem fundamento, depois de todo o rosário processual a que foi submetido nos últimos três anos, com sua carga de pressão psicológica, consiste em extremo desprezo de seus direitos fundamentais. Significa ser cúmplice com uma prisão arbitrária e injustificada, absolutamente vergonhosa para o país, em indefensável violação ao Art. IX da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, dentre inúmeros tratados e documentos internacionais de que o Brasil é signatário.

Manifestamos a total inconformidade diante da manutenção da prisão de Cesare Battisti, mal escorada numa sucessão incoerente de argumentos e decisões judiciais, que culminou no ato ilegal e inconstitucional do ministro Cézar Peluso, ao retornar o caso mais uma vez ao plenário do STF.

Por todo o exposto, reclamamos pela liberdade imediata de Cesare Battisti, fazendo valer a decisão competente do presidente da república em 31 de dezembro de 2010."

Para acessar o campo de assinaturas, clique aqui.


Fonte: Quadrado dos Loucos 

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