janeiro 20, 2011

Wu Ming critica o banimento dos livros de apoiadores de Cesare Battisti em bibliotecas da Itália

PICICA: "Editores estão produzindo declarações e lançando comunicados oficiais, a mídia nacional está começando a cobrir o assunto, a Associação Nacional de Bibliotecários (AIB) condenou enfaticamente a proposta e convidou os leitores a relatar qualquer tentativa de censurar e banir livros. Contudo, isso ainda não é suficiente." Aproveite e ouças as canções que embalaram os movimentos de esquerda na Itália, em especial o movimento de 1977; acesse Canções do Movimento del '77 (Itália), postado no Quadrado dos Loucos, de Bruno Cava.

Cesare Battisti

Sobre o banimento dos livros de apoiadores de Cesare Battisti em bibliotecas da Itália

Lacaios de Berlusconi querem banir nossos livros. Começaram por Veneza. Vamos reagir! por Wu Ming

Pedimos aos leitores para reagirem. E eles já o fazem! Todas as sugestões que demos ao final deste artigo estão sendo postas em prática entusiasticamente, melhoradas e compartilhadas por uma multidão de pessoas que estão horrorizadas pelo que está acontecendo na região de Veneza. Editores estão produzindo declarações e lançando comunicados oficiais, a mídia nacional está começando a cobrir o assunto, a Associação Nacional de Bibliotecários (AIB) condenou enfaticamente a proposta e convidou os leitores a relatar qualquer tentativa de censurar e banir livros. Contudo, isso ainda não é suficiente. Precisamos que as pessoas de fora do país saibam o que está acontecendo, há o fedor da prática nazista de queima de livros na Itália, e o caso do fugitivo “ex-terrorista” Cesare Battisti (agora no Brasil) não é mais que uma desculpa para a repressão. O período de declínio de um regime pode ser muito longo, e é seu período mais perigoso, à medida que os lacaios ficam cada vez mais desesperados e recorrem a todos os tipos de atos absurdos de modo a manter suas garras sobre a sociedade. Obrigado a Gregório Magini da Scrittura Industriale Collettiva por traduzir nosso texto [ao inglês], realmente não teríamos tido o tempo pra isso! Nas próximas horas conseguiremos traduções em Francês, Espanhol e Catalão. Precisamos muitíssimo de uma versão em Português. Leitores da língua francesa podem já ler o artigo de Serge Quadruppani na Rue 89 .

As melhores palavras, dadas as circunstâncias, foram encontradas por nosso colega Serge Quadruppani. Aqui estão, traduzidas do francês:

“A loucura fascistóide tem o poder de nos deixar mudos de estarrecimento: a vulgaridade estúpida de algumas declarações pode nos deixar sem palavras. Trata-se de algo tão estúpido que somos tentados a simplesmente deixar pra lá e cuidar de outras coisas. Mas essa vulgaridade e essa loucura possuem efeitos muito práticos. Se permitirmos a difusão do simples pensamento de que listas negras oficiais podem ser escritas (sem falar da prática efetiva) para banir pessoas que não se rendem a uma ditadura de tristeza, para banir qualquer um que recuse aceitar a visão dominante sobre este ou aquele evento do passado, então capitularemos a uma concepção de sociedade mais próxima á Tunísia de Ben Ali do que a sonhada na Europa pelo Iluminismo e pela Resistência. Felizmente, a história recente mostra que, ao fim, a vitória não está sempre assegurada aos grandes e pequenos Ben Alis.”

Advertência preliminar: o caso Battisti é um mero pretexto. Se não fosse esse, eles encontrariam um outro. Por essa razão, neste artigo não falaremos especificamente sobre esse caso. Aqueles que somente conhecem a versão oficial repetida à exaustão pela mídia e por políticos, podem encontrar informação alternativa em http://www.cesarelivre.org/ . Aqueles que querem discutir sobre o caso terão que fazê-lo em outro lugar (a web está cheia de blogs e fóruns). Nossa posição é suficientemente conhecida, na medida em que temos escrito sobre o assunto, cuidadosamente escolhendo cada palavra, tentando manter uma boa ponderação [1]. Mas agora a questão é totalmente diferente, como compreendido pelo colega Carlo Lucarelli, que nos enviou essa mensagem:

“Sobre o “caso Battisti” – tanto o homem quanto o assunto – temos posições diferentes, mas o que estão tentando fazer com essa lista de proscritos é realmente uma postura imunda, um ato de censura da dissidência. Eu não assinei a petição em favor de Battisti mas estou disposto a apoiar qualquer iniciativa razoável contra essa ordinária operação digna de uma ditadura estúpida.”

E agora os fatos:

O Assessor de Cultura da província de Veneza, uma figura chamada Speranzon – um ex-militante do MSI [O antigo partido neofascista, ativo de 1946 a 1994] e agora membro do partido de Berlusconi – aprovou uma proposta de um partido coligado e ordenará que as bibliotecas venezianas:

1) Removam das estantes todos os livros escritos pelos autores que tenham assinado uma petição de 2004 pedindo a libertação de Cesare Battisti,

2) Não organizem eventos com a presença desses escritores (eles devem ser declarados “pessoas indesejáveis”, como ele diz).

Qualquer bibliotecário que não aceitar esse diktat “será responsabilizado” por sua atitude. Trata-se de uma sugestão sobre congelamento de fundos, retirada de patrocínio, causar tumultos e de campanhas midiáticas os hostilizando?

A proposta foi elogiada pela COISP, uma associação de policiais. Os pobres bibliotecários pensarão duas vezes, antes de se oporem a autoridades locais e à polícia.

Um grupos de “honestos cidadãos democratas” já está tentando estender a coisa para toda Veneto, e a iniciativa parece suscetível de ser imitada para além das fronteiras regionais.

As declarações que seguem de Speranzon podem ser lidas no jornal “Il Gazzettino” [2]:

“Escreverei aos Assessores de Cultura dos municípios da região do Veneto, considerando que essas pessoas são declaradas indesejáveis e, uma vez que as bibliotecas locais estão integradas num sistema provincial, pedirei a elas para retirarem os livros das estantes [...] Pedirei para não promoverem apresentações de livros com esses autores: cada município pode agir livremente, mas será responsabilizado. Além disso, como conselheiro de Veneza, encaminharei uma moção de modo que Veneza sirva como primeiro exemplo [...] Escreveremos para os ssessores da região Marino Zorzato e Elena Donazzan, pedindo a eles para estenderem a iniciativa a toda Veneto.”

Ora, o mero fato que alguém possa conceber uma coisa dessas mostra que o naufrágio da Itália está atingindo novas e nauseantes profundezas. Estamos agora perfurando o fundo da Fossa das Marianas, cercados por peixes cegos e deformados, em busca da escuridão mais escura que se pode encontrar no universo.

O que faremos? Habitar o fundo do poço com esses sombrios e perniciosos moradores das águas profundas, ou voltar à tona?

O sol está lá para quem quer vê-lo de novo.

Muitos de nós estão na lista dos proscritos: nós, Valerio Evangelisti, Massimo Carlotto, Tiziano Scarpa, Nanni Balestrini, Daniel Pennac, Giuseppe Genna, Giorgio Agamben, Girolamo De Michele, Vauro, Lello Voce, Pino Cacucci, Christian Raimo, Sandrone Dazieri, Loredana Lipperini, Marco Philopat, Gianfranco Manfredi, Laura Grimaldi, Antonio Moresco, Carla Benedetti, Stefano Tassinari e muitos outros.

Eles terão quase que deixar as estantes vazias.

E talvez seja esse o sonho deles.

Quadruppani está certo: não podemos reagir com um ‘deixa pra lá’, dizer que “é apenas insultuoso”, ou sugerir indiferença como meio de “evitar publicidade para certas pessoas”. Às vezes isso é a coisa certa a se fazer, mas nem sempre.

Claro, isso é também insultuoso, mas é principalmente algo mais.:

1) É uma ameaça contra uma categoria inteira de trabalhadores (os bibliotecários). Eles têm que aceitar um ultimato autoritário e inconstitucional, ou então pagar caro.

2) É um ato que visa isolar e censurar escritores e artistas como “cúmplices morais” do terrorismo. Um ato de um administrador, de uma pessoa com autoridade, que apela aos sentimentos mais rudes das “pessoas comuns” ao balançar um espantalho que desvia suas atenções de outros problemas. Um ato que pretende intimidar e “manter na linha” aqueles que produzem discurso público.
Como nosso colega Tiziano Scarpa colocou: “Isso coloca em risco a cidadania de um escritor, a qual reside na sua língua e no seu trabalho” [3].

Devemos reagir todos contra esse absurdo, não apenas como escritores que estão diretamente envolvidos ou como bibliotecários que são diretamente ameaçados.

- Cidadãos, leitores, freqüentadores de bibliotecas devem se fazer ouvir.

- A Associação Nacional de Bibliotecários deve dizer algo.

- Sindicatos de funcionários públicos devem dizer algo.

- Editores devem tomar uma medida e entrar com uma ação legal contra a iniciativa que os prejudica economicamente e moralmente.

- Cartas de protesto aos jornais devem ser enviadas, panfletos e manifestos devem ser afixados aos murais das bibliotecas e salas de leitura.

- Artigos devem ser compartilhados e linkados, como este (postaremos atualizações constantes ao fim [da versão italiana, N.doT.]) ou qualquer outro texto ou vídeo que informe sobre essa figura, suas intenções liberticidas e sobre possíveis iniciativas de seus imitadores e camaradas.

Alguns dos autores da lista negra, e alguns que não estão na lista, estão discutindo, coordenando, avaliando as melhores ações possíveis, incluindo ações judiciais. Mas se eles se mexerem sozinhos, a censura irá ganhar. A ameaça é contra todos: escritores, leitores e qualquer um que ame a multiplicidade de pontos de vista sobre qualquer tema. Se subestimarmos a iniciativa por ser estúpida, o precedente será posto. Essa iniciativa é tão perigosa justamente por ser estúpida. Como o blogueiro Mazzeta apontou muito bem, eles querem afirmar um princípio na base do qual seria perfeitamente normal

“aplicar um filtro moral selecionando livros, com base no comportamento de seus autores e de suas adesões ideológicas e políticas de acordo com a vontade da maioria governante.
Como se se amanhã Berlusconi caísse em desgraça e alguém propusesse banir de todas as bibliotecas os livros escritos por todos que o apoiaram ou o defenderam, como se os trabalhos literários pudessem e devessem ser selecionados dependendo da credencial ideológica ou política do autor” [4]

Notas
1. Wu Ming 1, «Cesare Battisti. Quello che i media non dicono», Março de 2004 http://www.wumingfoundation.com/italiano/outtakes/cesare_battisti_2.htm
2.«La Provincia di Venezia “mette al rogo” i libri di chi firmò la petizione per Battisti», Il Gazzettino, 16 de janeiro de 2011.
http://ilgazzettino.it/articolo.php?id=134755&sez=NORDEST
3. «Una prassi da dittatura», entrevista com Tiziano Scarpa, Corriere del Veneto, J16 de janeiro de 2011.
http://ilgazzettino.it/articolo.php?id=134755&sez=NORDEST
4. Il commento di Mazzetta sulla sordida iniziativa
http://mazzetta.splinder.com/post/23883211/via-i-libri-degli-amici-di-battisti-dalle-biblioteche

Fonte: Cesare Livre

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