abril 23, 2011

Violação dos Direitos Humanos em hospitais psiquiátricos de Sorocaba: mais de 200 mortos

PICICA:  "A metodologia utilizada pelo FLAMAS, que culminou no estudo, levou em consideração dados referentes ao Censo Psicossocial dos Moradores em Hospitais Psiquiátricos do Estado de São Paulo. Também foram consultadas informações do Datasus, o banco de dados do Sistema Único de Saúde, do CNES, o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, além do SIM, o Sistema de Informações sobre Mortalidade." Em tempo: Enquanto em Sorocaba-SP, os militantes antimanicomiais usaram o Censo Psicossocial dos Moradores em Hospitais Psiquiátricos do Estado de São Paulo como um dos instrumentos para analisar as altas taxas de mortalidade em seus hospitais, o Amazonas desperdiçou a oportunidade de realizar o censo da sua população psiquiátrica, de modo a mapear os territórios da cidade de onde vinham os usuários do único hospício público de Manaus, e assim proceder à identificação dos lugares de maior demanda que justificassem a implantação dos centros de atenção psicossocial, modelo que substitui o manicômio e seus ambulatórios de consulta. Esse estudo serviria para a desativação do hospício público e sua substituição por um hospital de clínicas, que iria oferecer leitos psiquiátricos e manter o pronto-atendimento psiquiátrico, conforme anúncio da autoridade sanitária, por ocasião da campanha eleitoral de  2006. Os recursos financeiros foram obtidos junto ao Ministério da Saúde pela coordenação estadual de saúde mental, gestão 2003-2007. Os reformistas de araque não tocam no assunto. Estão feito baratas-tontas. Se ao menos tivessem como referência  a Lei de Saúde Mental do Estado, que norteia as ações de saúde mental de acordo com os princípios éticos da reforma psiquiátrica, salvariam uma parte da lavoura.  Mas, nem essa lei foram capazes de apoiar. Por essa e por outras, a reforma psiquiátrica anda a passos de  cágado no Amazonas.

Caros Amigos: Recorde de Mortes em Hospitais Psiquiátricos de Sorocaba



Reportagem Completa

O Forum de Luta Antimanicomial considera o número insuficiente de funcionários como uma das principais causas dos óbitos; psiquiatra, filho de dono de hospital, admite que instituições não cumprem legislação federal.

Denúncia do Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas) revela número alarmante de mortes entre pacientes internados em hospitais psiquiátricos do município, no interior de São Paulo. O estudo produzido pela organização aponta 233 mortes nos quatro hospitais psiquiátricos da cidade durante o quadriênio de 2006 a 2009.

O Hospital Vera Cruz lidera a lista macabra. Sozinho, o estabelecimento registrou 102 mortes nesse período. O pico foi verificado em 2008, quando foram registrados 40 óbitos entre seus pacientes. Na sequência, aparecem os hospitais Mental, com 46 mortes, seguido de perto pelo Teixeira Lima, com 45, e o Jardim das Acácias, com 40.

A explicação para o número elevado de mortes entre os pacientes internados é o de que essas instituições operam com número reduzido de funcionários no atendimento aos doentes. “O número de funcionários está abaixo do que a legislação determina”, revela o psicólogo Marcos Garcia, do Flamas.

O psiquiatra Carlos Eduardo Zacharias, filho de um dos donos do Vera Cruz, reconhece que o hospital opera com número de funcionários inferior ao previsto na legislação federal, mas nega que esse seja o elemento causal dos óbitos. “Nenhum hospital do país consegue respeitar o que a legislação pede”, admite.
Ele exime os estabelecimentos psiquiátricos privados da culpa pelo número de funcionários reduzido e joga a responsabilidade no colo do Executivo. “O governo não paga o suficiente para colocar mão de obra lá dentro. Só para botar o pessoal que a portaria determina, dá 1,16 vezes o que o hospital recebe do SUS”, critica.

O Flamas questiona essa versão. “No Brasil, os donos de hospitais psiquiátricos ganham muito dinheiro. Dominam a Associação Brasileira de Psiquiatria e constantemente soltam relatórios criticando a política de saúde mental do governo. Choram miséria”, frisa o psicólogo.

O exemplo apresentado por Carlos Eduardo para justificar a falta de funcionários nos hospitais psiquiátricos é esdrúxulo. “Quantos hotéis se consegue achar em São Paulo por R$ 35 ao dia?”, questiona. Segundo ele, o governo federal repassa entre R$ 35 e R$ 45 por paciente/dia. “O hospital tem de ter cama, lavanderia, fora a hotelaria, tem a manutenção e o pessoal (funcionários da folha de pagamento)”, afirma para criticar o baixo valor que estaria sendo repassado aos donos de hospitais.

O psiquiatra ressalta que corre na Justiça, em Brasília, uma ação impetrada pela Federação Brasileira de Hospitais contra o Ministério da Saúde. Nela os proprietários de hospitais psiquiátricos alegam que há desequilíbrio econômico-financeiro entre o valor pago pelo Executivo e o que os proprietários gastam no tratamento dos pacientes.

Ele informa que o Hospital Vera Cruz possui 12 psiquiatras. “Dá para atender a 480 pacientes (o total de leitos na instituição é de 490). Em termos de médicos, tem o suficiente para atender o que diz a portaria. Mas em termos de enfermagem você tem de conversar com o setor técnico. Teria de falar com o meu pai (Florivaldo Zacharias)”, afirma desconversando.

De acordo com ele, para cada 40 leitos o hospital precisa de um psiquiatra. O número de leitos que são administrados pelos funcionários aumenta para as outras funções ligadas à saúde. São necessários quatro auxiliares de enfemagem. um terapeuta ocupacional e uma psicóloga para cuidar de 60 leitos.

MORTES

Carlos Eduardo afirma desconhecer o número de Óbitos que teriam ocorrido no hospital Vera Cruz. “Eu não sei, não tenho esse número. Você não está falando com a pessoa certa. A Secretaria Municipal de Saúde passou lá, avaliou o livro de óbitos e não encontrou isso que estão falando”. afirma ao se referir à denúncia do Flamas.

Os dados apresentados no estudo realizado pelo Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba revelam que os Óbitos verificados na cidade são superiores ao de padrões internacionais, apesar de a metodologia empregada ser distinta à adotada em países estrangeiros.

Marcos cita, como exemplo, um hospital da Alemanha onde o número de mortes é de 0,5% por ano. O relatório do Flamas é taxativo: ‘Há na cidade de Sorocaba um número muito maior de mortes do que seria o esperado. O número de mortes surpreende.”

O psicólogo do Flamas conta que levou em consideração para efeito de análise, a comparação entre os três maiores manicómios do Estado de São Paulo: Araras. Itapira e Sorocaba, localizados em cidades do interior paulista. Ele constatou que “no hospital Vera Cruz morrem muito mais pacientes” do que em outras instituições.

“Quem é esse Flamas? Qual é o seu CNPJ? Entrei no sítio (da intemet) e não encontrei o nome do responsável. É um fantasma. Não existe juridicamente. Como pode sair por ai, dizendo isso ou aquilo. encoberto pelo manto da invisibilidade”, critica Carlos Eduardo.

A metodologia utilizada pelo FLAMAS, que culminou no estudo, levou em consideração dados referentes ao Censo Psicossocial dos Moradores em Hospitais Psiquiátricos do Estado de São Paulo. Também foram consultadas informações do Datasus, o banco de dados do Sistema Único de Saúde, do CNES, o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, além do SIM, o Sistema de Informações sobre Mortalidade.
As informações financeiras foram obtidas por meio de consulta aos diários oficiais de Sorocaba, no caso dos hospitais psiquiátricos do município. Para as demais regiões a consulta abrangeu também o Diário Oficial do Estado. Os dados populacionais foram obtidos no Censo de 2010.

EXCLUSÃO SOCIAL

Sorocaba é a cidade brasileira com a maior concentração de leitos hospitalares psiquiátricos do país. Para um universo populacional de 586.311 moradores, em 20l0, o município do interior paulista dispunha de 1.369 vagas. O Hospital Vera Cruz responde por 490 leitos.

Esse número salta ainda mais se for ampliado para municípios da macro-região sorocahana e atinge a casa de 2.792 leitos, o que dá uma relação de 2.3 leitos por mil pessoas. O número é cinco vezes superior ao preconizado pela legislação do Ministério da Saúde. que determina um número máximo de 0,45 leitos por mil habitantes.

Carlos Eduardo contesta a informação e diz que os hospitais psiquiátricos do município atendem de 60% a 70% de pacientes de outras cidades. O que, segundo ele, diminuiria a relação de paciente/leito.
A concentração de hospitais psiquiátricos no município de Sorocaba surgiu nos anos 70, durante a ditadura militar, quando a regra era o internamento e confinamento de pacientes com problemas mentais.

Marcos conta que a lógica seguida pelos proprietários desses hospitais foi a da obtenção de retomo financeiro. “Os donos [de hospitais] começaram a ganhar dinheiro e expandiram o negócio”, explica.

Esses hospitais não pertencem a um único dono, são comandados por cotistas. Uma fonte que não quis se identificar revelou à reportagem da Caros Amigos que o secretário da Saúde de Sorocaba, Milton Palma, é cotista em três hospitais próximos ao município, em que está à frente da pasta.

Mas o conflito de interesses entre público e privado nâo se restringe apenas a esse caso. O próprio Carlos Eduardo Zacharias, filho de Florivaldo Zacharias, um dos donos do Hospital Vera Cruz, é o responsável pelo plantão psiquiátrico do Hospital Geral (público) da cidade. Cabe a ele direcionar os pacientes que serão internados no hospital de seu pai e dos demais proprietários da rede privada.

Segundo uma fonte que não quis se identificar, Carlos Eduardo alimentaria a demanda desses hospitais por pacientes. A pessoa afirma que considera complicado coordenar uma central de vagas e ao mesmo. tempo ser filho do dono de um desses hospitais privados. “Como e um ardoroso defensor de manicômios, vai achar que boa parte das pessoas que buscam atendimento psiquiátrico no hospital público tem de ser intemadas. Se o hospital privado tiver vaga, vai estar sempre cheio”, enfatiza a fonte.

“Estou com 12 pacientes aguardando vaga e não tenho para onde mandar”, destaca Carlos Eduardo, durante entrevista à reportagem da Caros Amigos, ao se referir ao número elevado de pacientes para o total de leitos oferecidos.

LUTA ANTIMANICOMIAL

O modelo manicomial e contestado pelo psicólogo Marcos, que também e professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). O Flamas combate o formato de confinamento a que os pacientes são submetidos nessas instituições psiquiátricas. Para ele. trata-se de uma fórmula excludente. “Sorocaba tem uma política de saúde mental ultrapassada. Não passou pela reforma psiquiátrica (que defende o não intemamento em hospitais psiquiátricos).”

Os Conselhos Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP) e Federal de Psicologia (CFP) também tecem fortes criticas a esse modelo de internmento, que confina os pacientes em instituições fechadas. Para a conselheira do CFP, Maria Emiinia Ciliberti, é preciso reduzir o número de leitos para a internação involuntária. A psicóloga defende um modelo inclusivo, onde o paciente seja tratado de maneira integral. “Isolamento não é’ tratamento”, enfatiza.
O representante do Flamas considera que a cultura de exclusão presente na sociedade sorocabana está no cerne para a perpetuação do município no topo do ranking nacional de leitos psiquiátricos por paciente. “Sorocaba é bastante conservadora do ponto de vista político e moral.” Ele explica que a diferença do município em relação a outras cidades “é que nos outros locais esses hospitais foram fechados, e aqui ainda não”. lamenta.

DIRElTOS HUMANOS

O estudo desenvolvido pelo Fórum de Luta Antimanicomial de Sorocaba constata que a principal causa mortis de pacientes internados em hospitais psiquiátricos é o infarto. “A gente considera que essas mortes acontecem por outro motivo, mas (no atestado de Óbito) são registradas como infarto”, suspeita Marcos.
De acordo com ele, não estaria ocorrendo uma investigação adequada sobre o fator determinante que estaria levando essas pessoas ao Óbito. A suspeita é que. por algum motivo, não estariam sendo realizados os exames necroscópicos para a elucidação da morte.

“Se a pessoa falece de morte desconhecida deveria ser feita a autópsia, mas isso não acontece nos manicômios daqui. Nem no momento da morte (esses pacientes) são tratados com dignidade.” Ainda de acordo com ele, o fato de vários pacientes não terem família faz com que não se realize esse procedimento de uma forma adequada. “Não estou acusando, mas essa é a impressão que dá”, frisa.

Já o psiquiatra Carlos Eduardo considera pertinentc o infarto aparecer como a causa dc maior incidência no número de mortes entre os pacientes psiquiátricos. “Tem usuários de drogas, pcssoas desnutridas. desidratadas. Há um grande risco de terem infarto do miocárdio.”

Dados do relatório produzido pelo Flamas também relevam que há mortalidade precoce nos manicômios. “Mais de um quarto dos pacientes tem entre 17 e 39 anos. A média de idade é de 49 anos.” Ainda segundo o relatório, pacientes psiquiátricos tem expectativa de vida de oito a 10 anos menor do que a população em geral.

“Levando-se em conta que a expectativa de vida no Brasil é de 69,4 anos para homens e de 77 anos para mulheres, seria esperada uma expectativa de vida de 60 anos para pacientes psiquiátricos homens e de 68 para as mulheres, significativamente acima dos dados obtidos nos manicômios de Sorocaba”. Nesses manicômios a média é de 48 anos para os internos do sexo masculino e de 51 para as mulheres. Para o representante do Flamas, mais da metade dessas mortes que acontecem nesses hospitais poderiam scr evitadas.

O relatorio aborda também a violação aos direitos humanos que estariam ocorrendo dentro dos hospitais psiquiátricos. O texto destaca o fechamcnto do hospital Pilar do Sul, após vistoria da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa de São Paulo. Dentre as inúmeras irregularidades que seriam cometidas nesse manicômio, destacam-se “o uso da camisa de força. a existência de uma estaca onde os pacientes eram espancados. a falta de médicos, terapeutas ocupacionais e enfermeiros”, além das péssimas condições de higiene.

Foi a partir desse caso que os membros do Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba resolveram realizar o levantamento dos indicadores sobre os hospitais psiquiátricos da região.

Lúcia Rodrigues é jornalista.

Fonte: Flamas

Um comentário:

Cristiane Montero disse...

mais uma morte por dopsação hospital psiquiatrico dia 13 de janeiro 2012 nome maomed assassinada teixeira lima