junho 19, 2011

"Acampamento Primavera sem Borboleta. Jovens protestam em Natal" (IHU)

PICICA: "Um movimento extremamente salutar. Um movimento por uma maior "democratização da própria democracia", ou por uma radicalização da democracia. Uma democracia que deixa de ser apenas eleitoral e consistir em votar a cada dois anos. Uma democracia que dê chances para as pessoas participarem do processo de tomada de decisões e poderem controlar os governantes, para as pessoas poderem emitir opinião a respeito dos principais assuntos públicos. O que está acontecendo em várias cidades europeias, com destaque para as cidades espanholas, o que está acontecendo no mundo árabe, o que aconteceu principalmente no Egito são expressões de um fenômeno de caráter global, de um fenômeno de uma juventude que quer uma maior participação nos processos de tomada de decisões." 



Acampamento Primavera sem Borboleta. Jovens protestam em Natal

Organizados na internet, protestos contra governos no norte da África e na Europa se destacaram no noticiário internacional neste semestre. Viraram exemplo para os jovens da cidade de Natal, que pedem o impeachment da prefeita Micarla de Sousa, do PV, enquanto propagam expressões irreverentes como "O Egito é aqui", #EuPareiNatal e #RioGrevedoNorte.

“Tudo isso faz parte de uma onda democratizadora que transcende fronteiras e continentes, tomando conta do nosso planeta nesses últimos meses. Um movimento extremamente salutar. Um movimento por uma maior "democratização da própria democracia", ou por uma radicalização da democracia", comenta, em entrevista a Terra Magazine, 17-06-2011, o professor Gabriel Vitullo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

O Acampamento Primavera sem Borboleta, encravado na Câmara Municipal, alude à Primavera Árabe, que vem combatendo governos autoritários em países de população muçulmana. E lembra as ocupações nas praças espanholas. Os estudantes de Natal também iniciaram os atos nas redes sociais. Em seguida, migraram às ruas e, há 10 dias, para pressionar os vereadores, ocupam a Câmara, reivindicando a instalação de uma comissão de inquérito que investigue os contratos da Prefeitura. Proliferam denúncias sobre aluguéis de prédios particulares usados por órgãos públicos.

Filha do falecido ex-senador Carlos Alberto de Sousa, Micarla, de 41 anos, administra Natal desde 2009. Foi deputada estadual, de 2007 a 2008. Inicialmente, ganhou visibilidade como jornalista da TV Ponta Negra - afiliada ao SBT -, que pertence à sua família.

Eis a entrevista.

Como o senhor analisa o movimento que ganhou as ruas de Natal nas últimas semanas com uma série de protestos, a partir das redes sociais?

Está acontecendo um movimento extremamente interessante, inédito na história da cidade, que é a mobilização de setores importantes da juventude, principalmente da juventude universitária, que está reclamando e protestando contra uma gestão municipal considerada uma das piores da história de Natal. Este movimento vem crescendo ao longo desses últimos dias, tanto quantitativa quanto qualitativamente, ou seja, cada vez mais jovens participam dos protestos. Ele vem ganhando adesão de importantes movimentos populares, organizações não governamentais e entidades política da cidade, sem, entretanto, perder sua autonomia. Este movimento preza muito pela sua autonomia.


Diferentes correntes e grupos políticos tentam controlá-lo, cooptá-lo, mas, dada a enorme pluralidade dentro do movimento e a própria consciência que o movimento tem da importância da autonomia, o movimento vem se preservando como autônomo, não é de uma partido x ou y, é da juventude natalense, protestando contra a situação em que se encontra a cidade e a atual gestão municipal. Um protesto não apenas contra a corrupção, mas contra uma forma de fazer política na cidade que destrói direitos e liquida uma série de conquistas históricas em termos de educação, saúde etc. Vai além da questão do desvio de recursos, que, de fato, é um tema grave em Natal, mas não é o único.

Então não houve uma contaminação por grupos políticos?

Tem vários grupos políticos, partidos, que tentam pegar carona ou, de alguma forma, aparelhar o movimento, mas não têm conseguido, graças ao fato de que o movimento vem crescendo em quantidade de participantes e em capacidade de auto-organização também. Está cada vez mais organizado. Há uma série de tarefas realizadas, principalmente por aqueles que estão acampando na Câmara, diferentes comissões que se encarregam de distintas atividades da vida diária ali dentro da Câmara e questões ligadas à formação política, informação, leitura, comissão de imprensa, que se dedica justamente à relação de comunicação com a grande mídia. Tem uma série de comissões que dividem o trabalho político ali dentro.

O senhor está acompanhando de perto essas ações?

Participei diversas vezes das reuniões deles, venho acompanhando. Anteontem (terça-feira, 14), ministrei uma aula pública dentro da Câmara. A gente foi com nossa turma da pós-graduação. Foi uma experiência extremamente interessante, muita rica, de auto-aprendizado, de aprendizado para todos que estavam participando da reunião e do acampamento. Chegam mostras de solidariedade de vários setores. Novas pessoas vão se somando ao movimento, que tem ganho uma enorme visibilidade aqui em Natal, é capa dos principais jornais, ocupa lugar de destaque nos telejornais também e tem interpelado o conjunto da população para que ela reaja e tome uma posição com relação a esta gestão, que, insisto, é uma das piores da história da cidade.

É possível comparar este movimento aos atuais acampamentos na Espanha e aos recentes protestos nos países do Norte da África?

Claro, tudo isso faz parte de uma onda democratizadora que transcende fronteiras e continentes, tomando conta do nosso planeta nesses últimos meses. Um movimento extremamente salutar. Um movimento por uma maior "democratização da própria democracia", ou por uma radicalização da democracia. Uma democracia que deixa de ser apenas eleitoral e consistir em votar a cada dois anos. Uma democracia que dê chances para as pessoas participarem do processo de tomada de decisões e poderem controlar os governantes, para as pessoas poderem emitir opinião a respeito dos principais assuntos públicos. O que está acontecendo em várias cidades europeias, com destaque para as cidades espanholas, o que está acontecendo no mundo árabe, o que aconteceu principalmente no Egito são expressões de um fenômeno de caráter global, de um fenômeno de uma juventude que quer uma maior participação nos processos de tomada de decisões.

Fora do Rio Grande do Norte, o movimento da juventude natalense não ganhou tanta visibilidade. Como o senhor avalia isso?

Isso remete um pouco à estrutura da mídia, que está muito focada no Sul e principalmente no Sudeste. Eu vivencio esta diferença há muitos anos, pois morava no Rio Grande do Sul e agora vivo no Rio Grande do Norte. Há grandes assimetrias de espaço que têm as diferentes regiões e os diferentes Estados na pauta da mídia nacional. Agora, a partir da decisão tomada ontem (quarta-feira, 15) pelo STJ, esse tema ganhou certa repercussão nacional. De fato, alguns canais de televisão registraram o que está acontecendo em Natal e isto está sendo (motivo de) preocupação por parte de algumas revistas de alcance nacional, concretamente a CartaCapital está elaborando uma matéria sobre o tema e outras revistas estão assumindo a importância do assunto. O que se espera é que a repercussão do processo de mobilização política popular em Natal passe a ganhar mais destaque ainda nos próximos dias na mídia nacional.

Em relação à política local, o que se desenha para o futuro próximo?

Não tem como prever quais serão os desdobramentos desta mobilização toda e quem irá capitalizar os frutos de todo esse processo. Está claro que a gestão da atual prefeita fica comprometida, há chances de o processo de impeachment, de fato, se iniciar e avançar. Agora, se ela não for removida do cargo, a chance de ela ser reeleita, são mínimas. Isso produz um desgaste forte notadamente na figura da prefeita e toda uma série de grupos políticos que impulsionaram sua candidatura para a prefeitura. Abre um panorama novo para novas forças políticas disputarem o poder municipal nas próximas eleições.

Já que a prefeita pertence a um grupo político ligado à governadora Rosalba Ciarlini (DEM), isso afeta também a administração estadual?

Atinge a imagem da governadora, sim, em que pese ter aparecido, nesses últimos tempos, uma série de fissuras no bloco governante, o que explica que algumas figuras doDEM tenham saído publicamente a criticar a gestão da atual prefeita, que eles contribuíram para eleger. Há toda uma crise política que se expressa dentro do bloco governante.

Fonte: IHU

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