junho 26, 2011

"Poética do Concreto Armado", por Jair Alves

Imagem psostada em guilhermederrico.wordpress.com

                                                                              Jair Alves

Entendo ser necessária uma radicalidade, sem censura, para tornar a avaliação do “SOBRE CONCRETO SONHO” algo conseqüente. A peça, ou como queiram classificá-la, está disponível nas tardes de sábados e domingos, no Bairro do Bexiga. A qualidade do elenco ou mesmo da proposta cênica são inúmeras, resta saber qual a parcela da população que está interessada em conferir este valioso experimento teatral. O projeto, como é conhecido dentro da nova terminologia utilizada pelos responsáveis é financiado com dinheiro público em meio a centenas de outros em igual patamar e que concorrem no Programa Fomento gestado a partir de reuniões do “Movimento Arte Contra a Barbárie” tornando-o uma Lei Municipal, em 2003, num momento extraordinário quando se vivia um diálogo entre Executivo, Legislativo, e a Comunidade Teatral paulistana. Essa minha avaliação não está presa ao Programa em questão, porém, é necessário ressaltar que sem este instrumento o trabalho não seria possível. É preciso que isso fique muito claro.
 
O Seqüestro da Palavra. Em recente debate num programa que costuma dar um traço na audiência na TV Brasil (Observatório da Imprensa, nesse 21 de junho) o professor de jornalismo da ECO/UFRJ,Muniz Sodré, jogou uma pá de cal na discussão sobre as novas mídias virtuais ao firmar posição do seu tema predileto contemporâneo - a Crise do Sentido que, em última analise, é a crise da palavra na Imprensa brasileira, quiçá internacional. A mim parece sintomático indagar se não estamos vivendo no teatro, desde algum tempo, uma crise de sentido, ou seja, a troco do que é gasto tanto dinheiro público (mais justo seria dizer, “algum dinheiro público”); por quê tantos jovens de classe média escolhem as Artes Cênicas como profissão; por quê se debatem tanto em torno de uma falsa questão, Mercado X Arte Popular (???); e por quê uma dezenas de falsas pistas que não retiram “meio carrinho de mão” de entulho e lixo das escadarias e ruas mal cheirosas do Bexiga? Para agravar a situação, simbolicamente esse quadro pode retratar a vida urbana forjada durante décadas?
 
Como disse acima, a trupe “Coletivo Forte Casa Teatro” e mesmo sua proposta trazem vários itens extremamente positivos, dentre os quais assinalo, o ponto de equilíbrio entre narrativa e dramatização, sem que o expectador (ou seria cúmplice?) se sinta constrangido; a excelente capacidade de interpretação da maioria do elenco, alguns até provocando admiração por força demonstrada; e acima de tudo a clareza da dramaturgia. O que pode estar errado, então, nesse trabalho?  Acredito não ser de responsabilidade do próprio grupo, mas do conjunto de forças que compõem o movimento teatral paulistano. Há algo de esquizofrênico nisso tudo. O grupo está sediado num dos bairros mais tradicionais da cidade de São Paulo, depositário de experiências artísticas e históricas inigualáveis (a parte final da encenação é realizada com uma bela citação sobre o bairro, a Escola de Samba Vai-Vai, a Saracura e o riacho que banhava a região na sua origem), no entanto, em uma cidade com milhões de habitantes, as sessões estão restritas a menos de 30 expectadores. Por quê é assim? Quem criou esse contexto?
 
A distribuição de livros manuseados por muitos, desde há muito, em uma das cenas onde um Coronel encontra-se em uma Biblioteca é o retrato em preto e branco da indigência intelectual a que atravessamos, emoldurado por capitães do monopólio da produção artística (refiro-me a uma meia dúzia “que não larga o osso” da distribuição do dinheiro publico para o teatro, a dança, e o circo).
 
Se o tema da peça (ou seria celebração?) é a miséria que infecta o bairro do Bexiga em uma clara alegoria à invasão dos Palácios pela população de baixíssimo poder aquisitivo que nunca teve voz e voto, em décadas e séculos anteriores, por quê a eternização dos privilégios de uns poucos do lado de cá contra os muitos favelados do lado de lá?
 
Quando cheguei a São Paulo em definitivo, no ano de 1972, vindo de Araraquara com Luiz Antonio Martinez Corrêa para enfrentar os desafios da megalópole Paulistana, aqui atuavam não mais do que dez dramaturgos (sem juízo de valor sobre sua produção) todos eles representados. Àquele pequeno e restrito circulo, pintava um retrato daquilo que pulsava nos corações e arquitetava mentes lúcidas e benditas. A única presença do Estado, era para descer o porrete nas costas de quem se vestia de vermelho ou rosa. E agora, de que lado está uns e outros? Quem é a polícia, quem é o ladrão?
 
O contingente maior do Bexiga cênico de outrora era composto dos filhos da classe média empobrecida pela injusta distribuição de renda patrocinada pela Ditadura, muitos deles abandonando cursos universitários para se dedicar à profissão teatral formando um pequeno exército de voluntários com poucas chances de se manter em médio prazo. Hoje, o número de dramaturgos ou pessoas que escrevem para teatro é incalculável e da sua poética pouco se conhece, por outro lado, grande parte dos atores diretores e cenógrafos que dominam a cena paulistana e ditam suas regras, são oriundos dos cursos acadêmicos e não o contrário. Deve existir alguma crise de sentido das palavras nisso tudo. Ou não?
 
E por falar em circo, a encenação de SOBRE O CONCRETO SONHO tem uma outra qualidade nada desprezível - não vi nenhuma citação cênica ao mundo do circo. Ufa! Ainda bem. É teatro mesmo, sem tirar nem por.

SERVIÇO:

Peça: “Sobre Concreto Sonho”
Criação: Coletivo Forte Casa Teatro
Direção: Erika Coracini
Dramaturgia: Marina Tranjan
Elenco: Bruna Amado, Danilo Minharro, Eric de Oliveira, Luíza Maia, Luciano Carvalho, Magê Blanques e Rebeca Braia.
Assistentes de cena: Caio Marinho e Thiago Prates
Músicas: Erika Coracini e Luciano Carvalho
Trilha sonora original: Luciano Carvalho
Direção musical: Luciano Carvalho
Direção de Movimento: Lu Favoreto
Objetos de cena e Intervenções: Nani Brisque  Assistente: Carol Corrêa
Figurino: Magê Blanques
Criação e design gráfico: Gabriel Marcondes
Produção: Viviana Pereira
Fotos: Charles Trigueiro
Dias: sextas e sábados
Local: Casa Mestre Ananias (Rua Conselheiro Ramalho, 945 - bairro do Bixiga)
Horário: ás 16h
Censura: Livre

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