agosto 16, 2011

Defensoria Pública do Estado de São Paulo contra a internação compulsória de crianças e adolescentes usuários de drogas

PICICA: "(...)não se nega, e prevê, a transferência do grave problema de saúde pública das ruas para estabelecimentos despreparados – acredita-se, inexistentes – sendo certo ser esta mais uma medida “higienista”, proposta em conflito com as garantias constitucionais."


Ref: Projeto de Lei nº. 673/11 – internação compulsória de crianças e adolescentes usuários de droga

O Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, tendo por base as atribuições que lhes são inerentes, primordialmente na prestação de suporte e auxílio nas demandas que, direta ou indiretamente, refiram-se a direitos específicos ou gerais de crianças e adolescentes, vem, por meio dos seus coordenadores, formalizar posicionamento contrário ao Projeto de Lei nº. 673/11, proposto pelo Deputado Estadual Orlando Bolçone, que prevê internação compulsória pelo Poder Público de crianças e adolescentes usuários de droga para tratamento médico.
De acordo com o projeto de lei, a internação para tratamento médico ocorrerá independente da autorização dos pais, sendo estes apenas cientificados do local onde a criança ou o adolescente está recebendo o tratamento e das circunstâncias em que ocorreu a sua apreensão.
Mencionar o descaso histórico do Estado para com as crianças e adolescentes brasileiros, diante de um problema grave de ordem de saúde pública pode parecer, num primeiro momento, repetitivo.
Não é diferente quando se trata de Projetos de Lei como este que visa, tão somente, agravar a situação dessas crianças e adolescentes, uma vez que não prevê qualquer critério para o tratamento médico, psicológico, ou mesmo políticas públicas suficientes para enfrentar o problema, marginalizando a pobreza e fortalecendo estigmas preconceituosos.
Salta aos olhos daqueles que se dedicam à incansável busca da efetividade dos direitos assegurados por lei às crianças e aos adolescentes a problemática social a que se está prestes a enfrentar mediante a aprovação de um Projeto de Lei como este: não se nega, e prevê, a transferência do grave problema de saúde pública das ruas para estabelecimentos despreparados – acredita-se, inexistentes – sendo certo ser esta mais uma medida “higienista”, proposta em conflito com as garantias constitucionais.
Em que pese a superficialidade ao qual o tema internação compulsória foi tratado no Projeto de Lei, não foi possível esperar nada diferente da sua justificativa, em especial pelo vago depoimento do médico especialista em dependentes que supõe que caso morresse e seus filhos ficassem na rua, sua vontade era que o Poder Público cuidasse de seus filhos.
Sem adentrar ao mérito acerca da excessiva – e temerária - confiança depositada ao Poder Público e limitações institucionais tal projeto destina-se, único e exclusivamente, à crianças e adolescentes em situação de miséria cujo uso da droga, muitas vezes, é decorrente dessa condição social.
Nesse contexto, cumpre indagar o seguinte: se mesmo a internação para tratamento da dependência considerada ideal – estrutura adequada, apoio médico, psicológico, familiar e do próprio paciente – não é garantia integral de recuperação de tais pacientes que assumirão personagens da institucionalização irresponsável, o que se espera de uma internação que seja compulsória, massificada, desmedida, que desconsidera o apoio familiar e a vontade da criança ou do adolescente em receber o tratamento, conforme propõe o Projeto de Lei em comento? É no mínimo inconstitucional.
Lamentavelmente, não é possível esperar nada diferente de um grande depósito de crianças e adolescentes “dopados”, estabelecendo-se uma releitura dos antigos unidades manicomiais e abordagem menorista.
Diante da precariedade das políticas públicas brasileiras para crianças e adolescentes envolvidos com o tráfico e o uso das drogas, não se pode pensar em saídas imediatas enquanto o Estado não comprovar esforços para a implantação de políticas públicas na saúde, educação e assistência social, investindo em estratégias antidrogas: prevenção, por meio da conscientização; educação e tratamento adequado: clínicas públicas de reabilitação de qualidade, profissionais especializados, medicamentos suficientes, etc.
A respeito da estrutura atual das políticas públicas básicas e sociais destinadas para atendimento inicial de crianças e adolescentes, o Estado de São Paulo, com 645 municípios, possui apenas 58 Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Droga – CAPS-AD, e 216 Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS.
Não existe solução milagrosa para sanar o problema de saúde pública enfrentado pela sociedade, especialmente, quando se pretende impor tolerância zero e total abstinência para tratamento de suas crianças e adolescentes em situação de drogadição.
Todavia, existe a possibilidade de que seja colocado em prática o Estatuto da Criança e do Adolescente, normas de funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS e Sistema Único de Assistência Social - SUAS primordialmente na elaboração de programas de proteção integral da criança e do adolescente cujo intuito é priorizar a prevenção frente à repressão.
Ou, ainda, levar em consideração, quando da aplicação das medidas de proteção (art. 100 do ECA), os princípios (i) que reconhecem a condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos (inc. I); (ii) de proteção integral e prioritária dos direitos de que são titulares as crianças e os adolescentes (inc. II); (iii) que respeite a intimidade e o interesse superior da criança e do adolescente (incs. IV e V); (iv) de intervenção mínima das autoridades e instituições (inc. VII); (v) de proporcionalidade e atualidade das medidas de proteção (inc. VIII) e; (vi) de prevalência da família na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente (inc. X).
Infelizmente, enquanto falharem as políticas sociais básicas destinadas às crianças e aos adolescentes como saúde, educação, esporte, lazer, dificilmente se logrará prevenir o tráfico e uso das drogas.
Posto isso, por meio da presente manifestação perfunctória, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por seu Núcleo Especializado da Infância e Juventude, reafirma sua posição contrária à aprovação do Projeto de Lei nº. 673/11 e lamenta a movimentação contrária à proteção da criança e do adolescente advinda de membros do Poder Legislativo do Estado de São Paulo.
Sendo o que nos cumpria para o momento, subscrevemo-nos, respeitosamente,
DIEGO VALE DE MEDEIROS E LEILA ROCHA SPONTON
Coordenadores do Núcleo Especializado da Infância e Juventude
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

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