setembro 25, 2011

TV Bandeirantes confunde a opinião pública e presta um desserviço à causa dos ribeirinhos do Jatuarana-AM

PICICA: Com o foco na versão militar, os desmandos cometidos pelo Exército nacional contra os ribeirinhos da costa do Jatuarana, no rio Amazonas, na área rural de Manaus, ganhou dimensão nacional em matéria da TV Bandeirantes. A reportagem foi ao ar na terça-feira, dia 20 de setembro. Um desastre. Sou testemunha da entrevista e das imagens feitas pelos repórteres com os ribeirinhos. Devem ser poupados. Certamente, eles não são os responsáveis pelo produto final. É chocante verificar como a edição do material privilegiou a informação distorcida das autoridades militares, em detrimento da  farta documentação das irregularidades cometidas pelo Exército nacional, como registram os arquivos dos jornais locais. Nenhuma das informações militares se sustenta diante dos documentos em posse dos ribeirinhos, desde Diários Oficiais, matérias de jornal, títulos de propriedade, e a velha e boa memória oral. Não é verdadeira a informação de que as terras pertencem ao Exército, pois que o título de doação das "terras cobertas por florestas", conforme o Diário Oficial da União da época, concedidas durante o governo Danilo Areosa, estabelece limites precisos entre a fronteira das terras do Exército com as das comundidades tradicionais de ribeirinhos, que já somaram 200 famílias antes da invasão militar para a prática de Guerra na Selva, na segunda metade dos anos 1990. Hoje não passam de 96 famílias. O decreto de doação é claro. Do limite da propriedade do Exército até cinco quilometros à margem do rio Amazonas, as terras pertecem às comunidades ribeirinhas. Uma das provas da existência legal das terras dos ribeirinhos é o cemitério de São José do Jatuarana, no qual uma publicação oficial da história de Manaus data seu surgimento ali pelo final do século XIX. Neste lugar os militares ergueram sua "base" e tiveram a ousadia de fincar uma placa para indicar uma propriedade que não lhes pertence. Até pouco tempo, somada à arbitrária proibição da pesca, plantio e produção de farinha, impediram também o enterro dos mortos. A matéria é deslavadamente tendenciosa. Mas, há uma luz nela. Ouçam o que diz o Ministério Público Federal. Asseguro-lhes, meus caros, o buraco é mais embaixo. Que restaure-se os rigores da Lei! Que enquadre-se os que, ao arrepio da lei, levaram a morte, a dor e a destruição para os ribeirinhos que tiveram suas casas destruidas, ou que estão sobre ameaça. Não há um morador que não seja ribeirinho, que não use as terras para seu sustento e o da sua família. As imagens de arquivo da reportagem atestam o que o PICICA afirma. Uma das cenas que não foi ao ar mostra a casa do filho da ribeirinha Natália - construída ao lado da casa da mãe - e os parentes da esposa que atravessaram o rio para participar de um puxirum. Era dia de cortar, moer e produzir farinha. Sua casa está entre as três ameaçadas de vir abaixo pelas mãos dos militares. Os descendentes dos ribeirinhos vivem tensos, sob a ameaça de ter suas casas destruídas. Pena que a história não foi contada na perspectiva dos ribeirinhos. Por essa e por outras que esse tipo de mídia teme a regulação que tarda neste país. Enquanto isso, na mesma região, a colônia norte-americana do Puraquequara e a propriedade onde se instalou um hotel da colônia japonesa, com terras devidademente tituladas, não são perturbadas pelo glorioso Exército nacional. Eles sabem com quem não deve bulir. Finalmente, aconselho o(a) leitor(a) usar didaticamente essa matéria como mais um exemplo do mau jornalismo praticado no Brasil. Informações prestadas generosamente foram aviltadas por quem deveria zelar pela produção de sentido e por enunciados mais responsáveis: a área em litígio nunca foi do Exército nacional. A TV Bandeirantes deu uma grande contribuição, sim, para a prática do racismo ambiental que abate as comunidades tradicionais de ribeirinhos do Jatuarana.

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