dezembro 17, 2011

Morre um dos maiores carnavalescos brasileiros de todos os tempos: Joãozinho Trinta

PICICA: Quando o Brasil estava dividido entre conservadores e progressistas (termo que perdeu seu vigor semântico), a imprensa careta, alguns intelectuais e boçais de um modo geral não entendiam Joãozinho Trinta. Veja o que diz uma memorável resenha, escrita pela psicanalista Betty Milan, e reproduzida em Revirão - Revista da Prática Freudiana, sobre a imprensa à época quando o assunto era Joãozinho Trinta. Para Milan, a imprensa preocupada em criticar a estética kitsch do Carnaval, demonstra algo pior ainda: seus ouvidos não conseguiam escutar o que diziam as palavras do carnavalesco, quando ele citou os bicheiros como exemplo do cumprimento da palavra dada. Logo veio a distorção da fala de Joãozinho, por conta de uma falsa interpretação do não dito, escapando o que subjazia em sua frase. Depois ninguém acredita quando se afirma que nesse País nunca fomos modernos. Trinta anos se passaram, o futuro chegou, a linguagem da imprensa tornou-se politicamente correta, e paulatinamente vem perdendo a credibilidade. Fica o exemplo das transgressões da imaginação de Joãozinho, que ao menos abriu caminho para que as novas expressões da vida intelectual saibam conciliar leitura crítica com a alegria de viver. Valeu, Joãozinho Trinta! 



Psicanálise Beija-Flor
Rio de Janeiro, Aoutra/Taurus, 1985.

Por Betty Milan

O que é que ela tem? ... ela quem? A impresa. Ouvidos para não escutar.

A evidência disso é a versão do que teria dito Joãozinho Trinta no Colégio Freudiano do Rio de Janeiro e publicado sob o título Psicanálise Beija-Flor.

Se o carnavalesco diz que bicheiro, por ter palavra, é o último britânico na face da Terra e, por ser eficaz, há muito já teria pago a dívida externa, a imprensa dá que, segundo Joãozinho Trinta, o País deveria ser governado por bicheiros, autorizando-se a chamá-lo de visionário (Folha de S. Paulo, 2/2/85).

Insensível à palavra, o jornalista não ouve que através do bicheiro o carnavalesco valoriza o cumprimento da palavra dada; não percebe que subjaz à sua fala uma ética a ser adotada. A Nova República acaso pode ser feita à revelia da palavra dada? O Carnaval deveria inspirar o futuro, pela ética e a competência do que é capaz.

Mas a imprensa não se entrega ao samba, é movida por uma outra tradição, a do escândalo, a proposta de entregar o País à comunidade de bicheiros é escandalosa. Também o é a homossexualidade e Joãozinho, daí a ênfase a esta, tanto na Folha quanto pelo Jornal do Brasil (30/1/85).

(...)

Samba para a mídia é oba-oba, caso descobrisse o contrário teria que se renovar. A mídia quer a notícia, a novidade, propriamente, ela recusa, caça novas para se exercer no seu conservadorismo.

Joãozinho Trinta vive de se reinventar recriando a tradição. (...)

(...)O samba não é uma ilusão, mas um recurso poderoso, pode mover montanhas ritmando o trabalho de grandes mutirões em Nilópolis e nas outras várias polis do País.

Se brincar é agir, por que não fazer brincando este País? Pelo sim e pelo não, conquistá-lo através da nossa imaginação? Verdade que para o júbilo o planeta está imaturo e é preciso arrancar a alegria do futuro – Maiakowsky.

(Folha de S. Paulo, 7 fev. 85)

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