fevereiro 29, 2012

Enquanto isso, em Manaus o Projeto Nós & Voz vai tecendo uma rede de inclusão social de pessoas com transtorno mental e pessoas com deficiência mental

Enviado por  em 24/02/2012
Depoimento afetivo de um dos alunos do curso de serigrafia do Projeto Nós & Voz da Associação Chico Inácio - projeto de inclusão social de pessoas com transtorno mental e pessoas com deficiência mental. São parceiros do projeto a Universidade do Estado do Amazonas, o CETAM, a Secretaria de Estado de Assistência Social e a Secretaria de Estado da Saúde.

"Baltasar Garzón é absolvido por investigar crimes do franquismo" (Esquerda.net)








Baltasar Garzón é absolvido por investigar crimes do franquismo

PICICA: Solidariedade para com as vítimas do franquismo.

As organizações de extrema-direita “Manos Limpias” e “Libertad e Identidad” queriam que ele fosse multado e expulso da carreira jurídica por 20 anos, a pena máxima prevista para o crime de prevaricação. As duas organizações alegaram que Baltasar Gárzon incorreu no crime de prevaricação ao ordenar uma investigação sobre o desaparecimento de mais de 114 mil pessoas, que teriam sido assassinadas durante a ditadura fascista de Francisco Franco.



(*) Vídeo produzido pelo cineasta Pedro Almodovar em apoio ao juiz Baltasar Garzón.


O juiz espanhol Baltasar Gárzon foi absolvido da acusação feita pelas organizações de extrema-direita “Manos Limpias” e “Libertad e Identidad” que queriam que ele fosse multado e expulso da carreira jurídica por 20 anos, a pena máxima prevista para o crime de prevaricação. 

As duas organizações alegaram que Baltasar Gárzon incorreu no crime de prevaricação ao ordenar uma investigação sobre o desaparecimento de mais de 114 mil pessoas, que teriam sido assassinadas durante a ditadura do general Francisco Franco (1939-1976), o que teria contrariado a lei "Manos Limpias", que prevê anistia aos crimes cometidos durante o franquismo.

O Tribunal Supremo espanhol, contudo, por seis votos contra um, deu razão a Garzón. O processo deu origem a inúmeras iniciativas de apoio ao juiz, que afirmou não se arrepender do inquérito e demonstrou a sua solidariedade para com as vítimas do franquismo.

Esta decisão surge uma semana depois de Baltasar Garzón ter sido proibido de exercer a carreira jurídica durante 11 anos após ter sido condenado por ordenar escutas consideradas ilegais no "caso Gürtel", que envolveu pessoas de altos cargos regionais do conservador Partido Popular, agora no governo.

Garzón já pediu ao Tribunal Supremo que anule esta decisão "arbitrária", argumentando que a instituição "violou de forma muito grave vários dos direitos fundamentais que tem como cidadão, segundo a Constituição, e o seu direito à independência judicial".



Fonte: Carta Maior

"Uma breve análise marxista da Classe C", por Fernando Marcelino

Imagem pescada na internet

PICICA: "É claro que uma classe não pode ser definida em termos de renda ou pelo padrão de consumo. É sua experiência prática que diz como ela é. Como assinala Jessé de Souza, esta “nova classe trabalhadora” em formação convive com o antigo proletariado fordista – ou o que restou dele – e possui uma trajetória de ascensão por meio do trabalho duro, com fé em Deus para suportar a dor de viver, ter força de vontade e conseguir vencer os obstáculos que aprecem pela frente. Seus integrantes possuem uma narrativa sem tempo linear, previsível ou estável. Sua reprodução se constitui como um desafio permanente. Seu risco não é de proletarização, pois sua condição já é proletarizada, produto de trabalho duro todos os dias. Não é uma condição que se alcançou e se tem medo de decadência, mas uma condição que deve ser buscada em todo momento da vida. Em tempo: Leia, também, "O eco é distante da tormenta".

Uma breve análise marxista da Classe C
ESCRITO POR FERNANDO MARCELINO  

Provavelmente, a principal marca do governo federal do PT no Brasil foi o fortalecimento da chamada “classe C”, mal entendido por alguns como uma nova classe média, composta nas estatísticas oficiais por famílias que tem uma renda mensal domiciliar entre R$1.064,00 e R$ 4.561,00. Se em 1992 a classe C representava 34% da população, em 2011 passou a 54% e, segundo estimativas, alcançará 58% da população em 2014. Isso significa que o perfil sócio-econômico do país e suas classes estão mudando.

Durante a última década, a chamada classe C – composta, sobretudo, por jovens negros com emprego formal, alto potencial de consumo e características altamente heterogêneas ligadas ao campo político e religioso – teve um aumento superior a 40% em sua renda familiar, o que permitiu maior poder de compra, acesso à tecnologia e ingresso em faculdades. Na última década, 31 milhões de pessoas entraram na classe C – ela já responde por cerca de 47% do consumo do país, metade dos cartões de crédito emitidos, 60% dos acessos à internet, 42% das despesas com educação. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são os jovens da classe C que alimentam a expansão de quase 77% no número de pessoas que declaram “freqüentar” ou “ter freqüentado” cursos de educação profissional entre 2004 e 2010. O Nordeste é a região onde a classe C mais cresceu recentemente e a região Sul soma a maior proporção de pessoas neste grupo. Espera-se que esta classe C será a principal fornecedora da força de trabalho mais qualificada para o desenvolvimento industrial nos próximos anos.

É claro que uma classe não pode ser definida em termos de renda ou pelo padrão de consumo. É sua experiência prática que diz como ela é. Como assinala Jessé de Souza, esta “nova classe trabalhadora” em formação convive com o antigo proletariado fordista – ou o que restou dele – e possui uma trajetória de ascensão por meio do trabalho duro, com fé em Deus para suportar a dor de viver, ter força de vontade e conseguir vencer os obstáculos que aprecem pela frente. Seus integrantes possuem uma narrativa sem tempo linear, previsível ou estável. Sua reprodução se constitui como um desafio permanente. Seu risco não é de proletarização, pois sua condição já é proletarizada, produto de trabalho duro todos os dias. Não é uma condição que se alcançou e se tem medo de decadência, mas uma condição que deve ser buscada em todo momento da vida.

Como podemos fazer uma interpretação marxista da classe C? Ela demonstraria que o aparato marxista é anacrônico diante destas transformações da composição de classe no Brasil? Naturalmente ela é parte do proletariado, mas qual parte? Para André Singer, poderíamos denominá-la de “subproletariado”, aqueles “que oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais”. A nosso ver, seria mais correto caracterizar a classe C como integrante do exército industrial de reserva – que Marx sempre frisou ser parte do proletariado. Marx identifica três formas deste exército nas quais “todo trabalhador dela faz parte durante o tempo em que está desempregado ou parcialmente desempregado”:

1)                A parte flutuante representa aqueles trabalhadores que, acompanhando o ciclo da economia capitalista, oscilam no emprego tendendo a serem despedidos numa crise e esperar por uma época de prosperidade para serem incorporados ao exército ativo de trabalhadores. Eles flutuam no circuito empregatício de acordo com o estágio do ciclo econômico. Nas palavras de Marx, esses que são despedidos tornam-se elementos da superpopulação flutuante que aumenta ao crescer a indústria. Parte deles emigra e, na realidade, apenas segue o capital em sua emigração. Em suma, essa parte flutuante do exército industrial de reserva é constituída pelos trabalhadores que, por certo tempo, perdem seus empregos em conseqüência da queda na produção, no avanço de produtividade, no emprego de novas máquinas ou fechamento de empresas. Uma parte desses desempregados volta a se empregar numa potencial prosperidade industrial.

2)                A parte latente surge “quando a produção capitalista se apodera da agricultura, ou nela vai penetrando, diminui, à medida que se acumula o capital que nela funciona, a procura absoluta da população trabalhadora rural” (2009, p. 746). Geralmente, os operários agrícolas estão fadados a enxertar as fileiras das indústrias nos grandes centros urbanos, pois “dá-se uma repulsão de trabalhadores, que não é contrabalançada por maior atração, como ocorre na indústria não-agrícola. Por isso, parte da população rural encontra-se sempre na iminência de transferir-se para as fileiras do proletariado urbano ou da manufatura e na espreita de circunstâncias favoráveis a essa transferência. Está fluindo sempre esse manancial da superpopulação relativa. Mas, seu fluxo constante para as cidades pressupõe no próprio campo uma população supérflua sempre latente, cuja dimensão só se torna visível quando, em situações excepcionais, se abrem todas as comportas dos canais de drenagem. Por isso, o trabalhador rural é rebaixado ao nível mínimo de salário e está sempre com um pé no pântano do pauperismo” (idem, p. 746).

3)                Diante do aumento da acumulação de capital, duas porções do proletariado tendem a ter uma participação menor diante do aumento da dimensão estagnada do exército industrial de reserva. Como diz Marx, “a superpopulação estagnada se amplia à medida que o incremento e a energia da acumulação aumentam o número dos trabalhadores supérfluos. Ela se reproduz e se perpetua, e é o componente da classe trabalhadora que tem, em seu crescimento global, uma participação relativamente maior que a dos demais componentes” (idem, p. 747). A superpopulação relativa estagnada “constitui parte do exército de trabalhadores em ação, mas com ocupação totalmente irregular. Ela proporciona ao capital reservatório inesgotável de força de trabalho disponível. Sua condição de vida se situa abaixo do nível médio normal da classe trabalhadora, e justamente por isso torna-se base ampla de ramos especiais de exploração do capital.Duração máxima de trabalho e mínimo de salário caracterizam sua existência.

Conhecemos já sua configuração principal, sob o nome de trabalho a domicílio. São continuamente recrutados para suas fileiras os que se tornam supérfluos na grande indústria e na agricultura, e notadamente nos ramos de atividade em decadência (idem, p. 746, 747). Esses trabalhadores não deixam de fazer parte do exército industrial de reserva, tampouco deixam de ter lugar na divisão social do trabalho no modo de produção capitalista. É parte cada vez mais importante do proletariado. Longe de ser inútil, a porção estagnada do exército industrial de reserva se reproduz com os trabalhos mais degradantes, com mais riscos à integridade física e moral, remuneração mais baixa sob vínculos empregatícios precários, ou seja, enfrentam um contato com o que Marx se refere como “ramos especiais de exploração do capital” baseados na “duração máxima de trabalho e mínimo de salário”.

Na classe C brasileira encontramos elementos das três formas de exército industrial de reserva. Em termos quantitativos, a classe C é uma conseqüência da neoliberalização da década de 1990, marcada pelas privatizações, precarização do trabalho e o aumento do desemprego. O resultado foi uma reorganização do proletariado baseada na redução do proletariado fabril e no progressivo crescimento da classe C, um fenômeno que decorre desde 1992, por mais que sua expansão aconteça de maneira mais acentuada desde 2003. Ela não é assim tão nova. Hoje, são 105,4 milhões de pessoas, ou 55,05% da população nesta faixa. Segundo um estudo da FGV, esse processo ocorre junto com o encolhimento das classes D e E. Em 1992 elas representavam juntas 62,13% da população. Em 2003 eram 54,85% dos brasileiros. Hoje, somadas, as classes D e E representam 33,19% dos 191,4 milhões de habitantes do país. É um fenômeno inédito na história do país. Ainda assim, são 16,2 milhões de pessoas vivendo com até R$ 70 mensais.

Para a classe C a estabilidade econômica é algo extremamente valorizado, pois é o caminho da ascensão social, por mais que ela seja composta por uma camada social altamente heterogênea em termos de valores, crenças políticas e comportamentos. É uma fração da classe trabalhadora emergente no Brasil, diferente daquela do ABC no final dos anos 1970, vivendo um processo de recomposição, ainda com pouca experiência de luta, mas que ainda não mostrou sua potencialidade. Os empregos da classe C são muito variados: telemarketing, feirantes, pequenos empreendedores, autônomos, trabalhadores da construção civil, caixas de supermercado, motoboys, secretariado, serviços de reparo em geral, parte do funcionalismo público, pequenos comerciantes, trabalhadores em domicílio etc. Em suma, são empregos altamente flexíveis e irregulares, por mais que alguns tenham uma formalidade oficial. Fazem parte dessa porção do proletariado os “desempregados ativos” que estão numa lacuna entre o trabalho atípico, parcial, desregulamentado, informal ou temporário e as agruras do não-trabalho. Alguns têm dupla jornada de trabalho e outros tantos são trabalhadores completamente informais. Todos lutam para pagar suas contas e costumam morar nas periferias das grandes cidades. Muitas vezes seu acesso a formas de mínimas de auto-organização e ao espaço público se dá por meio de igrejas evangélicas e neopentecostais.

Esta transformação da composição social do proletariado resulta, agora, em novas lutas de classe – só que, até agora, sem muita organização, representação e visibilidade política. O que fazer? Qual é o futuro político da classe C? Ser cooptada pelos ideais do livre-mercado, típicos da classe média? Ou pelas milícias e empresas religiosas privadas? Ou poderia ser tomada pelo ideal de uma sociedade calcada no trabalho duro e uma sociedade justa e socialista?

A necessidade de ascensão política de massas da “classe C” será provavelmente o mais importante norteador da nova dinâmica da luta de classes no Brasil no próximo período. Aquela parte da população que passou a ter mais acesso aos bens de consumo, mas ainda é muito conservadora, impede que projetos “socialistas” sejam aceitos facilmente, por mais que se coloque em movimento num novo ciclo de lutas das classes populares. Mostra-se que a inclusão no mercado por si só não garante o aumento da organização popular da classe C nem um desenho claro de uma consciência de classe.

Longe disso, ela parece estar atualmente mais próxima das diversas formas de individualismo possessivo do tempo presente e das grandes empresas de evangelização do que de qualquer “ideologia socialista”, muitas vezes demonizada, sendo vista como uma desculpa apenas para “instabilidade social” ou “politicagem”.

Para adentrarmos na consciência da classe C, devemos evocar a fórmula do lulismo feita por André Singer. O lulismo seria “a execução de um projeto político de redistribuição de renda focado no setor mais pobre da população, mas sem ameaça de ruptura da ordem, sem confrontação política, sem radicalização, sem os componentes clássicos das propostas de mudanças mais à esquerda”. O lulismo "expressa um fenômeno de representação de uma fração de classe que, embora majoritária, não consegue construir desde baixo as próprias formas de organização". Essa fração de classe é caracterizada por uma expectativa de Estado forte, que reduz a desigualdade, mas sem ameaçar a ordem estabelecida.

Portanto, ao contrário do que pensa o próprio Singer, essa fração de classe não apresenta afinidades partidárias de qualquer tipo ou intensas rejeições a partidos, e tampouco identificações personalistas fortes. Segundo Singer, as constantes declarações de Lula a favor da manutenção da estabilidade satisfizeram não só os banqueiros e investidores, nacionais e estrangeiros, como também o eleitor pobre e conservador, que teme a ruptura da ordem, embora deseje a redução da desigualdade e pobreza. O lulismo representa uma nova orientação ideológica, marcada pela preferência por redução da desigualdade, mas com manutenção da estabilidade, algo que não é “nem de direita, nem de esquerda e nem de centro”.

Nosso desafio é desenvolver uma verdadeira alternativa política para a classe C, trabalhar na base dessa classe e de outras classes populares da sociedade brasileira, vivenciando e contribuindo para sistematizar suas pequenas experiências de luta, elevando sua consciência de classe. Esse processo não é imediato. É uma missão estratégica, de longo prazo, orientando essas classes no momento que decidirem lutar. Devemos urgentemente reorganizar a esquerda sob este marco, pois ela se encontra muitas vezes alheia a tal processo, sem saber como tratar adequadamente as transformações. Nossa disputa começa ao colocar a classe C em movimento como um setor da classe trabalhadora, fazê-la agir e pensar como parte substancial da classe trabalhadora e seu destino na luta política.

Um primeiro passo neste sentido seria entender que diante da enorme dificuldade do movimento sindical em organizar no espaço de trabalho este segmento crescente de trabalhadores, principalmente da classe C, o espaço em que milhões de trabalhadores no Brasil tem se organizado e lutado é o território, em especial na periferia e nas favelas das grandes cidades. A politização destes territórios é parte integrante do processo de politização da classe C. Nosso dever é saber transformar suas reivindicações em ações massivas, independentes do governo e seus correligionários. Isso só surgirá, entretanto, se retomarmos a velha lição de organização junto à base popular, em seu dia a dia, em lutas diárias e miúdas, em especial da classe C. Somente as grandes mobilizações, o estímulo a todas as formas de luta de massa por necessidades imediatas e o trabalho de base podem alterar nossa situação diante da nova dinâmica da luta de classes.

Fernando Marcelino é economista.

Observatório da Imprensa: Jornalistas no fio da navalha; "A lei e a verdade foram deixadas de lado"; Crítica à crítica (e aos críticos) da mídia

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OBAMA E A IMPRENSA
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Falta ao Brasil um grande Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental e Residência em Psiquiatria como o de Minas Gerais


fevereiro 28, 2012

"Pescadores e Pescadoras, Agricultores e Agricultoras do Lago do Puraquequara e Jatuarana - Luta e garra contra a opressão do Exército" (Nova cartografia social da Amazônia)



Lançamento da Nova cartografia social da Amazônia  "Pescadores e Pescadoras, Agricultores e Agricultoras do Lago do Puraquequara e Jatuarana - Luta e garra contra a opressão do Exército. À vitória das comunidades ribeirinhas, área rural de Manaus", realizado na comunidade do Mainã. Fotos: Rogelio Casado (2011).

PICICA: Dilma, Dilminha! A comunidade tradicional de ribeirinhos da costa do Jatuarana - zona rural de Manaus - vem sendo impedida pelo Exército nacional de ter acesso ao programa Luz para Todos, sob o silêncio dos parlamentares do PT. Lá se vão nove anos, e aquele deputado responsável em agilizar a implantação do programa não abre o bico em defesa daqueles brasileiros esquecidos pelo poder público. Se completar dez anos... aí, não só é sacanagem, como é um prato feito pra oposição. Veja a quantidade de crianças em idade escolar... A merenda escolar tem que ser consumida rapidinho, caso contrário vai pro lixo por falta de conservação. O deputado vinha levando todo mundo no bico, mas embromation tem prazo de validade. A dele tá vencida. Olhai pelo Jatuarana, Dilminha!

"Um certo Pajé Lourenço", por José Ribamar Bessa Freire (post dedicado a Maria Luisa Abascal, con cariño)



PICICA: "É que os índios que hoje freqüentam as universidades levam com eles para dentro da instituição um conjunto de conhecimentos. Foi assim com os Ticuna, Kokama, Kambeba e Kaixana da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) que se formaram no final do ano passado no Alto Solimões e que não foram obrigados, como o pajé Lourenço, a apagar de sua memória o que sabiam." 

UM CERTO PAJÉ LOURENÇO
José Ribamar Bessa Freire
26/02/2012 - Diário do Amazonas



Na cerimônia de formatura nesta quinta-feira, 23 de fevereiro, de alunos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), havia seis índios, cuja permanência no ensino superior foi apoiada pelo projeto Rede de Saberes, o que me fez lembrar um certo pajé indígena que viveu na Amazônia no século XVIII. Fiquei pensando no destino diferente desses jovens índios e do pajé Lourenço, cuja história merece ser lembrada.
Era assim que se chamava: Lourenço, um sábio, que na sua comunidade de origem "acumulava funções de caráter religioso e médico". Ele conhecia as plantas e ervas medicinais da Amazônia, cada uma por seu nome, sabia para que serviam, e usava esse saber para, com ervas e rezas, curar os enfermos. Por isso, foi preso como “feiticeiro”, em 1737, não se sabe onde, provavelmente no rio Japurá – acredita-se – já que ele chegou a Belém do Pará escoltado por uma tropa de resgate, que naquele ano havia subido aquele rio recrutando índios para o trabalho compulsório.
Quem nos fala do pajé é o historiador e padre português Serafim Leite (1890-1969) na sua monumental Historia da Companhia de Jesus no Brasil, de dez tomos e mais de cinco mil páginas. Ele fuçou os arquivos europeus durante algumas décadas, os de Portugal, da Itália e da Espanha, entre outros.
Apoiado em fragmentos de documentos, Serafim Leite reconstitui a vida de "um tal Lourenço", o pajé, que viveu 21 anos sempre como serviçal no Colégio de Santo Alexandre, em Belém, “com muito bom procedimento". O padre Lucas Xavier, em seu Diário de 1756-1760 citado por Serafim Leite, dá um atestado de boa conduta ao pajé: "Não era homem de mulheres nem de aguardente: só uma vez o vi um tanto alegre, que é muito para índios”.
Durante mais de duas décadas, Lourenço ficou proibido de exercer a pajelança. Escondeu o seu saber. No lugar de curar e de rezar, foi carregar água para o lavatório dos padres – “raras vezes faltava nele”. A outra obrigação era “cuidar do horto do Colégio, plantando legumes, cheiros e flores”. Lourenço morreu no dia 27 de setembro de 1758 e foi enterrado na própria igreja do Colégio de São Alexandre, “debaixo do estrado da banda de São Miguel”, sepultando com ele os saberes que foi proibido de exercitar.
Serafim Leite diz que registrou o caso do pajé Lourenço para ilustrar um ponto que ele acha importante de esclarecer, relacionado a dois tópicos geradores de tensão: de um lado, os conflitos entre as religiões indígenas versus o catolicismo apostólico e romano e, de outro, as contradições entre o uso da língua portuguesa e das línguas indígenas, o pajé era proibido de falar a sua língua materna.
O jesuíta português, que em sua adolescência viveu no Rio Negro, onde trabalhou como seringueiro e conviveu com os índios, tenta justificar o fato de aquele homem, que era um sábio indígena – “dotado de boas qualidades” – acabasse se transformando em um obscuro auxiliar doméstico. Não consegue esconder seu incômodo de historiador do século XX com o destino daquele pajé do século XVIII, que foi obrigado a abdicar de seus saberes e de sua língua para limpar penico dos missionários.
Por isso, Serafim Leite tenta justificar a ação missionária, argumentando que essa foi a alternativa mais correta para o Brasil moderno, alternativa que para ele excluía as demais:
- “O que seria melhor para o Brasil, continuar o pajé a ser o primeiro ou o segundo de sua Aldeia, mas pagão, ou o homem útil, trabalhador, morigerado, cristão em que se trocou? Se a primeira alternativa fosse a mais útil para a civilização brasileira, a conclusão seria que se deviam arrasar os arranha-céus do Rio de Janeiro e as fábricas de São Paulo e as Universidades do Brasil, para voltarmos todos à choupana da selva, a pescar à flecha e a contar pela lua...”
Ou seja, já que não se pode explodir os edifícios e fábricas, que se toque fogo, então, nas malocas. Da mesma forma que os colonizadores de ontem e de hoje, o padre e historiador não admite a possibilidade de, no Brasil, conviverem a aldeia e a cidade, a maloca e o arranha-céu, o conhecimento tradicional do pajé e o conhecimento acadêmico da Universidade, a língua portuguesa e as línguas nativas, a medicina indígena e a medicina ocidental. Não via que uma necessariamente não exclui a outra. Ignorava a diversidade, a convivência dos diferentes.
Por causa dessa intolerância, o pajé Lourenço teve de abdicar de sua própria religião e de sua língua. Sua história está cheia de lacunas: não se tem informações sobre sua identidade, etnia, língua materna, lugar preciso de origem, nem detalhes sobre sua relação com os padres da Companhia. Sabe-se, no entanto, que foi condenado como feiticeiro e que seu saber não foi reconhecido como legítimo.
As universidades brasileiras, ao longo da sua curta existência, trataram os índios como o Colégio Santo Alexandre, no Pará, tratou o pajé Lourenço: excluindo-os, a eles, suas línguas e seus saberes. Agora, a presença dos índios está beneficiando as instituições de ensino superior, que ganham muito com a presença deles em seus corredores, salas de aula, bibliotecas e laboratórios.
Essa abertura tem trazido, em alguns casos, mudanças significativas na grade curricular, com introdução de novas disciplinas e a criação de novos cursos como de agroecologia, línguas indígenas, educação ambiental e outros. Na Universidade Federal de Minas Gerais, o Curso de Formação Intercultural de Professores abrigou mais de cem índios, que foram submetidos a um vestibular, onde seus conhecimentos tradicionais tinham algum peso.
É que os índios que hoje freqüentam as universidades levam com eles para dentro da instituição um conjunto de conhecimentos. Foi assim com os Ticuna, Kokama, Kambeba e Kaixana da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) que se formaram no final do ano passado no Alto Solimões e que não foram obrigados, como o pajé Lourenço, a apagar de sua memória o que sabiam.  
Foi assim também com os seis índios formados pela UEMS há três dias: Indianara Machado (Enfermagem), Leosmar Antonio e Mary Jane Souza (Ciências Biológicas), Jailson Joaquim (Física), Noemi Francisco (Letras-Inglês)  e Genivaldo Vieira (Direito).
Esse dado historicamente novo representa uma tentativa de convivência de culturas, línguas e saberes tão diferentes, mas todos eles legítimos. Tudo isso baseado num princípio claro e cristalino que Marcos Terena gosta de enunciar: "Posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou".
Fonte: TAQUIPRATI  

Em Manaus, comunidades rurais realizam ato público pelo direito à terra


BICUDO FOREVER - 30 anos do palhaço Bicudo


Espetáculo de Mimica e represes de Circo, com o Artista circense Sergio Bustamante, dias 1 e 2 de Março as 20 horas na Livraria Valer,R$10,00

fevereiro 27, 2012

"Intelectuais orgânicos?", por Manolo & João Bernardo

Intelectuais orgânicos?


PICICA: "No final de 1984 um de nós veio pela primeira vez ao Brasil dar aulas e fazer palestras. O PT tinha nascido há poucos anos, a CUT tinha sido fundada no ano anterior, o regime militar estava na agonia, ninguém duvidava de que haveria proximamente grandes mudanças, mas quais? E era inevitável que nas palestras, por vezes nas aulas também, me perguntassem o que tinha a dizer acerca dos intelectuais orgânicos. A minha resposta era invariavelmente a mesma, e deixava todos insatisfeitos, se não incomodados. “Intelectuais orgânicos? No Brasil há um intelectual orgânico, um único, Adoniran Barbosa”. Mas fui de um extremismo excessivo. Se fosse hoje, agregaria nomes como Zé Keti, Bezerra da Silva e outros que tais.

O que os universitários de esquerda hoje fazem é a desapropriação dos intelectuais orgânicos populares
Por Manolo & João Bernardo
Vamos armoçar
Sentados na calçada
Conversar sobre isso e aquilo
Coisas que nóis não entende nada

Adoniran Barbosa,
Torresmo à Milanesa.
Passa Palavra publicou uma vez uma fotografia, tirada por uma colaboradora do colectivo, excelente fotografia, como algumas outras que publicámos. Quatro pessoas numa ocupação em São Paulo. Olhem bem.
fotografia
A organização da imagem parece uma réplica das fotografias burguesas e pequeno-burguesas do século XIX. As figuras principais ao meio, sentadas, ladeadas por figuras acessórias, de pé. Por detrás, no lugar onde nas antigas fotografias havia uma cortina que marcava o espaço do retrato, como um palco num teatro com o seu pano de fundo, existe nesta fotografia a lona preta da barraca. Mas aqui ela marca dois espaços. Para a frente, o espaço da ocupação, onde estão os quatro personagens e que os define e lhes dá significado e valor. Para trás, o espaço urbanizado da classe dominante, as torres de bons apartamentos com vista panorâmica. Quem lá mora pode olhar para tudo em conjunto e para nada em particular. Mas do lado de cá da lona preta podemos observar a particularidade das coisas.
O sofá é velho, ninguém vai levar um sofá novo para uma ocupação. Mas foi escolhido com cuidado, cores sóbrias, padrão moderno. E sentados no sofá estão uma mulher e um homem; um casal, porque os corpos se encostam. Na verdade é o homem que se encosta à mulher, à vontade, ocupando espaço, a perna projectada para o lado, o rei do terreiro, seguro de si, corpo seco, musculatura firme, cabeleira rebelde e olhos de quem já viu muita coisa. E ela, cruzando as pernas quando ele as tem abertas, nesse contraste define o seu carácter, reservada, sem espalhafato, um sorriso tenso, um pouco de circunstância — o homem tem-no natural e de todos os dias — menos à vontade, mais inquieta, e decerto com razão, porque talvez saiba melhor do que ele o custo das coisas.
De um e outro lado as figuras de pé não ignoram que, para aquele retrato, são secundárias e assim se comportam. Atenuando a expressão do rosto, o homem da esquerda vale esteticamente pela grande mancha branca da blusa, que se destaca da lona preta e que, continuada na blusa da mulher e na cadeira e no balde, estabelece desde o canto superior esquerdo até ao canto inferior direito uma diagonal que, em contraste com as restantes horizontais, estrutura a imagem e lhe dá o dinamismo. Este homem da esquerda tem na cabeça um boné com o logotipo de uma rede de lojas de produtos baratos, que decerto não conta como clientes os habitantes das torres ao fundo, e numa mão segura instrumentos de trabalho, um martelo e uma pequena prancha, ilustrando de cima a baixo o consumo e a produção. O homem da direita mostra, sobre o peito nu, um crucifixo de madeira. Um figura a prática, o outro, a ideologia. E na margem da fotografia, mal tapada por um contraplacado, uma gaiola de pássaro, porque uma ocupação, se é para valer, é um lar ambulante, e se o casal tem um pássaro, sem ele não é uma família.
Quatro pessoas, tão diferentes, juntas. A partir desta fotografia um ficcionista poderia traçar a vida de cada uma, descobrir-lhes um passado, inventar-lhes um futuro, mostrar como os seus caminhos se cruzaram e como nasceu daí a ocupação. Esta fotografia hipnotiza porque vê-se nela aquilo que dá a força aos movimentos, a variedade de pessoas, cada qual com a sua trajectória, as suas certezas e as suas fragilidades, os saberes e as ignorâncias, e tudo isto se conjugando e potencializando numa teia de relações sociais em que de repente se descobre que agora uma pessoa vale muito mais do que sempre pensou que valia.
*
Mas esta fotografia hipnotiza por outro motivo também, pelo que ela não mostra. A fotografia não mostra os dirigentes nem as conversações com os vereadores nem as reuniões de direcção nem os acordos nem o germinar de dissidências. Sem isto não se tece a rede de relações que permite constituir um movimento, mas sem isto não se opera também aquela subtil transferência de lugares, dos sofás rotos para as cadeiras de sedes e daí para as poltronas de prefeituras, sem a qual é impossível as lutas serem assimiladas, recuperadas e contidas pela ordem dominante. A dialéctica entre a formação de militantes e a constituição de novas elites é o que se vê e não se vê nesta fotografia.
Àquela transferência de lugares e a esta dialéctica os chefes políticos e os professores universitários chamam: formação de intelectuais orgânicos.
No final de 1984 um de nós veio pela primeira vez ao Brasil dar aulas e fazer palestras. O PT tinha nascido há poucos anos, a CUT tinha sido fundada no ano anterior, o regime militar estava na agonia, ninguém duvidava de que haveria proximamente grandes mudanças, mas quais? E era inevitável que nas palestras, por vezes nas aulas também, me perguntassem o que tinha a dizer acerca dos intelectuais orgânicos. A minha resposta era invariavelmente a mesma, e deixava todos insatisfeitos, se não incomodados. “Intelectuais orgânicos? No Brasil há um intelectual orgânico, um único, Adoniran Barbosa”. Mas fui de um extremismo excessivo. Se fosse hoje, agregaria nomes como Zé Keti, Bezerra da Silva e outros que tais.
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intelectuais-5Mas, afinal, que vem a ser um intelectual orgânico além de uma expressão infelizmente equívoca?
Escrevendo na dura rotina da prisão, sob severas limitações da censura, Antonio Gramsci inovou no marxismo ao voltar-se para a assim chamada “superestrutura”. Não se tratou de diletantismo acadêmico, mas de uma necessidade prática: compreender a formação das vanguardas dentro da luta anticapitalista e sua relação com uma base social que, a partir da experiência dobienio rosso de 1919-1920, havia demonstrado sua capacidade de organizar autonomamente tanto sua luta quanto a própria produção econômica, mas que posteriormente servira de base ao fascismo.
Gramsci talvez tenha sido um dos primeiros no campo socialista a conceber os “intelectuais” como uma camada de indivíduos que dá homogeneidade e consciência de sua própria função a grupos sociais nascidos de uma função essencial no mundo da produção econômica. Assim, para Gramsci, o empresário capitalista teria criado consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, um novo direito etc. etc., e as tarefas desempenhadas por esta camada seriam, no mais das vezes, “especializações” de aspectos parciais da atividade primitiva do tipo social novo que a nova classe deu à luz. A base do novo tipo de intelectual estaria, ainda segundo Gramsci, na educação técnica, estreitamente ligada ao trabalho industrial, mesmo ao mais primitivo e desqualificado, e seu modo de ser consistiria num imiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor, organizador, “persuasor permanente”; da “técnica-trabalho”, eleva-se à “técnica-ciência” e à “concepção humanista histórica”, sem a qual se permanece “especialista” e não se chega a “dirigente” (as expressões aspeadas são do próprio Gramsci).
Malgrado seu enorme esforço de síntese, Gramsci errou o alvo.
Em primeiro lugar, porque “camadas” de indivíduos dentro de uma classe são tão condicionadas pelas circunstâncias de tempo e lugar quanto as próprias classes onde se situam tais indivíduos; ao tentar encontrar características comuns entre intelectuais de épocas tão distintas quanto, digamos, o Império Romano e a Revolução Industrial, Gramsci inseriu um elemento trans-histórico na estratificação social de cada época e embaralhou, por tabela, classes sociais existentes em modos de produção fundamentalmente diferentes. Em segundo lugar, porque, como consequência deste anacronismo, ao eliminar tais especificidades históricas Gramsci tornou-se incapaz de conceber, mesmo como hipótese, ondequando e como estariam dadas, e quais seriam, as condições para que os intelectuais deixassem de ser uma simples “camada” de indivíduos dentro de uma classe e se tornassem uma classe social de pleno direito. Em terceiro lugar, porque Gramsci, infelizmente, não se estendeu muito a respeito de quão próximos poderiam estar intelectuais oriundos de classes diferentes — reflexão que bem poderia ter como ponto de partida sua própria tentativa de aliança com o líder proto-fascista Gabriele D’Annunzio.
Diante de tais problemas, a distinção entre “intelectuais tradicionais” e “intelectuais orgânicos”, outro elemento desta teoria, perde o sentido, pois é a própria definição de “intelectual”, aqui, a perder fundamento. A teoria dos intelectuais formulada por Gramsci, tão arguto em outros assuntos, não é outra coisa além da tentativa honesta, porém inconclusa e talvez por isto equívoca, de uma reflexão sobre aformação das vanguardas de uma classe em processos de luta, e de sua posterior transformação numa elite.
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Fica a pergunta: será que Gramsci conheceria, pelo menos de ouvido, as teses de Jan Waclaw Makhaiski sobre a intelligentsia enquanto classe capitalista e o marxismo enquanto doutrina específica desta intelligentsia capitalista? Em que medida teria Gramsci tentado responder a Makhaiski? Mesmo que não conhecesse aquelas teses, podemos talvez considerar as teses de Gramsci sobre os intelectuais orgânicos como uma resposta às teses de Makhaiski sobre a intelligentsia.
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intelectuais-3Ora, a referência a uma classe social só adquire sentido através da referência a uma ou mais classes opostas. A dialética da exploração e da opressão liga intimamente as características e a estrutura interna das várias classes, e sob este ponto de vista a luta entre as classes consiste na transformação contraditória e conjunta de todas elas. Mas o mesmo não se passa com a noção de elite, que pode ser definida de maneira independente, enquanto estrato privilegiado. A estrutura interna de uma elite nem se relaciona com a de suas tradicionais opositoras, as massas, pois os teóricos das elites definem a massa precisamente pela sua incapacidade de organização própria; nem está em relação necessária com a estrutura interna de qualquer outra elite, porque a elite governa sozinha, e se aparece uma nova é apenas para liquidá-la e substituí-la.
Esta distinção entre os conceitos de elite e de classe social não se limita a ter repercussões ideológicas e reflete diretamente problemas práticos. Na sua ação anticapitalista os trabalhadores jamais deixaram de enfrentar dois tipos de inimigos, um que se apresenta a partir do exterior e o outro que é gerado no próprio seio da classe trabalhadora. Todos os fracassos do socialismo, sem qualquer exceção, têm resultado da sua incapacidade de agir conjuntamente em ambas as frentes de luta. E assim, ao mesmo tempo que os trabalhadores fazem recuar, dispersam ou aniquilam os capitalistas já existentes, eles têm repetidamente permitido que as burocracias geradas no movimento operário alimentem a classe dos gestores e inspirem novo fôlego ao capitalismo.
Nesta dialética, as elites do socialismo, em vez de darem corpo a um novo conceito sociológico independente do conceito de classe, constituem um dos elementos geradores de uma classe, a classe capitalista dos gestores. Mas a teoria das elites é incapaz de explicar, ou sequer de conceber, esta transformação dos membros de uma elite em membros de uma classe. Os autores que pretendem que o fenômeno da mobilidade social invalida, ou pelo menos compromete, a teoria das classes e justifica a aplicação de uma perspectiva de elites confundem classe com casta. É precisamente a mobilidade social que permite inserir o fenômeno das elites no quadro geral das classes, pois a formação de uma elite no interior de uma classe inferior corresponde à projeção desta elite para a classe superior. A classe superior é alimentada periodicamente por essas novas elites, como aliás Marx indicou numa passagem muito conhecida de O Capital. As elites só têm sentido porque são elites de uma classe, ou elites de uma classe transformando-se em componentes de outra classe. O conceito de elite padece, portanto, de uma assimetria profunda, porque as elites capitalistas continuam a ser capitalistas, enquanto as elites proletárias abandonam a sua classe de origem.
Se dissemos anteriormente que a reflexão de Gramsci sobre os intelectuais é inconclusa, foi não apenas por reconhecermos que seu desenvolvimento foi travado pela prisão e pela morte, mas porque reflete um momento em que a tensão permanente entre a construção de relações sociais novas pelos movimentos em luta e a recuperação destas novas relações sociais, sob formas deturpadas, por burgueses e gestores para a manutenção e desenvolvimento do capitalismo — ou seja, a ambiguidade estruturante do movimento operário — entrava em nova fase. Fundiam-se progressivamente, de um lado, um corpo de gestores oriundo do Estado e dos grandes trustes, e de outro um corpo de militantes acostumados a compartilhar com estes gestores o poder político nos parlamentos e o poder econômico nos sindicatos então já incorporados à institucionalidade capitalista. Estes gestores ainda não dispunham de força suficiente para enfrentar os proprietários dos meios de produção — burgueses, acionistas etc. — mas podiam influenciar os rumos do movimento operário, que já fazia tal enfrentamento.
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O problema da relação entre vanguardas e elites na luta de classes não é meramente teórico, mas uma questão prática de extrema importância para todos quantos procuram organizar-se para lutar contra o capitalismo, em qualquer de seus aspectos.
intelectuais-6É difícil duvidar de que existam vanguardas, qualquer que seja o nome que se lhe dê (“minoria ativa”, por exemplo). Em qualquer luta há os que são mais ativos, mais articulados, mais faladores, os mais bem relacionados, os que assumem mais tarefas, os que dispõem de mais tempo e recursos, os que conhecem na prática certas técnicas de mobilização. Esta é uma evidência, basta olhar. Um fato político de tamanha relevância para as lutas anticapitalistas só pode ser negado por quem quer que já se haja estabelecido enquanto vanguarda, mas prefira disfarçá-lo para tentar garantir privilégios; ou por quem pretenda, com razão, submeter aqueles primeiros a um rigoroso e necessário controle, negando sua existência na teoria na vã tentativa de fazê-los desaparecer na prática com suas palavras mágicas.
É difícil também duvidar de que os dois problemas principais que as técnicas da organização política revolucionária se destinam a resolver são o estabelecimento de uma coesão no seio da vanguarda e a formação de canais de relacionamento entre a vanguarda e as massas. Assim, enquanto os leninistas concentram a atenção no aperfeiçoamento dos canais que permitem veicular as ordens das vanguardas, ou seja, no aperfeiçoamento das formas de enquadramento das massas sob a autoridade das vanguardas, é preciso preocupar-se acima de tudo com o reforço da capacidade de ação das massas, que lhes permita exercer o máximo de controle sobre as vanguardas e, tanto quanto possível, suplantá-las ao exercer diretamente o máximo de atividade. Daí a necessidade de reduzir progressivamente a distinção entre vanguarda e massas, através de sua indicação direta pela base; de sua substituição a qualquer momento em que as próprias “bases” o desejem; de impedir a cristalização de determinados indivíduos como “lideranças naturais”, através da rotação frequente de funções; da gestão cada vez mais direta dos processos de luta pelo corpo social dos trabalhadores.
Mas é igualmente difícil crer que o fato de certas pessoas constituírem a vanguarda de uma dada luta ocorrida em dado lugar em dado momento deva servir de pretexto para as converter em vanguarda de todas as lutas em todas as circunstâncias. Esta eternização das vanguardas é um dos mecanismos fundamentais da sua conversão em elites e, portanto, da sua passagem para a classe dos gestores.
Nos processos revolucionários o autoritarismo e o centralismo são sempre um sintoma de recuo, não deavanço, e resultam do fato de a base ter por um motivo ou outro se tornado incapaz de conduzir autonomamente as lutas. A burocratização começa sempre pela base de um movimento, nunca pelo seu topo. Por mais que os dirigentes queiram às vezes assumir uma postura independente das bases, consagrar os seus privilégios momentâneos como um direito próprio e instituir um tipo de ditadura sobre as bases que os legitimam, jamais o poderão fazer se a luta mantiver um dinamismo coletivo e os trabalhadores comuns se conservarem ativos e vigilantes. Mas se os obstáculos que forem surgindo, o desânimo e as desilusões contribuírem para dissolver os elos coletivos e para transformar a atividade em passividade, então manifesta-se e desenvolve-se a burocratização, que constitui sempre uma forma de isolamento dos dirigentes.
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Tudo isto é posto de lado na formação de intelectuais orgânicos. Se a própria definição de intelectual em Gramsci é equívoca, porque anacrônica e por demais abstrata, não custa recordar que sua obra chegou ao Brasil não através do exemplo de sua prática — como foram, em épocas diferentes, Errico Malatesta e Che Guevara — mas por sua obra escrita, trazida pelos exilados que retornavam.
No Brasil, infelizmente e como sempre, a novidade veio de Paris. Na primeira metade da década de 1970 a ala renovadora, moderada e conciliatória do Partido Comunista Francês ressuscitou os escritos de Gramsci, considerando-o um precursor de Togliatti e do eurocomunismo. Na outra extremidade deste Partido Louis Althusser, enquanto se preparava mentalmente para vir a ser um filósofo pirómano e uxoricida, dirigia a artilharia da Escola Normal Superior contra o humanismo atribuído a Gramsci e contra a teoria da praxis, o que na realidade significava uma reacção do comunismo granítico contra um comunismo disposto a adoptar a democracia parlamentar. A polémica era esta e os seus dois termos pareciam ser os únicos existentes.
O complexo Gramsci que existiu de fato foi transformado pelos emigrados brasileiros de torna-viagem num Gramsci unívoco, monolítico, empregue como “autoridade teórica” tanto nos debates internos do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na virada da década de 1970 para a de 1980 quanto como legitimador de certas práticas do autonomismo que no Brasil então nascia. Em suma, o Gramsci militante e suas contradições deram lugar ao Gramsci dos intelectuais, em particular dos acadêmicos de esquerda.
Zé Keti num graffiti
Zé Keti num graffiti
Também no exílio parisiense, um de nós sentia-se entalado entre os dois pólos daquela polémica, porque por um lado era estruturalista e anti-humanista, por outro lado defensor de uma teoria da praxis, e como sair do dilema sem bater muitas vezes com a cabeça em muitas paredes? Curiosamente, foi naqueles mesmos anos que apareceu lá em casa um disco com Vinícius, Maria Betânia e não me lembro quem mais. Betânia cantava Carcará e alguém cantava a Nêga Dina. Fiquei fascinado por esta música, desde então a conheço de cor, embora só muito mais tarde, há poucos anos, viesse a saber que ela era de Zé Keti e quem era Zé Keti. Mas, de tudo, o que mais me impressiona nesta canção é o verso final, «sou um marginal brasileiro», com a última palavra cantada pausadamente, «bra-si-leiro». É claro que «brasileiro» não está ali só para rimar com «paradeiro», mas para converter um caso individual numa situação geral. O marginal não era só ele, era toda uma categoria social de um país, e é isto que torna o músico Zé Keti um intelectual orgânico. A mesma passagem do individual ao colectivo que existe no teatro grego, onde as tragédias pessoais se explicam pelo destino marcado nas relações sociais, existe na Nêga Dina e no seu «marginal brasileiro».
O que os universitários de esquerda hoje fazem, com os cursos para o MST e outros movimentos, é a desapropriação dos intelectuais orgânicos populares. Vão dizer aos explorados que — ora, bolas! — eles são explorados; às mulheres e aos negros — que novidade! — que são cotidianamente oprimidos; e por aí vai. Pouco importa a esses universitários a forma como as pessoas comuns compreendem a exploração e a opressão a que são sujeitados e como as articulam com problemas gerais. Vale mais subjugar este conhecimento prático a esquemas acadêmicos pré-moldados do que fazer dele a base para a luta. Trata-se, a nível ideológico, do processo de assimilação e recuperação de militantes de uma classe para outra.
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Adoniran Barbosa num graffiti
Aplicando aqui os modelos de análise estruturalista de que um de nós tanto gosta, a função do intelectual académico não é só elaborar teorias. É, no mesmo gesto, esconder que existem teorias elaboradas por intelectuais não académicos. A função explícita do discurso académico é uma, que bem conhecemos; mas a sua função implícita é ocultar que existem outros discursos, elaborados noutros níveis e com outras regras. Os estruturalistas diriam, e eu também, que esta segunda função é mais decisiva do que a primeira.
A isto resiste o intelectual orgânico Adoniran Barbosa no Torresmo à Milanesa, quando se retrata, a ele e a uns colegas, «sentados na calçada» e, mudando subitamente a perspectiva para a arrogância das elites, Adoniran acrescenta ironicamente que estão a conversar sobre «coisas que nós não entende nada».
Foi estes intelectuais orgânicos populares que nos fez lembrar aquela fotografia, os que sabem falar com discernimento sobre «coisas que nós não entende nada».