fevereiro 18, 2012

"Dos esquecimentos e vertigens: entrevista com Claudia Nina" (Vanessa Souza)


Dos esquecimentos e vertigens: entrevista com Claudia Nina

"Acredito na forma. Acho que uma história precisa ser contada de determinada maneira e não de outra."
por Vanessa Souza (17/02/2012)
em EntrevistasLiteratura


A primeira vez que minhas retinas avistaram a sorridente Claudia Nina foi num ciclo de palestras sobre Clarice Lispector, em dezembro passado. Não há como não gostar de quem estuda Clarice, pensei. Não estava enganada. Claudia acabou de lançar o pungente – no entanto, de um humor agridoce – Esquecer-te de mim (Ed. Babel). Fui ao lotado lançamento do seu primeiro romance, mas só depois conversaríamos sobre sua cria.
Esquecer-te de mim traz três personagens em momentos de rompimento. Se viver já é perigoso, romper é quase letal. A transformação está a um passo, mas a inércia, a vertigem (e segundo Milan Kundera a vertigem é “a embriaguez causada pela nossa própria fraqueza, queremos ser mais fracos ainda, queremos desabar em plena rua, à vista de todos, queremos estar no chão, ainda mais baixo que o chão”) é maior, demasiadamente maior para as personagens. Um livro que causa certo atordoamento, como toda grande obra de arte.
Claudia Nina é jornalista e nasceu no Rio, onde mora. Assina uma coluna literária na Reader´s Digest Seleções e também na revista Pessoa. Ex-editora do caderno Ideias & Livros do Jornal do Brasil, foi professora-visitante na Uerj, no curso de Letras. Tem três livros publicados: A palavra usurpada (Editora da PUC-RS), de 2003, sobre a obra de Clarice Lispector, tradução de sua tese de doutorado em Letras pela Universidade de Utrecht, na Holanda; A literatura nos jornais: A crítica literária dos rodapés às resenhas (Summus), de 2007, e o infantil A barca dos feiosos(Ponteio), em parceria com o ilustrador Zeca Cintra, que apresentou como finalização do curso Publishing Management, da Fundação Getúlio Vargas, em 2010. Publicou ainda em 2011 o ABC de José Cândido de Carvalho, perfil biográfico do autor de O coronel e o lobisomem, pela José Olympio.
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AmálgamaClaudia, seu romance traz três personagens em momentos… limítrofes? Ou de uma grande revelação? Fale-me delas.
Claudia Nina: São personagens em crise. Até porque, sem a crise, um romance não se sustenta. Falasse eu só de alegrias, e a história seria qualquer outra coisa menos literatura. Todas as personagens estão no limite da queda – e caem! – mas descobrem cada qual o caminho da reviravolta. Acho que, mais do que revelação, falo de consciência. É o momento do despertar, ou seja, quando as personagens descobrem que estão sofrendo e que precisam mudar o rumo da prosa. Tudo isso com muito humor; não tenho vocação para escrever sem este recurso. Acho sinceramente que a consciência do próprio ridículo é um passo importante para a libertação – você passa a sofrer menos quando percebe a sua porção ridícula. E mais: quando abre a janela do quartinho mofado, eis uma das metáforas do romance. É óbvio dizer isso: sem o abafamento, vida é mais ventilada. Contudo, não é fácil esta percepção quando se está em plena crise; às vezes, a pessoa não percebe que está vivendo sem ar. O momento de abrir a janela acontece em câmera lenta – se eu abrir de um rompante a janela, a luz do sol pode me confundir… Lembrei agora de uma obra de que gosto muito, O estrangeiro, de Camus.
Um dos capítulos termina com “Sim.” e outro com “Nunca mais.” Sinto um aroma clariceano aqui…
Certamente, porque Clarice Lispector é objeto da minha dissertação de mestrado e da minha tese de doutorado. É uma referência constante. Mas não tenho a menor pretensão de claricear seriamente nada. Seria ridículo, rs… Gosto da proximidade consciente em nível de citação ou reverência. E o capítulo que você cita, o que termina com “sim”, é uma referência explícita aUlysses, de James Joyce, além, claro, de também se referir a vários momentos em que o “Sim” tem participação importante na obra de Clarice – o começo de A hora da estrela é estonteante neste sentido: “Tudo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida”. Há uma série de outras referências explícitas a Clarice, como o nome de umas das personagens, Laura… Lembra-se da Vida íntima de Laura? – Laura, aqui, uma galinha!
Esquecer-te de mim é seu primeiro romance. Como foi escrevê-lo?
Nada fácil. Foi bem penoso até. A escrita leve parece fácil, mas demandou uns 4 anos até que eu conseguisse deixar o romance do jeito que eu queria. É uma estrutura em trança, complicada, mas tinha que ser assim. Acredito na forma. Acho que uma história precisa ser contada de determinada maneira e não de outra. Não conseguiria tornar estes pedaços de vida lineares, sem quebras, afinal, as personagens se confundem, a dor de uma é também a dor que se avizinha na outra; todas caem o mesmo tombo e se levantam com a mesma cabeça erguida. E, aqui, já que você falou em Clarice, me lembrei da frase célebre: “(…) de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo” – última frase de Perto do coração selvagem.
Subinhei trechos do livro (vários, e alguns estão aqui) e gostaria que nos destes algumas palavras acerca deles. “Quem poderá tirar de mim o tanto que vivi, meus também trapos de existência? O pensamento é um campo minado. Muito cuidado”(p. 9). “A fraqueza é uma forma de maldade, às vezes penso. (…) São os piores malvados do mundo”(p. 25). “Foi embora sem comer toda a lasanha. Que pena, sobrou tanto. De mim, quis bem pouco. Que pena, sobrei tanto”(p. 31). “Talvez ‘nunca mais’ seja dramático. Gosto de me arrastar na palavra ‘depois’. Que palavra mais vaga. Não há nenhum indício temporal em ‘depois’. Ah, ‘depois a gente conversa’, ‘depois eu passo aí’, ‘depois te conto’, ‘depois eu vejo’… Tanta coisa se deixa para depois”(p. 48). “(…) a gente passa pelos fatos e sente o tombo, quando se lembra do tamanho da altura, o tombo volta a dolorir”(p. 66).
Então, você sinalizou trechos de diferentes personagens e, no entanto, poderíamos embaralhar tudo e ninguém saberia onde recolocá-los… São pontos de queda ou lances do início da tomada de consciência de que elas não querem mais sofrer. É uma conta: fazem o somatório das perdas e do tanto de energia que vão precisar gastar para não perderem tanto de si mesmas… No final das contas, quando a amargura avança, a maior perda é sempre o esfacelamento da alma, triturada, sobrada, pisoteada pelos amores perdidos… Ora, as personagens, nestes momentos em que “ruminam” os pensamentos, estão digerindo as despedidas.
Quando você decidiu que escreveria livros?
Foi um caminho natural depois da tese de doutorado, publicada pela PUC-Rs com o título A palavra usurpada, título, aliás, lindo, ideia da Maria da Glória Bordini. A primeira pessoa que leu meu trabalho aqui no Brasil foi a professora Regina Zilbermann, na época ligada à editora e àquela universidade. Regina foi uma pessoa criteriosa e muito importante neste meu primeiro momento de retorno ao Brasil, chegando com uma reflexão sobre Clarice nas mãos… A obra foi imediatamente traduzida e assim começou tudo.
Como é a sua rotina para escrever?
Nada organizada, mas tenho um horário em que produzo mais, que é depois das 22 horas quando minhas filhas dormem, a casa e os arredores também. Engraçado: sempre trabalhei com o barulho das redações, mas gosto cada vez mais de produzir em silêncio. Assim eu me escuto melhor. Eu não escrevo a lápis nem rabisco nada. Só consigo pensar digitando. É a questão da forma… Acho que isso está relacionado ao trabalho como jornalista. Agora descobri aquele caderninho do iphone e ali já comecei a digitar as primeiras linhas do meu segundo romance! Eu faço sempre umas 20 coisas ao mesmo tempo: às vezes paro de escrever uma coisa para pensar em outra completamente diferente; às vezes interrompo tudo e vou arrumar os armários ou ler jornais ou brincar de facebook… É claro que quando estou muito concentrada em um capítulo aí a atenção é total e me tranco. Que ninguém me grite porque não vou ouvir!
Quais livros tem ocupado as suas estantes, ontem e hoje?
Não sou uma pessoa de leituras clássicas. Li os clássicos básicos e gosto muito, mas não tenho o hábito de voltar a eles. Minhas leituras mais constantes são, além de Clarice, obviamente, Antonio Tabucchi, José Saramago, Julio Cortázar, Caio Fernando Abreu, Hilda Hilst… Mais recentemente, uma descoberta fabulosa: valter hugo mãe, um dos grandes da atualidade, ao lado de Gonçalo M. Tavares. Leio muito os contemporâneos, adoro a turma que está publicando atualmente no Brasil, tento ficar atenta a tudo até porque assino uma coluna na Seleções de lançamentos nacionais. Gosto muitíssimo de Albert Camus e um dos livros que mais me fala de perto é A queda. Aliás, meu próximo romance terá como cenário Amsterdã…
Fonte: Amálgama

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