maio 20, 2012

"12Méier: o soviete pós-moderno", por Bruno Cava

PICICA: "No 12 de maio do Méier (o 12Méier), onde esteve este blogue, aconteceu uma atividade resultante da cooperação voluntária, não-remunerada, aberta e transversal, de pessoas e coletivos desejantes de confrontar a máquina política e antropológica dominante. Também chamada capitalismo. Um sistema socioambiental que se utiliza das mais diretas e mais sutis coações, para explorar a riqueza de vida dos 99%, em benefício do 1% bem situado, um regime biopolítico que frustra sistematicamente a superabundância do mundo, impondo os limites da escassez, a chantagem da miséria, a pressão da normalidade e a cabeça do colonizado. Não à toa, o 12Méier, — contornando malandramente as investidas (todavia óbvias) de marcas e capitais simbólicos, e algumas tentativas de hypar o ciclo geracional de lutas, — promoveu uma sequência de fôlego de ações político-culturais, voltadas a romper a bolha e libertar o excesso inesgotável de relações que nos atravessam e constituem a pólis, seus fluxos, suas redes." EM TEMPO: Manaus anda amadurecendo o seu Occupy. Hoje a cidade amanheceu com faixas #VETADILMA; ontem teve Marcha da Maconha; o SOS Encontro das Águas foi várias vezes à rua, revitalizando o movimento socioambiental...; a luta antimanicomial anda meio borocochô (é mais fácil nossos militantes apoiarem outros movimentos, sendo que o inverso não é verdadeiro)... O que tá faltando para os movimentos sociais ocuparem praças e parques para discutir as questões contemporâneas. Temas tabus vieram à luz. Só falta romper o silêncio contra as hidrelétricas. A propósito, enquanto, por aqui meu vídeo 'BALBINA NO PAÍS DA IMPUNIDADE' teve míseros 20 acessos. Foi só mudar de estratégia e buscar apoio em outras redes sociais, o vídeo já ultrapassou 570 acessos. Coragem, pessoal, temos muitas coisas em comum. Somos Multidão, o que que há!

12Méier: o soviete pós-moderno


No Rio de Janeiro, a mobilização global do 12M aconteceu em dois lugares. A expressão carioca do movimento Occupy resolveu ocupar uma praça no Méier, um bairro da Zona Norte, região menos “nobre” do que a ultravalorizada Zona Sul. E menos central do que a Cinelândia, que havia sido ocupada pela OcupaRio por 42 dias, em 2011. Noutra experimentação, outros grupos, inclusive empresas de produção cultural, ocuparam um espaço na Lapa, coração boêmio, cultural e turístico da cidade.

No 12 de maio do Méier (o 12Méier), onde esteve este blogue, aconteceu uma atividade resultante da cooperação voluntária, não-remunerada, aberta e transversal, de pessoas e coletivos desejantes de confrontar a máquina política e antropológica dominante. Também chamada capitalismo. Um sistema socioambiental que se utiliza das mais diretas e mais sutis coações, para explorar a riqueza de vida dos 99%, em benefício do 1% bem situado, um regime biopolítico que frustra sistematicamente a superabundância do mundo, impondo os limites da escassez, a chantagem da miséria, a pressão da normalidade e a cabeça do colonizado. Não à toa, o 12Méier, — contornando malandramente as investidas (todavia óbvias) de marcas e capitais simbólicos, e algumas tentativas de hypar o ciclo geracional de lutas, — promoveu uma sequência de fôlego de ações político-culturais, voltadas a romper a bolha e libertar o excesso inesgotável de relações que nos atravessam e constituem a pólis, seus fluxos, suas redes.

Na Idade Média, os fanáticos repetiam “Deus quer!” para encerrar qualquer discussão, o que hoje acontece na versão secular “Mercado quer!”; ao que o 12M responde com muitos e entrecruzados quereres, por moradia, por mobilidade, por saúde, por educação, por ação afirmativa, por renda universal, pelo autogoverno dos bens comuns e de seu processo de geração.

O 12Méier ocupou a praça Agripino Grieco, um local movimentado do bairro. Se, no ano passado, a OcupaRio teve de erigir um oásis no quase deserto da Cinelândia; o Méier já sustenta por si mesmo uma dinâmica de encontros e acontecimentos, — que à ocupação coube se entrosar e multiplicar. Os militantes da OcupaRio (isto é, qualquer um que chegasse) pediram licença e se relacionaram com o território produtivo. É incrível, como é simples para as pessoas se aproximarem, se cruzarem, partilharem e reexistirem juntas, quando atraídas, interpeladas para fora dos ritmos, expectativas e esmagamentos da “vida normal”. É como se a vistosa respiração da metrópole, essa oxigenação gigantesca, estivesse sufocada  pelo trânsito, no metrô, no ônibus, no trem, pelos relógios e compromissos e contas a pagar, pela onipresente publicidade que prega a falta, pelo comportamento padrão cobrado dos anônimos, passantes e “populares”, pelo machismo, racismo e moralismo. Quando se instala algo como a acampada, permanente ou transitória, se abre uma outra dimensão dentro do real, um surrealismo ativista de altíssimo teor político. Quantas possibilidades, quantos encontros! As relações fervilham, as alianças, outrora de conveniência ou amenas, vão se demonizando: os grupos e coletivos se fortalecem, se misturam, se reinventam.

Talvez valha a pena resgatar a ideia demodê de soviete. O soviete original articulava o processo decisório (o Conselho) com as forças produtivas. Mas era uma produção voltada à industrialização, à racionalização, ao progresso e à modernização da humanidade, diante do arcaico, do incivilizado, do oligárquico, do corrupto. Nesse sentido, e é lamentável, já temos o governo com seus atavismos sovietizantes, e não se erra muito chamar Belo Monte de último projeto socialista.

O soviete agora em questão, das acampadas e do Occupy, visa à pós-modernização. A articulação entre relações de produção e forças produtivas mudou por completo. Não mais a produção industrial e o reino do quantitativo, mas o viver mesmo, o viver bem. O proletariado não se unifica mais no partido, que produz a decisão para gerir bem os recursos e distribuir o excedente (este, o PT majoritário). O que está acontecendo no mundo mostra que a multidão não precisa de partido ou sindicato pra decidir. Ela põe em questão um do in antropológico, um devir-índio que descoloniza o pensamento e atravessa todas as culturas de resistência, como alteridade radical ao projeto da modernidade. O soviete pós-moderno faz da luta de classe uma transformação antropológica, transformações de transformações. O proletariado deveio: na respiração ofegante da metrópole, no seio do que precisamos pesquisar as formas de auto-organização e mobilização.

Bolchevique ao avesso, fica a tarefa, para os ocupantes do globo, de trançar o fio vermelho das acampadas e redes, atrás de algo como um congresso pós-moderno de sovietes, um que reinventará o comunismo, a própria metrópole como usina biopolítica livre do capitalismo.

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Cartaz rodchenkovista: Bárbara Szaniecki

Fonte: Quadrado do Loucos

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