julho 25, 2012

"Lideranças Negras: diferenças entre gêneros", por Silvana Bárbara G. da Silva

PICICA: "As vozes e direitos das mulheres negras em relação ao trabalho tiveram suas primeiras manifestações na década de 1940 — lembrando que a imprensa teve uma contribuição importante para este princípio de mobilização às causas destas mulheres. "



Lideranças Negras: diferenças entre gêneros

Hoje, dia 25 de julho, é o Dia da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha. Trata-se de um dia específico para analisar a dupla opressão da mulher negra (por racismo e gênero) e suas lutas para vencer a discriminação.

Para evidenciar este dia, propomos uma reflexão sobre as as lideranças negras femininas e, como enfrentam o preconceito quando são protagonistas principais de uma causa ou assumem cargos de coordenação dentro de uma empresa.

Dentro das desigualdades e opressão a que as mulheres são vítimas, está a questão das lideranças femininas. Um assunto que merece destaque, seja no mercado de trabalho ou em grupos de movimentos políticos e sociais. Porém, dentro deste parâmetro, a desigualdade aumenta quando além de gênero, as mulheres passam por discriminação por serem negras.

Mesmo em grupos que atuam na defesa dos direitos das pessoas da raça negra, como o movimento negro, as mulheres muitas vezes são consideradas como coadjuvantes e vítimas do preconceito de gênero que parte dos próprios militantes negros.

No mercado de trabalho, as negras ainda têm menos garantias de direitos do que as mulheres brancas. E isto torna-se evidente quando se pesquisa sobre sua condição profissional, sendo que seus salários são inferiores aos das brancas, mesmo tendo o mesmo nível de escolaridade.

As mulheres negras ainda estão concentradas e exercendo sua função como trabalhadoras informais ou em posições operacionais. Desemprego também é mais abrangente para mulheres negras, justamente por serem vítimas desta dupla opressão.

Por este contexto, não é difícil verificar a dificuldade de uma mulher negra chegar em uma posição de liderança dentro de uma empresa. Mesmo que homens negros apresentem esta dificuldade, ainda há a influência na seleção de profissionais para receber um cargo de liderança no que diz respeito ao gênero.

As vozes e direitos das mulheres negras em relação ao trabalho tiveram suas primeiras manifestações na década de 1940 — lembrando que a imprensa teve uma contribuição importante para este princípio de mobilização às causas destas mulheres.

A imprensa negra até então tinha suas publicações voltadas ao universo do homem negro, abdicando de qualquer intervenção e inclusão de gênero. Um dos jornais a retratar a questão das mulheres negras na época foi o Quilombo, vida, problemas e aspirações do negro. Foi um novo momento da imprensa, que deu espaço à participação e mobilização das mulheres negras através de congressos nacionais e movimentos organizados das empregadas domésticas.

Foram as primeiras organizações que referenciaram as mulheres como participantes ativas do mercado de trabalho, sendo o foco dado às negras. As lideranças negras femininas estavam, nesta época, se organizando para o reconhecimento e regulamentação do trabalho das domésticas, com o intuito de conseguir melhores salários, horário de jornada de trabalho adequada à condição de profissionais e não de escravas e a formação de um sindicato.

Ainda que de forma um pouco tímida, as lideranças negras femininas em trabalhos sociais vêm crescendo. Em muitas regiões periféricas, existem mulheres que realizam trabalhos muito importantes relacionados às causas dos pobres e/ou do povo negro.

São mulheres que vivem ou já viveram o dilema dos variados problemas sociais e se dedicam voluntariamente aos trabalhos em comunidades. Com a responsabilidade de idealizar, planejar e colocar em prática projetos que podem promover mudanças incisivas na vida de muitas pessoas marginalizadas. Mas, muitas vezes, a liderança das mulheres negras nestes trabalhos sociais também é renegado a segundo plano pelos homens, inclusive os negros. Como contrapartida deste preconceito, algumas mulheres se destacam em lutas que atingem diretamente o próprio opressor, como posses de terra, cadastramento de moradores e uma funcional organização comunitária.

É a necessidade de representatividade dentro da sociedade que faz com que as mulheres negras busquem a integração dentro de ambientes a elas negados pela discriminação. A opressão vivida por seus próprios companheiros de luta com relação à raça, faz com que estas mulheres se dediquem no trabalho que realizam, buscando fazer o melhor possível. E é neste contexto que acabam liderando, mas muitas vezes sem o reconhecimento necessário.

Esta realidade está presente no trabalho de Luciane Gomes, militante do movimento negro que tem um trabalho muito importante em comunidades e pelas causas dos movimentos sociais. Ela relatou em uma entrevista para nós, um pouco sobre suas experiências como líder mulher e negra levando em consideração esta dupla opressão.

1) Como entrou na militância?

Luciane: Comecei a participar do movimento negro há 15 anos, por influência de alguns colegas que já tinham experiência. Sempre tive interesse pela luta contra a discriminação, e logicamente que me envolvi no movimento pelo fato de sentir na pele a discriminação racial. Aos poucos fui me envolvendo, e como é normal, quando começamos a ir atrás e conseguir resultados, logo somos muito bem requisitados, e nos tornamos responsáveis por muitas das decisões dentro de um grupo.

2) Passou por preconceito dentro do movimento pelo fato de ser uma líder mulher?

Luciane: Além do fato de passar por preconceito por tratar de assuntos que dizem respeito aos direitos do povo negro, tive sim momentos desagradáveis com alguns ativistas homens. No começo muitos não aceitavam minhas ideias, ou simplesmente achavam que aquele não era o caminho, sem ao menos colocar em prática. Meu trabalho também é feito em comunidades, onde também é muito difícil a influência das mulheres. Foi difícil a entrada nestes espaços, e considero que este foi o momento mais marcante pelo que passei como opressão. A aceitação dos líderes das comunidades (em sua maioria homens) foi quase impossível e por vezes tentei desistir. Foi realmente muito difícil.

3) Você vê progresso no movimento? Quais os planos para o futuro?

Luciane: Dentro do movimento vejo progresso, pelo número de mulheres que estão se dedicando ao trabalho como ativistas e nas organizações de nossas atividades. Esta nova geração é bem transformadora, são jovens que não desistem fácil de situações nas quais são vítimas de um preconceito escancarado. Adoro os jovens, têm sempre muito a contribuir. E esta juventude sabe enfrentar os problemas com muita garra, principalmente as mulheres. A dupla opressão encorajou ainda mais as meninas para seguirem na luta pelas causas do povo negro e também dos direitos das mulheres. E este é nosso futuro.

*Texto em parceria com Karen Polaz.

Silvana Bárbara G. da Silva

Designer e pesquisadora. Militante em constante aprendizado pelas causas feministas, raciais e estudantis.

Fonte: Blogueiras Feministas

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