agosto 19, 2012

"A Formação em Saúde Mental: ousemos avançar", por Ana Marta Lobosque

PICICA: "Mantendo esta fidelidade à sua origem e sua história, o movimento antimanicomial deve, sim, ousar avançar na formação. Aliás, deve avançar inclusive na formação dos usuários, que já não se contentam com a dimensão do depoimento pessoal, e buscam qualificar sua fala, assim como se tornam cada vez mais ousados em suas produções artística – como se vê, por exemplo, na Mostra de Arte Insensata realizada em Belo Horizonte no ano de 2008. 

Nessse avanço, é importante conquistar lugares nos mestrados e doutorados, nas pesquisas, nas publicações: não para legitimar nossas posições com o aval do discurso científico, mas convocando-o para ajudar-nos a refletir, assim como a disciplinar e expor nosso pensamento. São inúmeras as questões que poderíamos explorar e aprofundar por esta via. Por exemplo, no campo mesmo da psicopatologia e da psicofarmacologia, e mesmo das neurociências, não há indagações que desejaríamos colocar a partir de outros ângulos que não os habituais? Não seria interessante uma pesquisa psicofarmacológica que considerasse os fármacos como um recurso, e não como asolução? Ou uma outra que investigasse as eventuais alterações dos neurotransmissores, dos cromossomos, etc, na esquizofrenia, sem obrigar-se a dar-lhes um estatuto de causa? Ou outra, ainda, que explorasse as possibilidades de uma experiência de ensino da psicopatologia protagonizada por quem vivencia o sofrimento psíquico, como nos mostra o belo trabalho de Erotildes Leal no mesmo Caderno já citado? Ou, ainda outra, que impulsionasse atividades como o Curso de Formação Político-Profissional em Saúde Mental, relatado pelo Coletivo Estudantil Espaço Saúde, no mesmo Seminário, em que os estudantes convivem com os portadores de sofrimento mental nos CAPS e Centros de Convivência antes mesmo de conhecer a psicopatologia, chegando, portanto, desarmados?" 

Ana Marta e eu - I Congresso Brasileiro de CAPS, São Paulo, 2004

A Formação em Saúde Mental: ousemos avançar

 por Ana Marta Lobosque, Psiquiatra, militante da luta antimanicomial, Coordenadora do Grupo de Produção Temática em Saúde Mental da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais-ESP.MG,  Coordenadora da Residência Multiprofissional ESP-MG/ Secretaria Municipal de Betim
Texto apresentado no Seminário Nacional SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DE FORMAÇÃO, realizado pela Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, em 27, 28 e 29 de maio de 2009, em Belo Horizonte-MG, e publicado no Caderno Saúde Mental nº 3 da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais.
Para empreender com  rigor o percurso nessa difícil e necessária frente de trabalho que é a formação em Saúde Mental, cabe examinar as questões da Reforma Psiquiátrica no âmbito da reflexão teórica e da formulação conceitual, sem perder de vista sua origem e seus  laços com o movimento social que lhe dá vida.
Para fazê-lo, é preciso considerar o processo da Reforma em seu caráter permanentemente conflitual, em sua tensão de forças antagônicas. Tal embate não reflete uma oposição partidária: ainda que este ou aquele partido político possa favorecer mais do que outros o projeto da Reforma, ela não deve a qualquer partido sua existência, nem pode confiar a nenhum deles o seu futuro. Tampouco se reduz a um conflito de interesses econômicos que envolveria apenas segmentos sociais diretamente favorecidos pelo modelo hospitalar. Sem dúvida, interesses poderosos estão em jogo, mas não se deixam identificar de forma linear ou unívoca. Não há apenas grupos claramente definidos, de lá ou de cá. Alianças menos óbvias se estabelecem, posições se modificam; há variadas formas pelas quais se articulam as forças políticas e sociais em torno das questões do sofrimento mental.
Vejamos, a título de exemplo, alguns ataques feitos à Reforma Psiquiátrica neste ano de 2009. Um deles veio do poeta Ferreira Gullar: num artigo intitulado Uma lei errada, o autor, que se apresenta como pai de portadores de sofrimento mental, define a luta antimanicomial como um movimento demagógico de classe média, pedindo a revogação da lei 10 216. Um outro consistiu na audiência pública do dia 19 de maio de 2009, junto à Comissão de Assuntos Sociais do Senado, em que a Associação Brasileira de Psiquiatria  denuncia como doutrinária a intenção de fechamento dos hospitais psiquiátricos.
Ora, ao mesmo tempo, pela primeira vez, um dos programas televisivos de maior penetração do país – a tradicional novela das oito! – apresentou um personagem que ouve vozes, sente-se perseguido, sem que sua família perceba o que se passa, encontrando acolhimento por parte de um psiquiatra nada convencional[1]
Como pensar esta coexistência de ataques e de assimilação, de negação e de reconhecimento? Parece-me que tanto uns como outros indicam uma presença bem consolidada das ideias e das práticas ligadas à Reforma Psiquiátrica em nosso país. Bem ou mal implementada, ela tornou-se uma política pública de alcance nacional – que o Estado de Minas Gerais tem divulgado, por exemplo, nas diretrizes na Linha-Guia de Atenção à Saúde Mental, agora apresentada em programas da TV Minas Saúde. E, o que é mais importante, certos dispositivos e formas de atenção já fazem parte do cotidiano dos brasileiros.  Os CAPS são queridos por seus  usuários e familiares; as experiências da  loucura, já não mais totalmente veladas pelos muros asilares, têm convívio maior com  a vida social; a comemoração pública do 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, tornou-se um evento da agenda política e cultural de muitas cidades, muito especialmente na capital mineira. Essa mudança de posição das peças no jogo, essa maior visibilidade das questões relativas ao sofrimento mental, e das diferentes perspectivas possíveis para o seu exame, tanto provoca ataques de certos segmentos bem localizados, como resulta numa  disseminação capilar e quase anônima  no tecido social, a ponto de atingir esta forma cotidiana do universo ficcional  brasileiro que é a novela.
Nos ataques, podemos reconhecer alguns traços que se repetem. Primeiro: pronunciam-se familiares, como é o caso de Gullar em sua coluna, e psiquiatras, como  na audiência já citada. Isso não quer dizer que a maioria dos familiares pense desse modo, nem que sejam os psiquiatras os únicos ou principais adversários da Reforma. Significa, a meu ver, que estes dois segmentos são porta-vozes de um campo de forças que os ultrapassa, e cuja amplitude talvez lhes passe desapercebida.
A tática é sempre a mesma: tentar trazer  a discussão para o terreno da técnica, para, dessa forma, extinguir a necessidade mesma de qualquer discussão. É o que fazem  alguns familiares, como Gullar, ao dizer que a ciência moderna aboliu as celas-fortes dos hospitais psiquiátricos, transformando-os em agradáveis clínicas de repouso. É o que fazem alguns psiquiatras, ao sustentar que o sofrimento mental, e, portanto, a política assistencial para sua abordagem, é um assunto para especialistas. Ora, transportado para este terreno, o debate se encerra: a “evidência científica” tem sempre a última palavra, mesmo quando utilizada de forma incorreta ou tendenciosa.
Ora, para produzir essas “evidências”, já não se necessita do grande hospital psiquiátrico. A oposição à Reforma hoje não se faz essencialmente na crítica à qualidade dos seus dispositivos assistenciais – os CAPS, a atenção à Saúde Mental na rede básica, as moradias protegidas, os centros de convivência, os grupos de produção solidária, etc – nem pela tentativa de acabar com eles; trata, sim, de reapropriá-los numa lógica que, aí introduzindo as figuras do hospital, do ambulatório especializado, dos programas de tratamentos diferenciados segundo o diagnóstico, volta a medicalizar a abordagem da loucura. Destaca-se o fato de que essas figuras são concebidas como lócus privilegiado de ensino e pesquisa, dessa forma assegurando uma hegemonia  no espaço da formação.
Ou seja, o que importa, sobretudo, é manter o controle e a autoridade sobre o ensino e a pesquisa dos transtornos mentais, através de uma ordenação diagnóstica em que os múltiplos transtornos relacionados no  CID 10 corresponderiam a entidades nosológicas naturais, existentes desde sempre. Ora, a lógica, os dispositivos de atenção e os laços  sociais do movimento da Reforma rompem com esta ordenação, descentralizando tanto o lugar do diagnóstico e da medicação quanto o lugar do próprio médico.
Não se trata de culpabilizar os médicos; qualquer categoria profissional que recebesse um lugar tão central em um campo quanto aos psiquiatras no da “doença mental” dificilmente renunciaria a ele. Contudo, fosse qual fosse tal categoria, com certeza cumpriria ao movimento antimanicomial problematizar, situar historicamente, apontar, enfim, a constituição e os efeitos do poder que a sustenta.
II
A breve análise esboçada acima procura situar-nos nos desafios hoje enfrentados pela formação em Saúde Mental.
Não me parece que os interesses da categoria médica sejam os únicos, nem mesmo os principais, a apoiar-se nessa medicalização. Parece-me, antes, que o modo de presença do  discurso da ciência em nossa cultura  representa uma certa forma de poder, que visa ordenar não apenas a experiência da loucura, mas a própria subjetividade, os próprios corpos, a própria vida. Nesse sentido, o discurso médico é apenas uma das manifestações desse poder, assim como a Reforma Psiquiátrica e a luta antimanicomial são uma das formas possíveis de resistência a ele. Daí, também, o caráter não unívoco das afinidades e divergências: enquanto o poeta Gullar, biógrafo de Nise da Silveira e tradutor de Artaud,  adota uma posição inesperadamente reacionária, a Rede Globo, arquiinimiga da esquerda brasileira, acaba por veicular um outro ponto de vista.
Tanto Peter Pál Pelbart quanto Oswaldo Giacoia Jr, convidados a interrogar a distância entre universidade e Reforma Psiquiátrica, em seminário publicado no Caderno Saúde Mental nº2 da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais,fazem uso do conceito foucaultiano de biopoder. Antes da Época Clássica, diz Foucault, o poder se exercia essencialmente como instância de confisco: apreensão das coisas, dos tempos, dos corpos, enfim da própria vida. Em nossa modernidade, porém, os mecanismos de poder se modificam profundamente: trata-se antes de “produzir forças, fazê-las crescer, ordená-las, ­do que barrá-las, dobrá-las ou destruí-las”  É um poder que se exerce sobre a vida, empreendendo sua gestão, sua multiplicação, e exercendo sobre ela controles e regulações bem precisos. Num de seus polos, trata-se de adestrar os corpos, ampliando suas aptidões e extorquindo suas forças; no outro polo, trata-se deles como suportes de processos biológicos – os nascimentos, a mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida – tornados objetos de intervenções reguladoras. Ainda, o desenvolvimento do capitalismo não apenas necessitou da inserção dos corpos num aparelho de produção, e de um ajustamento dos fenômenos de população aos processos econômicos: exigiu métodos de poder capazes de majorar a vida, as forças, as aptidões, sem por isto torná-las mais difíceis de sujeitar. Majorar, prolongar  a vida, e ao mesmo tempo governá-la, torná-la dócil e útil: eis a operação do biopoder.
Pode-se ver claramente como se insere aí o movimento de trazer para o interior de um campo técnico e especializado as manifestações dos sentimentos e das condutas que se expressam no sofrimento mental. Mas pode-se ver também como estas manifestações insistem, resistem, não se deixam capturar: como diz Pelbart, quando tudo parece “dominado”, “a vida  aparece …como reservatório inesgotável de sentido, manancial de formas de existência…que extrapolam as estruturas de comando…dos poderes constituídos”.

III
Como articular tais aspectos com os desafios da formação em Saúde Mental, se ousamos fazê-la avançar?
Segundo esta análise, as forças do biopoder, tais como atuam na Saúde Mental, travam o seu combate não no front assistencial, ou seja, não nos  serviços e equipamentos que atendem à maioria da população brasileira. Essas forças atuam numa face, digamos, selecionada da assistência, que se liga diretamente à formação: nos hospitais tipo “centros de excelência”, nos  ambulatórios especializados, nos programas baseados no diagnóstico, onde transitam as Residências de Psiquiatria. Da mesma forma, nas universidades,  o ensino, tanto da Psiquiatria como das demais disciplinas relacionadas à Saúde Mental, têm se mostrado muito pouco permeável às novas experiências clínicas, políticas e sociais não só da Saúde Mental, mas da Saúde como um todo.
Por um lado, os lócus da formação são serviços criados especificamente para tal, independentemente das necessidades de atendimento da população, sem necessitar preocupar-se com o acesso, a universalidade, o território, enfim, não constituindo parte orgânica do SUS, e mantidos ao abrigo da sobrecarga, da pressão da demanda hoje sofridas no processo de trabalho em Saúde. Por outro lado, os serviços e equipamentos territorializados que devem responder à demanda – no caso da Saúde Mental, as redes de serviços substitutivos  – estão muito longe de constituir-se como espaços regulares e integrantes da formação.
O problema em questão tem uma dupla face. Por um lado, a avaliação de que a luta política hoje tem uma frente decisiva no campo da formação deve levar-nos a uma disputa desse espaço, em todos os níveis – desde o nível básico até as pesquisas, as publicações, passando pela formação permanente.  Por outro lado, mesmo disputando este espaço, não se trata de nos instalarmos comodamente nele. É preciso guardar uma certa reserva, não acreditar que aí se resolva o que é crucial em nossas preocupações. Ou seja, não podemos  permitir que nossas questões sobre a loucura, sobre a subjetividade, sobre a vida, sejam transplantadas no terreno da técnica: elas jamais dariam frutos  nesse chão.
Nesse sentido, o desafio que se coloca para a Saúde Mental é uma versão de um outro, maior, que se coloca para a  cultura em relação à ciência. A ciência interessa-nos, sim: ainda que fossem dispensáveis os confortos e as facilidades proporcionadas pelos avanços científicos, não o seriam as possibilidades que nos trazem, as novas indagações que colocam ao pensamento. Afinal, as ciências não progridem apenas pela incorporação regular de novas descobertas; atravessam crises de seus próprios fundamentos, devendo repensá-los para avançar: encontram-se, também aí, perguntas que nos intrigam. Contudo, não se pode esperar delas aquilo que não podem oferecer, ou seja, sentidos, valores, ideais para a vida. Como pensar e lutar por uma cultura em que a ciência se desenvolva e avance, sem pretender abarcar e neutralizar todos os territórios sociais? Como poderiam as instâncias próprias à legitimação do discurso científico – universidades, instituições de pesquisa, etc – sustentar um necessário rigor, sem prestar-se a  distinguir práticas sociais e políticas como falsas ou verdadeiras? Como evitar que as assertivas científicas adquiram o peso de prescrições morais, por se acreditarem fundadas num “verdadeiro conhecimento da realidade”? Mais ousadamente, como pensar uma ciência que colocasse entre aspas suas próprias explicações, sem confundir-se com elas, compreendendo que sua construção se faz sob certas condições e perspectivas, e apenas dentro delas se pode validar? Afinal, podemos aprender com certos psicóticos, que aprendem por sua vez a  delirar guardando uma certa distancia do próprio delírio…
Ao ousar avançar na formação em Saúde Mental, devemos, creio, ser fieis a  este questionamento, que se encontra na origem da luta antimanicomial. Mais, ainda: se o Manifesto de Bauru já o formulava, o caminho seguido desde então levou-nos a eleger o movimento social como campo privilegiado de definição de nossas posições e de nossas estratégias. Ora, nesse processo, o protagonismo dos usuários foi e continua sendo essencial. Não só são valiosas as coisas que dizem, como, sobretudo, é de grande importância que eles próprios  as queiram dizer, e digam-nas de fato.
Mantendo esta fidelidade à sua origem e sua história, o movimento antimanicomial deve, sim, ousar avançar na formação. Aliás, deve avançar inclusive na formação dos usuários, que já não se contentam com a dimensão do depoimento pessoal, e buscam qualificar sua fala, assim como se tornam cada vez mais ousados em suas produções artística – como se vê, por exemplo, na Mostra de Arte Insensata realizada em Belo Horizonte no ano de 2008.
Nessse avanço, é importante conquistar lugares nos mestrados e doutorados, nas pesquisas, nas publicações: não para legitimar nossas posições com o aval do discurso científico, mas convocando-o para ajudar-nos a refletir, assim como a disciplinar e expor nosso pensamento. São inúmeras as questões que poderíamos explorar e aprofundar por esta via. Por exemplo, no campo mesmo da psicopatologia e da psicofarmacologia, e mesmo das neurociências, não há indagações que desejaríamos colocar a partir de outros ângulos que não os habituais? Não seria interessante uma pesquisa psicofarmacológica que considerasse os fármacos como um recurso, e não como asolução? Ou uma outra que investigasse as eventuais  alterações dos neurotransmissores, dos cromossomos, etc, na esquizofrenia, sem obrigar-se a dar-lhes um estatuto de  causa? Ou outra, ainda, que explorasse as possibilidades de uma experiência de ensino da psicopatologia protagonizada por quem vivencia o sofrimento psíquico, como nos mostra o belo trabalho de Erotildes Leal no mesmo Caderno já citado? Ou, ainda outra, que impulsionasse  atividades como o Curso de Formação Político-Profissional em Saúde Mental, relatado pelo Coletivo Estudantil Espaço Saúde, no mesmo Seminário, em que os estudantes  convivem com os portadores de sofrimento mental nos CAPS e Centros de Convivência antes mesmo de conhecer a psicopatologia, chegando, portanto, desarmados?
Contudo, isso ainda não bastaria: há outros discursos, cuja interlocução é extremamente preciosa para a Saúde Mental. Ressalto aqui duas antigas parceiras que tanto contribuíram para o nosso avanço: a psicanálise e a filosofia. A complexidade discursiva destas disciplinas, o hábito do rigor, a inquietação face aos próprios resultados, estimulam-nos a pensar e reconstruir nossas indagações. Porém, há mais, ainda: o aprendizado obtido ao longo de tantos anos de militância num movimento social não nos permitiria  um diálogo  fecundo com as ciências políticas? Igualmente, dos contatos com as famílias ao cruzamento dos territórios, nossa experiência não pode também dialogar com as ciências sociais?
Essas indicações estão longe de esgotar as extensas possibilidades que se podem explorar nesse caminho. Muito mais se poderia pensar e fazer. Aqui, porém, o avanço representará uma ousadia apenas na medida em que se enlace, sempre e mais, com o movimento da cultura. O grande desafio, a meu ver, consiste em caminharmos também nesse registro de produção de verdades sem entendê-lo como universal. Não há teses ou pesquisas congressos ou publicações, que possam encarregar-se integralmente daquilo que nos cumpre transmitir. Nossas questões, podem, sim, inscrever-se nesse registro – mas não todas! Nós mesmos podemos, sim, tornarmo-nos mestres e doutores  – pero no mucho!
Sim, há algo de nossa experiência que não se deixa traduzir nesta linguagem – o que não nos impede de aprendê-la e utilizá-la quando for o caso. Sim, há certas verdades que necessitam ser inventadas para existir – e só podem sê-lo através da produção artística, das relações amorosas, da luta política, tal como as aprendemos ao longo destes anos. Trata-se do trabalho paciente, miúdo,  delicado, de estarmos juntos, dia a dia, na construção coletiva que legitima, mais do que qualquer outra coisa, o movimento antimanicomial. O desafio de um pensamento rigoroso e exigente que nos ajude a pensar tudo isso, sem ditar-nos de antemão, todavia, o que devemos pensar pois, está posto e cumpre aceitá-lo: ousemos avançar!

[1] Trata-se do personagem de Bruno Cagliasso na novela Caminho das Índias.

Fonte: Blog Saúde Brasil

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