agosto 20, 2012

"Assange no Equador: O Norte da Democracia Global é o Sul", por Hugo Albuquerque

PICICA: "[...] as movimentações políticas americanas contra Assange só provam mais ainda a natureza do material divulgado e constituem, como pontua Mark Weisbrot, em uma violação clara a tudo que o país de Tio Sam reivindica ser desde o pós-Guerra: o criador de Wikileaks não cometeu crime algum, ele apenas divulgou dados vazados, a exemplo de inúmeros jornais pelo mundo que repercutiram, inclusive mediante acordos direitos com o próprio site. Se alguém cometeu crime, foi quem divulgou dados sigilosos, embora, evidentemente, não se trata de uma questão penal estrita; se o ordenamento jurídico americano entende a revelação desses dados como "crime", o faz como qualquer poder soberano: ele tipifica penalmente a conduta que lhe interessa e, assim, ele torna passível de punição a revelação do seu modo de operar, invasivo e conspiratório, pelo mundo."

Assange no Equador: O Norte da Democracia Global é o Sul



Há poucos dias, Julian Assange, o criador de Wikileaks, voltou ao foco da mídia global em um episódio chocante, no qual a polícia britânica o tentou capturar com o fim de  extraditá-lo para a Suécia, onde responde a um processo duvidoso e viciado por questões políticas. Chegou-se ao extremo de uma tentativa de invasão da embaixada equatoriana em Londres, onde ele se refugiou por sua proximidade política com o governo Correa - agravado pelo fato de que a missão diplomática equatoriana chegou a ser pressionada para entregá-lo. Em um gesto corajoso, ele não só não foi entregue à polícia, como também recebeu asilo no pequeno Equador, apesar de ter potências como EUA e Reino Unido em seu encalço. O conselho de chanceleres da União Sul-Americana (Unasul), inclusive, ratificou seu apoio à decisão equatoriana.

Assange tornou-se o ícone da nossa época, quase um Che Guevara da pós-modernidade ao revelar ao Mundo em 2010, por meio do seu Wikileaks, o vazamento de telegramas diplomáticos dos EUA em todo o mundo, que comprovaram velhas teses, desmascaram certas figuras e, sobretudo, colocaram Washington em xeque. Depois disso, o fato de Assange passar a ser perseguido mundialmente pelos EUA eram favas contadas - e não tardou a surgir um misterioso processo por estupro contra ele na Suécia, cuja procuradoria passou a exigir paranoicamente sua extradição da Inglaterra para lá, embora ele não tivesse sido condenado e pudesse depor tranquilamente de Londres. 

O grande problema de tudo isso, é que o Estado sueco não deu garantias, em momento algum, de que Assange não sofreria uma segunda extradição, desta vez para os EUA, onde o establishment local já preparava algum julgamento farsesco, à moda do que eles realizam a todo tempo em Guantánamo. O ponto é que a legislação sueca de crimes sexuais é profundamente vaga além do fato de pesar contra Assange uma acusação pouquíssimo clara e com um conjunto de provas confuso. Nada que não pudesse ser esclarecido sem demandar sua extradição imediata, ainda mais considerando que isso aconteceu no calor do momento em que as revelações de Wikileaks abalava o mundo. 

Pior ainda, as movimentações políticas americanas contra Assange só provam mais ainda a natureza do material divulgado e constituem, como pontua Mark Weisbrot, em uma violação clara a tudo que o país de Tio Sam reivindica ser desde o pós-Guerra: o criador de Wikileaks não cometeu crime algum, ele apenas divulgou dados vazados, a exemplo de inúmeros jornais pelo mundo que repercutiram, inclusive mediante acordos direitos com o próprio site. Se alguém cometeu crime, foi quem divulgou dados sigilosos, embora, evidentemente, não se trata de uma questão penal estrita; se o ordenamento jurídico americano entende a revelação desses dados como "crime", o faz como qualquer poder soberano: ele tipifica penalmente a conduta que lhe interessa e, assim, ele torna passível de punição a revelação do seu modo de operar, invasivo e conspiratório, pelo mundo.

As revelações de Wikileaks não são pouca coisa. Se boa parte dos principais pensadores contemporâneos gastaram páginas e páginas dissertando sobre a guinada bélica americana após o atentado de 11 de Setembro de 2001 - e, depois, sobre uma crise econômica dentro da qual não surgiu qualquer alternativa prática radical - foi pelo singelo motivo que nada era capaz de disparar o novo: depois de Assange e sua ousada ofensiva, deflagrou-se, p.ex., movimentos como aquele que conduziu à Revolução dos Jamins na Tunísia - tributário direto dos dados de Wikileaks do funcionamento da ditadura de Ben Ali -, todo o processo da Primavera Árabe e, depois, dos occupy, todos modos de insurgência libertários, inseridos dentro da racionalidade das redes - sendo que até ali, o grande levante contra os EUA e a ordem imperial veio por parte do resmungo reacionário do al-quaedismo e de Bin Laden. 

O abraço que Assange recebe do governo de Rafael Correa, o jovem presidente equatoriano eleito na esteira do vento democratizante produzido na resistência ao privatismo latino-americano, é um símbolo curioso: é a união do maior ícone rebelde do nosso tempo com o que há de virtuoso em termos de movimento político e (des)apropriação do Estado pelo mundo. Um bom encontro alentador neste 2012 que se afigura como um anti-2011, pela envergadura da reação às explosões multitudinárias vistas ano passado. A postura reacionária de EUA, do Reino Unido e, surpreendentemente, da pacata Suécia assusta. Hoje, mais do que nunca, o Norte da democracia global é o Sul. 

Fonte: O Descurvo

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